sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Sexualidade, afetividade e família.





Tenho sido acusado de arrenegar ou combater a instituição da família enquanto vínculo afetivo estável entre determinado número de pessoas com o objetivo de educar os jovens e as crianças.

A bem da verdade, mesmo após ter lido a República, a Utopia e a Cidade do sol não me dei por convencido de fosse possível substituir a instituição familiar por qualquer tipo de organização educativa de caráter coletivo.

Não quero dizer com isto que a educação familiar não deva ser necessariamente completada por uma educação ética, cívica e social oferecida em escolas públicas, cuja frequência deva ser obrigatória e o regime absolutamente laico.

Ponto pacífico quando a educação pública, gratuita, compulsória e laica destinada a criar vínculos de solidariedade entre os diversos membros da sociedade.

A simples existência de instituições privadas de ensino fere na base mesma aquela igualdade de oportunidades que deveria ser oferecida a todos os cidadãos da República.

Tornando a instituição familiar sabemos muito bem que o próprio Platão foi obrigado a rever seus pontos de vista nas Leis, a obra mais importante de sua maturidade. Temos aqui um Platão realista e não haveria eu de ser mais idealista do que ele...

Após as Monografias de Le Play fica difícil conceber a erradicação da instituição familiar cujos laços de afeto devem corresponder a aspirações mais ou menos constantes da própria natureza humana.

Ao que tudo indica tem o ser humano necessidade de construir relações afetivas duradouras ou vínculos afetivos relativamente estáveis.

Embora alguns por receio, medo ou insegurança possam fugir a regra geral, ao menos aparentemente a instituição familiar parece corresponder a uma situação de normalidade entre praticamente todas as sociedades humanas, das mais primitivas as mais civilizadas.

Ao que parece a primeira Sociedade que tentou aluir até certo ponto a instituição familiar foi a URSS, ao menos em seus primórdios, i é nas décadas de 20 e 30 do século passado. Em que pese os esforços do regime Comunista soviético a instituição familiar, mesmo entre eles, atravessou triunfalmente o século XX até o final dos anos 80 quando o regime desmoronou.

Não é portanto a família, enquanto vínculo afetivo estável existente entre certo número de pessoas, que dirigimos nossas críticas, mas sim a uma determinada forma de família ou a uma estrutura familiar relacionada com um determinado tipo de cultura, a saber a cultura judaico/rabínica.

Não bíblica ou vetero testamentária, uma vez que para o azar dos fundamentalistas, o primeiro padrão familiar em termos bíblicos é poligâmico, não monogâmico. Haja visto que não apenas os ditos reis da casa de Israel como Dawid e Suleiman, mas os próprios patriarcas dos hebreus como Abraão e Jacó possuíam, cada qual seu serralho. Ora, não pode o Deus santo e imutável aprovar o pecado, como não pode fazer acepção de pessoas...

Nem afrontariam aqueles homens as leis de seus deuses...

Donde se infere necessariamente que a poligamia era situação comum entre os antigos hebreus, tal e qual é hoje entre os árabes maometanos.

Assim o surgimento da monogamia entre os antigos judeus nada tem a ver com qualquer Revelação divina, mas com o desenrolar de um processo histórico em termos naturais.

Para os escribas, fariseus e rabinos do século I desta Era no entanto, era já uma instituição dada como sacratíssima. O Cristianismo surge neste contesto e incorpora naturalmente este ponto de vista, em que pese não ser legitimamente Cristão no sentido de que tivesse sido fixado por Deus.

É verdade que Jesus Cristo apela ao mito de Adão e Eva com o objetivo de dificultar a concessão do divórcio, o que naquelas circunstâncias significava proteger a mulher. Mesmo porque devia assumir a cultura judaica para poder dialogar com os judeus, o que de modo algum deve levar-nos a imaginar aquela cultura ou seus mitos como sagrados. Para argumentar com os antigos judeus somente recorrendo a seus mitos, tal o propósito de Jesus, convencer os judeus e não pronunciar-se a respeito da validade intrínseca de seus mitos.

Portanto o que contestamos antes de tudo é o caráter monogâmico, hétero normativo, patriarcal e indissolúvel do matrimônio, i é a receitinha judaica assumida pelo Cristianismo. Asseverando que nenhum destes carácteres foi Revelado sobrenaturalmente pela divindade. A única regra fixada pela divindade quanto as relações matrimoniais é que, sendo fechadas, devem ser honestas. Portanto a única regra vinculada ao matrimônio, em condições de contrato exclusivo entre duas pessoas, é a fidelidade mútua, expressa pela condenação do adultério.

Parece-nos óbvio e evidente que a traição ou o adultério só fazem sentido, como por sinal lemos em Crime e Castigo, quando há um contrato fechado ou exclusivo, conforme a vontade dos nubentes. Caso não haja sentido de posse ou de posse exclusiva, mas um contrato aberto, em que ambas as partes permitam-se o fruição de uma vida sexual livre, a simples hipótese de traição ou adultério torna-se absurda. Não há traição onde há permissão ou necessidade de engado onde há autorização mútua. Porém no contesto de um contrato fechado, o compromisso de fidelidade assumido por ambas as partes deve ser honrado.

Nossa crítica principia por aqui. Pois embora a lei celestial discipline um contrato fechado pela condenação do adultério, em parte alguma do Evangelho ou mesmo do Decálogo topamos com a exigência de que a forma do contrato fosse fechada. Assim a lei trata com uma situação dada pela cultura e não com uma situação determinada pelo sagrado e isto pelo simples fato de que aos homens cabe o justo direito de determinarem suas relações afetivas.

Assim se o dolo de uma traição toca essencialmente as coisas divinas pelo simples fato da esperteza e do engano; a forma mesma do matrimônio ou sua estrutura é indiferente. Desde que haja um vínculo afetivo ou amor. Eu mesmo compreendo, e ouso confessa-lo, que o amor entre duas pessoas apenas me pareça superior ou mais elevado. No entanto quem sou eu - enquanto ser humano inserido numa determinada cultura - para julgar os outros? Não, não posso ser árbitro daqueles que consideram possível partilhar o amor com duas, três, quatro, ou mais pessoas. Não vejo absolutamente dada de divino contra a poliandria ou a poligamia, e penso que devêssemos encarar tal assunto como pessoal ou livre. O contrário disto seria opressão.

Claro que podemos optar pela monogamia ou preferi-la. Agora querer impo-la a todos os outros e em nome de Deus me parece o supremo absurdo. Deus certamente observa em primeiro lugar o sentimento do amor do que o número. E quem sabe até sem numa família do tipo poligâmico ou poliândrico não pode haver mais amor, carinho e afeição do que em algumas famílias monogâmicas que vivem de aparências?

Cessemos portanto de apontar, de julgar e de condenar o outro porque isto certamente não é nem um pouco Cristão.

Afinal tantos daqueles que batem no peito declarando-se monogâmicos possuem mais amantes ou casos fora do casamento do que os próprios poligamistas???

Aquele que tem fé viva a simplicidade da sua fé sem observar como vivem os outros.

Devemos portanto estar abertos para aceitar diversos tipos de organizações familiares. E não permanecer inutilmente apegados a abstrações metafísicas ou a agregados culturais persistentes.

Tampouco cabe a nós Cristãos impugnar o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. Se você não concorda, é muito simples - Não pratique. Certamente ninguém haverá de obriga-lo a casar-se com outro homem ou com outra mulher. Não precisa nem mesmo ir a cerimônia de casamento ou levar presente, mas certamente precisa respeitar duas pessoas que se amam ou que se gostam, porque se elas se amam o Deus de amor se faz presente entre elas e santifica esta relação.

Tais pessoas não são safadas ou imorais, ou promíscuas porque pensam o sexo distintamente de você. Como não são monstruosas as que aderiram a uma dieta distinta da sua... Quando vamos a um restaurante há quem prefira salada e há que prefira churrasco, além é claro do que preferem frutos do mar... O que não há nem poderia haver é policiamento... Não podemos sair na mão por conta de hábitos alimentares distintos... Como não podemos agredir o outro por causa de suas preferências sexuais. O cardápio, o figurino, as sensações sexuais pertencem ao outro não a nós e o outro deve ser reconhecido como livre e senhor de si. O contrário disto é opressão.

Nem me diga que é a homossexualidade um pecado terrível porque serão os homens arremessados no mítico inferno. Remeto meus críticos a descrição, sucinta porém necessariamente completa oferecida por Nosso Senhor Jesus Cristo no vigésimo quinto capítulo do Evangelho de Mateus - Tive fome e me destes de comer, tive sede... é o que encontramos ali e não Destes teu rabo ou esfregaste tua vagina noutra vagina... Não isto não lemos. Deste juízo sexual, homofóbico, moralista e puritano não há vestígio no santo Evangelho. Destarte somos autorizados a declarar em alto e bom som que o Deus dos Cristãos não é vigia do ânus, do pênis ou da vagina de quem quer que seja... Não temos um Deus no controle de órgãos sexuais, o Evangelho não nos apresenta um Deus que nos julga por nossas preferências sexuais mas por nossos corações, indagando-nos apenas sobre que fizemos de nosso semelhante ou se a semelhança dele amamos o próximo como a nós mesmos.

Lamento mas a homofobia não esta fundamentada no terreno do Sagrado Evangelho. Lamento mais a titulo algum é Cristão. Portanto se duas pessoas do mesmo sexo desejam estabelecer vínculos estáveis ou um compromisso afetivo e adotar, e educar crianças ou jovens, rejeitados por heterossexuais despudorados e sem consciência nada há de anti natural nisto. Anti natural é uma pai ou uma mãe repudiarem seus próprios filhos, os quais geraram tendo em vista a conservação da espécie. Isto sim, o repúdio é aberrante. Não o acolhimento ou a adoção, parta de quem parta.

Tanto pior do ponto de vista natural ou civil, segundo o qual assiste a tais pessoas, enquanto contribuintes o direito líquido e certo de registrar suas relações afetivas obtendo amparo por parte do estado.

Por patriarcal temos o matrimônio machista, em que uma das partes é tida em conta de essencialmente inferior ou de prestadora de serviços (serviçal). É patriarcal o tipo de relação não igualitária em que é defeso ao marido comandar a mulher e os filhos exercendo caprichosamente a tirania sob ambas as partes segundo o modelo tradicional do 'pater familias' romano. Aqui a mulher é tida em conta de serva sexual ou de empregada e os filhos de tutelados sem vontade própria. Já o macho dominador converte-se em deus na terra... Claro que a suposta superioridade do homem é, como não podia deixar de ser, coisa de livros religiosos e não da natureza.

Os povos semitas, vivendo nas areias do deserto e tomando por padrão social a força física não apenas deram a mulher por inferior ao homem como atribuíram esta distinção a divindade. No entanto todas as situações em que a mulher aparece fruindo duma condição inferior ao homem são dadas pela cultura, não pela natureza. Intelectualmente é a mulher tão capaz quanto o homem desde que se lhe dê as mesmas oportunidades. Além disto tem o poder de levar a cabo a geração, coisa que o homem não pode fazer por si só... Klein por sinal, lanço a tese segundo a qual o homem se sente incomodado por essa capacidade da mulher levar a cabo a geração, sem necessidade dele ou de converter-se em 'pai' e mãe...

Cada vez mais se impõem a necessidade de que a Igreja (do ponto de vista administrativo não doutrinal), a escola, o clube e o próprio matrimônio assumam cada vez mais pressupostos democráticos com o propósito de produzirmos uma cultura ou um espírito democrático. Relações hierárquicas e autoritárias na base da cultura certamente fragilizam a produção de uma consciência democrática. Esposas (ou maridos, porque também existem) e filhos submissos jamais serão bons cidadãos em estado de liberdade. Por isso todas as decisões de uma família devem ser tomadas em comum, partindo de um conselho familiar. Assim discutidas e votadas, jamais impostas verticalmente.

Tampouco vemos que seja ou deva ser o matrimônio indissolúvel por qualquer razão, mas solúvel como todas as coisas que porventura não deem certo. Por isso o Salvador do mundo autoriza subsequentes matrimônios em caso de adultério para a parte inocente. Afinal nem poderia o inocente, sob qualquer título ser penalizado da mesma forma que o culpado ou suportar um jugo mais pesado; seria injusto. Isto disse ele para evitar que as mulheres judias fossem repudiadas por qualquer motivo leviado e lançadas no olho da rua para que morressem de fome. Restringiu o divórcio entre os judeus e os primeiros cristãos procedentes da judiaria com o objetivo de proteger a mulher.

Num regime de liberdade no entanto para que deveriam as partes esperar serem traídas uma pela outra? Haveria conselho mais insensato??? Claro que numa situação diversa da que vigorava entre os primitivos judeus seria defeso ao casal desfazer o matrimônio por mútuo acordo, antes que chegassem a situações de adultério ou violência, sendo defeso tanto a um quanto a outro contratar novo matrimônio.

De tudo quanto dissemos acima ressalta a tese segundo a qual as relações matrimoniais foram dadas ao homem para que ele mesmo as gerencie racionalmente da melhor maneira possível.

Resulta deste gerenciamento mútuo que possam, na medida em que se mostrem maduros e capazes, de administrar a sexualidade do matrimônio, sem confundi-la com a afetividade ou o vínculo. Defendemos assim o amor livre ou o sexo livre dentro do casamento ou do matrimônio. Noutras palavras defendemos a existência de um matrimônio sexualmente aberto ou de vínculos afetivos estáveis que não pressuponham controle ou monopólio sexual.

Já esta mais do que na hora da sociedade aprender a separar amor de sexo e sexo de amor. O que produz um vínculo entre duas ou mais pessoas é o sentimento, o carinho, o amor, o afeto, a confiança, etc não o sexo. Em que pese a existência dos vínculos e da união, a sexualidade de ambas as partes podem continuar sendo livre se ambos o quiserem e assim decidirem.

Se amar é querer ver o outro feliz não me parece condizente com a vontade de reprimir os impulsos ou desejos sexuais alheios. A que título você pensa poder cobrar que a pessoa a que ama faça sexo apenas com você ao invés de autorizar que tenha uma vida sexual livre com outras pessoas? A única explicação possível aqui é que a maioria de nós sente-se inseguro com relação ao próprio desempenho sexual temendo ser superado por alguém e eventualmente posto de lado. No entanto se o que conta de fato numa relação estável é de fato o amor, o carinho, etc não é de se esperar que esta relação permaneça firme, forte e inabalável para além de qualquer outra possível experiência sexual???

Por outro lado não é até melhor que a pessoa a que amamos tenha uma, quem sabe, uma experiência sexual mais intensa com uma outra pessoa, desde que consentida por nós? Será que um tal tipo de liberdade não reforçaria ainda mais os laços de admiração, gratidão, carinho e amor? Isto pelo simples fato de que o amor nos faz aspirar ver o outro feliz e realizado em todos os sentidos... No fim das contas por que odiar a alguém por dar prazer a quem dizemos amar? Acaso dar prazer a alguém não é um bem e fazer alguém feliz não é igualmente um bem?

Então por que queremos monopolizar sexualmente o outro e restringir sua liberdade e experiencialidade sexual se sabemos que será uma fonte de angústias e neuroses para ele?

Mas quem ama deve controlar-se?

Controlar-se porque o exigimos? Controlar-se por que é objeto ou propriedade nossa? Controlar-se por que é monopólio nosso? Que temos aqui nesse sentido de posse, amor ou egoísmo?

Que queremos de fato que o outro nos faça feliz submetendo-se a nosso controle ou que o outro seja feliz???

Mas quem ama deve fazer sacrifício?

Neste caso olhe para dentro de si mesmo e responda se esta sinceramente disposto a fazer grandes sacrifícios pelo outro.

Se responder sim, estamos conversados...

Agora se hesitar por um instante, permita que lhe pergunte:

Desde quando exigir sacrifício por parte do outro é amar?

Afinal sacrifício é dor ou desconforto não?

Permita-me insistir teimosamente e dizer que amar é querer fazer o outro feliz?

Como posso fazer o outro feliz submetendo-o a situações limites, cobrando-o, vigiando-o, policiando-o, tratando-o como um objeto ou uma propriedade?

Perdoem-me a ignorância mas não posso ver como tantas e tantas exigências possam corresponder ao amor, ou por que deva o amor imiscuir-se nos domínios da sexualidade.

Por que motivos não podemos construir laços familiares duradouros com base no amor e ao mesmo tempo conservar a liberdade sexual evitando tantas situações de neurose e conflito que chegam até a violência?

A instituição família penso eu continuará a existir por séculos ou milênios.

Assumirá no entanto novas formas passando por múltiplas transformações.

Assim o que repudiamos não é a instituição em si mas determinada forma 'fixa' ou imutável enquanto produto natural da cultura e não uma emanação do Sagrado. Nós aceitamos todos os tipos ou modelos de família desde que santificadas pelo vínculo do amor. E acreditamos acima de tudo numa adoção, cada vez maior, dos casamentos sexualmente abertos, o que por sinal é bem mais conforme a dignidade da criatura racional.

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