quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Os erros e acertos do Sardinha (Antonio in 'Glossário dos tempos' 1942) II


Agora damos que esse Sardinha, que tanto censura os demais por terem assumido ideais estrangeiros ou galicanos (Franceses), não pode deixar de citar seu guru francês que é o excomungado Charles Maurras, criador da Ação francesa e pai do integralismo.

Crítica os ancestrais lusos reprodutores de Rousseau, Barras, Robespierre, etc - E copia outro francês...

E assim caminha a pobre e infeliz humanidade, de abismo em abismo - Abyssus...

Trágico é que o pobre Sardinha copia muito mau o seu guru francês.

O qual vivendo nas Gálias bem podia observar muito de perto o que sucedia nos cantões da majestade luterana i é do Kaiser Guilherme...

Justiça seja feita ao velho Maurras, como proto fascista tinha ele certa compreensão realista da cultura (Não era um Weber é claro mas não lhe faltava gênio!) e perfeito entendimento - Tal e qual o insuspeito Comte e muitos outros - quanto ao significado do protestantismo e a cultura produzida por ele. Da qual absolutamente nada esperava.

De fato esses franceses, geniais mesmo quanto equivocados, como Comte, Maurras, Gaxotte, etc muito teriam a dissertar sobre os EUA, o norte americanismo, o protestantismo e o tempo presente, quiçá superando o velho Tocqueville. Já o pai de Montaigne e sobretudo Guilherme Postel haviam percebido diversos aspectos do éthos protestante quando este ainda dava seus primeiros passos.

E todavia a pobre humanidade e os franceses de hoje, e os latinos, parecem se ter esquecido de tudo, de tudo...

Sendo velho o mal...

Como podemos detectar no Sardinha, patriarca dos integristas lusitanos - Muito mal orientados... Pois com que incredulidade não lemos, á página 74 do citado Ensaio, seus votos pela vitória do imperialismo alemão. Para ele a humilhação de uma França politicamente liberal e laicista pelo império luterano alemão representaria a regeneração da Europa... Não era simples questão de reprochar os excessos anti clericais de uma França desorientada por Clemenceau, mas questão de admirar o éthos Alemão pautado na submissão passiva do cidadão a qualquer lei ou mesmo decisão do líder - Submissão cega e irracional de que resultaram mais tarde os nefandos crimes do nazismo.

Éthos inseparável do luteranismo ou de um calvinismo reinante, ou ainda de um jansenismo que jamais se impôs a França - Tudo derivado da antropologia podre de Agostinho, do irracionalismo e da negação da liberdade, negação em nome da qual os senhores luteranos, desde 1525, impuseram - Aos camponeses ou servos! - um regime mais rigoroso e estreito do que o vigente na odiada Idade Média romano papal. Desde então foi a vontade tomada ao povo alemão, e converte-se este num boneco ou naco de cera sempre submisso ao poder.

E Sardinha, sem investigar fontes e causas, admira a disciplina dos cidadãos ou soldados alemães. Morre de amores, esse luso tão confuso, pelos pais daqueles que mecanicamente sujeitos a uma ordem ou palavra exterminaram sem inibição aldeias inteiras na Grécia, Itália, França, Rússia, etc metralhando milhares de mulheres, crianças, idosos ou mesmo animais, todos inocentes... Exatamente como no adorado velho testamento. Tudo em nome desse culto supersticioso e horrendo a obediência cega e a ordem, o qual foi e é um verdadeiro flagelo.

Sem jamais ter lido uma palavrinha do quanto escreveram os insuspeitos pastores protestantes Monod, Wagner, Viénot e Monnier sobre as atrocidades cometidas pelos soldados do Império Germânico em conexão com o éthos protestante, a sardinha lusitana vê em tudo isso Redenção!!! Como os europeus latinos e sulistas de hoje, Sardinha é angelical, e nada desconfia do protestantismo alemão... Ele que ufanava ser bom católico - Tal e qual os 'bons' católicos (Ou Ortodoxos) de hoje, alinhados com os EUA ou o americanismo. De século a século o engano é o mesmo...

Ora aliados dos Alemães ou dos Norte americanos vão os romanos sacrificando suas tradições e cultura a interesses políticos ou econômicos, pelo que se tornam súditos desses países protestantes, apaniguados de sua cultura e por fim conquistados...

Outro aspecto curioso deste ensaio integralista foi ter carregado fortemente contra o liberalismo político francês sem ter tocado mesmo de leve nos problemas muito mais sérios e graves do liberalismo econômico inglês ou mesmo Norte americano ou ventilado que aquele poderia corresponder apenas a simples passagem de qualquer modelo tradicional para este último. Noutras palavras - Que as transformações políticas bem podiam ter por objetivo e fim a criação de uma sociedade econômica ou economicista em que os bens e serviços violentamente tomados a igreja de Roma em nome do laicismo bem poderiam vir a ser, em qualquer momento, adjudicados a indivíduos ambiciosos, como sucede hoje por meio das assim chamadas privatizações ou da tal desestatização.

Bem se percebe que Sardinha não fez qualquer contribuição relevante neste terreno, sendo incapaz de superar o tosco padre Murillo, o qual tendo olhos apenas para o liberalismo político não quis ou pode ver senão a pontinha do iceberg. 

Hoje, quando apregoam a passagem do político ou estatal para o privado ou individual podemos contemplar, ao menos na imaginação, o corpo do iceberg.

Querem que no futuro, absolutamente tudo seja pago $$$... Ao menos o quanto os padres, monges e freiras faziam era oferecido a todos, inclusive aos mais humildes e não apenas aos ricos ou a quem podia pagar. Havia vícios e defeitos... Aos montes... E por isso o poder político, alegou tomar posse de tais instituições e oferecer tais serviços sempre com a ideia de torna-los mais e mais universais por meio da gratuidade. 

Eis que agora, os descendentes daqueles que, em nome da acessibilidade e da igualdade, tomaram tais bens e serviços a velha igreja romana, pretendem vende-los a particulares de modo a autoriza-los a converter tais bens e serviços em fontes de lucro, com exclusão dos que mais necessitam. Que lógica há nisso...

Já vimos o mesmo embuste e falso enleio, no berço da reforma protestante. Quando o povo, acreditando nas promessas dos reformadores, apoiou o confisco dos bens eclesiásticos, por acreditar que obteria parte deles...  O que aconteceu depois disso já foi descrito por Janssen e Cobbett. Os príncipes e nobres amealharam tudo e os pobres ficaram ainda mais desassistidos, não tendo a quem recorrer.

Parece que a passagem do religioso para o político e sobretudo a atual tentativa de passagem - Exigida pelo Mercado todo poderoso - do político para o econômico (Por meio das tais privatizações) reflete um tipo de movimento análogo, se bem que mais sútil.

Apenas consumada a afirmação dessa sociedade econômica por meio do esvaziamento do político e da, consequente, dominação absoluta do poder econômico, poderíamos dar razão aos tradicionalistas e avaliar a passagem do religioso ao político, por passageira, como danosa. 

Naturalmente não nos foge a memória que nos reinos ibéricos, ao tempo em que a América foi ocupada, admitiu-se a participação da iniciativa privada em certos setores da atividade humana. Mas não na Educação e tampouco na Saúde... Setores essenciais eram retidos pela coroa e permaneciam em suas mãos, uma vez que a religião, a ela unida, era espécie de repartição de Estado. 

Posteriormente, tiveram os Estados de assumir a exploração das riquezas naturais, comunicações e transporte - Ao menos em grande parte. - por considerar que eram setores vitais ou estratégicos. E de fato a questão premente é se a totalidade de tais serviços ou mesmo parte deles deva passar a mãos de particulares e ser geridos objetivando apenas e tão somente a aquisição do lucro.

Quanto ao transporte e comunicações não nos opomos a participação da iniciativa privada sob a fiscalização efetiva e rigorosa de um Estado popular ou democrática, agora quanto a extração das riquezas naturais e sobretudo quanto a Educação e a Saúde, temos que devam permanecer nas mãos do poder público e oferecidas por ele observando rigorosos critérios de qualidade. Postulamos uma gestão pública ou democrática sob a égide de determinados postulados éticos. 

Pois quando se tem em vista o lucro acima de tudo é absolutamente normal que se proponha sempre a contenção de gastos ou a economia sem seu sentido estrito e chão, o que nos domínios da Educação e da Saúde são sempre funestos, pelo simples fato de que determinado aluno ou paciente, cuja condição implique excesso de gastos, vir a ser encarado como causa de prejuízo. Estamos acompanhando esse tipo de problemática - Mais comum do que se imagina - no Seriado Norte Americano 'The good doctor', transmitido alias pela Rede Globo. Não é produção de Michael Moore financiada pelos comunistas porém relato insuspeito sobre o gerenciamento privado da saúde nos EUA.

Tivemos aqui em Santos um caso acontecido nos anos 90 em que o Hospital Beneficência portuguesa, por questões de ordem financeira, não achou conveniente trocar uma peça do aparelho destinado a Radioterapia - Conclusão, por anos a fio, os pacientes cancerosos foram submetidos a um tratamento inócuo ou assassinados porquanto o câncer não foi debelado.

Posteriormente tivemos o caso da Prevent Senior em que, tendo em vista minimização de gastos, tais e tais tratamentos custosos eram recusados a pacientes idosos cuja condição fosse demasiado grave. Eu mesmo testemunhei cenas chocantes nas assim chamadas retaguardas de certos Hospitais privados desta região, as quais não hesitaria qualificar como criminosas. 

Quando um diretor de Hospital ou sua equipe consideram como prioridade o lucro e não a recuperação do paciente, ainda que onerosa, tais instituições convertem-se em autênticos açougues. 

Outra não é a situação das Escolas. Há escolas privadas que a preço de ouro oferecem educação esmerada, como ferramenta de poder, as elites. Tais o Dante Aligheri ou o Bandeirante... Como há diversas Instituições de Ensino superior que vendem diplomas... Situação que se vai tornando cada dia pior. 

Mesmo porque as pessoas, em geral, atribuem maior valor a vida do corpo físico do que a vida do espírito, que é a Educação. Do que resulta ser, o espaço da saúde, fiscalizado com mais intensidade e atenção. O Hospital é certamente muito mais cobrado que a Escola... E nele não toleraríamos jamais o que toleramos nela... Resulta tal menosprezo numa cultura de mortos vivos ou zumbis a que chamamos massas, associada a abominável oclocracia.

Mesmo quando refere as Danaídes, Sardinha, não percebe que ajustar os modelos sociais, políticos, morais, etc ao novo modelo econômico criado pelo protestantismo, i é, ao capitalismo, equivalia a uma utopia como outra qualquer. Pois como verificou o insuspeito Le Play as relações de convívio familiar que suportam aquele tipo de moralidade são as primeiras a serem destruídas no contexto urbano implementado pelo capitalismo.

A tão acalentada moralidade é moralidade de pequenas comunidades camponesas, agrícolas ou interioranas, e como tal infensa a um ambiente urbano em que o ritmo do trabalho, sendo alucinante, absorve a totalidade das energias e ocupações humanas.

No ambiente urbano, sob a égide das relações de mercado, política, comunidade e família cedem passo a produção de bens de consumo e são trituradas pelas engrenagens do capitalismo. Pai e mãe desertam do lar, abandonam a prole e a partir daí a cultura antiga desaba ruinosamente. O afeto se perde, o calor humano se acaba, o convívio desparece, os corpos se alienam, o educação se obscurece e o espírito entorpece... As pessoas se despersonalizam e os humanos se desumaniza. 

Não foi qualquer ideologia posterior que destruiu a família tradicional com seu modelo de moralidade, foi o liberalismo econômico!!! 

Não se pode conservar tudo e liberalizar apenas a economia como querem os tradicionalistas do Plínio C de Oliveira... O conservadorismo só seria viável em bloco, conservando o modelo econômico medieval. Os neo romanos no entanto, e por mero oportunismo, estabelecem compromissos levianos com o liberalismo econômico, ponta de lança do americanismo, que é um modelo de cultura protestante.

Scruton percebeu-o claramente no fim de sua vida, assim como nosso Jorge Boaventura... E ai temos o mitológico tonel.

Não acredito num conservadorismo total - Que ultrapasse o domínio da fé. - como D Lefebvre, mas admiro lealmente a honestidade de seus defensores. Quanto as soluções de compromisso são todas grotescas... Admitido o liberalismo econômico os modelos sociais legados pela antiguidade ou pela I Média estão condenados - Impossível salva-los.

Impossível evitar a mudança - Viver é transformar-se.

É no entanto, perfeitamente possível, orientar a mudança imprimindo-lhe direção. 

A direção imposta pelo capitalismo está errada, pelo simples fato de que após ter destruído diversas formas de convívio dignas de terem sido conservadas, ameaça a natureza, o planeta e a sobrevivência da própria espécie.

O fim do paraíso bucólico ou do idílio campestre era algo que talvez pudesse ter sido suspeitado por Sardinha como o foi por T S Elliot, Bernanos, Valéry, Hesse, Wolf, etc mas não o foi... 

O lusitano bisonho desconfia tanto dos tentáculos do capitalismo quanto do luteranismo germânico, o qual saúda como aurora dedirósea da civilização...

Abominável inversão tão comum em nossos dias - Concede-se máxima e irrestrita liberdade ao Mercado enquanto se lança pedras a liberdade política ou a democracia, bem como ao liberalismo moral (Por parte da hipocrisia moralista.)... Diante disso como não dar total razão ao verso do Evangelho: A luz manifestou-se aos homens e eles preferiram as trevas! Ainda preferem...

E o Antonio Sardinha foi um deles, como são seus leitores e os do pobre Corção, e os do Olavo... Como Marta, eles escolheram a pior parte... a parte mais infectada ou podre da modernidade.











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