domingo, 18 de fevereiro de 2018

Em torno de um vídeo - Catolicismo Vs Capitalismo (Youtube)

Esta 'breve' defesa foi elaborada após termos iniciado a leitura da obra 'O século do nada' de Gustado Corção. Obra 'confusionista' em que o polemista atrabiliário busca desmerecer as figuras de grandes Católicos como E Mounnier e J Maritain, tal como já fizera com Tristão de Athayde.

Corção, como Vintila Horia e o Bispo Fulton Sheen, faz parte do seleto grupo dos comunófobos ou dos contra revolucionários do tempo presente, isto é claro numa perspectiva ingênua ou idealista. Afinal também nós, como Católicos, somos contra revolucionários. Não no sentido superficial e tosco de reprimir as revoluções 'a posteriori' ou pelo emprego da força, o que denota falta de inteligência. Mas no sentido realista ou profiláxico que leva a eliminar 'a priori' as potenciais causas que possam ativa-la. Nós somos por evitar as Revolução ou por sofre-las como quem sofre uma penitência (Berdiaeff).

Afinal que são as tais Revoluções senão a morte e dissolução de sociedades que estavam enfermas? Acaso um homem que deseje escapar a morte não procurará o médico, fará dieta, tomará os medicamentos receitados e se submeterá a quaisquer tratamentos, inclusive a uma cirurgia, se necessário for? Assim as Sociedades que aspiram escapar as Revoluções devem reformar-se, necessariamente. Nós somos pelo único caminho viável, a eliminação de todos os abusos que alimentam o espírito revolucionário.

Tornando agora a Corção, Horia e F Sheen, forçoso é declarar que ainda existem Católicos deste talhe no seio da igreja, a qual prestam imenso deserviço, não é claro por serem anti Comunistas, pois é evidente que o Católico não pode ser comunista, já porque não visa os mesmos exatos fins que o comunista, já porque não recorre nem poderia recorrer aos mesmos meios, ao menos de modo geral. Tal não é o caso. Importa declarar em alto e bom som que não basta ser anti comunista. Ser apenas anti comunista é ser parcial, injusto, arbitrário, oportunista e até mesmo canalha. É necessário ser bem mais do que anti comunista, já o veremos!

A bem da verdade a igreja sempre deu combate a todas as formas de naturalismo, exceto, em certa medida - que não vem ao caso agora - ao naturalismo político. Diante disto faz-se mister ser também e igualmente anti Capitalista, opondo-se tanto ao Comunismo quanto ao Liberalismo econômico, mormente quando Sheen, Horia e Corção são obrigados admitir que aquele é fruto ou filho deste. Foram os erros do liberalismo econômico que produziram o Comunismo e as diversas formas, naturalistas, de socialismo. Socialismo não é causa, é efeito, consequência, reação face as mazelas produzidas pelo Capitalismo. Ainda aqui, mais uma vez, faz-se mister ir as causas, as fontes e expor as raízes do mal. Afinal o machado da palavra de Cristo deve ser levado a raiz do mal, para extirpa-la sem maiores contemplações.

Ainda hoje há muito Católico mal orientado ou mesmo mal intencionado que reproduz este tipo de discurso posto em circulação pelo protestantismo. O protestantismo sendo lacaio do capitalismo será necessariamente anti comunista, somente isto e nada mais que isto. Pelo simples fato de que o âmago da questão, como perceberam Maritain e Mellawace, toca a velha questão da fé e das obras, e jamais saí disto. A questão da Doutrina social da Igreja é questão que toca diretamente a questão do homem, da graça, das obras e do mundo material. Não é algo dogmaticamente ocioso ou irrelevante. Daí a necessidade imperiosa do Católico refletir sobre ela numa perspectiva coerente, ao invés de adotar posturas que nada tem de Católicas. Os protestantes negando a regeneração interna do ser humano, renunciaram a possibilidade de transformar a Sociedade dos homens. O Catolicismo não pode renunciar a este ideal ético sem renunciar a si mesmo...

A arenga não é ociosa uma vez que Corção, ao contrário da quase totalidade dos neo Católicos, mergulhados na ignorância e no conformismo, conhecia detalhadamente o que chamamos - e ele também - Catolicismo social. Alias o próprio Corção busca traçar a genealogia deste movimento tão importante para a consciência Católica, e chega a Adolphe Thery, Bourgemont, Villermé, Buchez, Ozanam - Cf 'O século do nada' Record p 146 sgs - Albert de Mun, Le Play, Leon Harmel, La Tuor du Pin, etc quanto a França, e a Ketteler, Manning, Gibbons, Decurtins, Pottier, Verhaegen, etc no exterior. Temos outras narrativas preciosas - A de Luiz Francisco F de Sousa (Socialismo uma utopia Cristã), a de Francisco Nitti (Socialismo Católico), a de Brunetière, a de Guyau, a de Laloup Nelis - e outros tantos nomes como os de Mably, Morelly, Meignam, Lammenais, Bloy... Ireland... Wietling... De Amicis, Nitti... Alias o nome de Bloy é importante pelo simples fato deste personagem, citado por Corção no frontispício da referida obra, estar relacionado com Berdiaeff, Maritain, Mounnier e outros indevidamente incriminados pelo panfletário brasileiro.

Corção tem razão contra os comunistas, e até mesmo Polanyi e Hobsbaw o reconhecem - A igreja não deixou de atuar contra as forças tenebrosas do Capitalismo emergente, no entanto entre suas fileiras haviam dois tipos de mentalidades, as quais encaravam o problema da miséria de forma bem distinta. A primeira linha de pensamento, segundo a tradição de S Vicente de Paulo - o qual vivera no século XVII, num contexto tradicional e não num contexto capitalista -  situava a questão na esfera da caridade, da assistência ou do que chamaríamos hoje 'paternalismo'. Esta corrente, representada por Ozanam, incorporava não poucas vezes um conceito formalista de propriedade, associado a uma abordagem voluntarista (relacionado com o próprio conceito de caridade) e a um certo receio face a um estado interventor.

Crucial declarar que o ponto de vista acalentado por este grupo não está de acordo com a doutrina comum aos padres da igreja e menos ainda com o ensino corrente da escolástica, uma vez que seus membros ignoravam supinamente os ensinamentos de Tomás de Aquino. O estudo da obra de Tomás de Aquino só viria a ser sistematicamente retomado sob os auspícios de Leão XIII pelos idos de 188

Curioso observar que um estudioso brasileiro dedicado ao tomismo, o profo Jorge Boaventura, falecido em idade provecta na última década do século passado, após ter publicado inúmeras obras de polêmica contra os Marxistas - editadas pela Biblioteca do exército - chegou a conclusão, alguns anos antes de morrer, que o ensinamento de Tomás de Aquino era sem sombra de dúvida socialista ou ao menos incompatível com o que chamamos liberalismo econômico, o que alias sabe a obviedade. A conclusão a que chegou este pensador honesto e sincero, produziu, aquele tempo, imensa consternação entre os católicos incoerentes e protestantizados, os quais chegaram a declarar que o professor Boaventura estava caducando ou esclerosado. A bem da verdade ele limitou-se a constatar o que o grande Cardeal Mercier de Malines (+ 1926) e seu sucessor Von Royer, haviam constatado há muito: Que entre o ensinamento social da Igreja e as pretensões do liberalismo econômico há uma abismo intransponível e que por ser a igreja anti comunista não pode ser menos anti capitalista ou anti liberal.

Alias por qualquer outra via que se tome, chega-se sempre a mesmíssima conclusão. Veja que o Pe Hurtado ingressou nas fileiras do Catolicismo social a partir da leitura das obras de D Columba Marmion, o que aconteceu comigo mesmo, embora no meu caso ja tivesse lido os padres da Igreja. A leitura de Marx ou de qualquer ideólogo Comunista foi absolutamente desnecessária para a maior parte dos Católicos que perceberam a antinomia - Catolicismo - Capitalismo. Todos os grandes eclesiólogos e cristologistas da Católicos são obrigados a considerar a comunhão dos santos em seu vínculo, e a insistir sobre os laços de fraternidade, solidariedade, alteridade... existentes entre aqueles que são membros de um só e mesmo corpo, chegando a doutrina do amor, da justiça e das obras...  A ilação teológica conduz o Católico, necessariamente, aos braços do fraternalismo... em oposição ao individualismo e ao sistema econômico alimentado por ele. O próprio M Weber não pode deixar de compreender tudo isto, embora estivesse fora da igreja... As premissas do solidarismo Católico já estão em Sertillanges, K Adam ou qualquer outro grande teólogo que tenha buscado deslindar a vida íntima da Igreja.
 
COMO OS CATÓLICOS PROFESSAM UM IDEAL COMUNITÁRIO DE SALVAÇÃO, deduzem uma economia solidária ou humana. Como os protestantes afirmam uma salvação individual ou egoísta, deduzem uma economia individualista, marcada pela rivalidade ou pela concorrência.

Mas tomemos agora a segunda via de pensamento percorrida pelo Catolicismo social.

A qual reconhece que o sistema economicista liberal tem sido produtor de uma ordem social injusta, e portanto incompatível com os ensinamentos éticos do Catolicismo.

A importância desta constatação é amplamente fecunda. Pois caso situemos a gênese do problema no âmbito da caridade, ou de meros 'conselhos evangélicos', como doar todos os bens aos pobres... sempre poderemos fugir desonestamente a ele, apelando a liberdade... Embora estejamos obrigados em função da lei de Jesus Cristo a amar e a amar concretamente o próximo, sob pena de não sermos Cristãos. Isto no entanto suscitaria uma discussão enorme... E sempre fugiria a realidade e a verdade.

Não se trata aqui de negar ou de reconhecer uma luta ou conflito existente entre as classes sociais pelo simples fato de tal conflito ser oficialmente estimulado pelo credo liberal. O credo liberal, associado a uma visão darwinista da realidade, jamais encara os homens como irmãos, mas sempre como concorrentes ou rivais na 'luta' pela sobrevivência. Apresentando o patrão bem sucedido como apto e o proletário explorado como inapto, quando na verdade - na maior parte dos casos (aqui Max Nordau - Mentiras convencionais de nossa civilização) o primeiro limitou-se a herdar enquanto o outro nada herdou...

Naturalmente que semelhante tipo de ideologia acabaria produzindo uma Sociedade enferma ou em estado de conflito. Aqui a negação da existência do conflito exigiria do Católico o sacrifício de sua honestidade. Esta ele numa Sociedade em estado de conflito. O conflito é real, é histórico e independe da vontade do Católico - é dado ou fato empírico irredutível a vontade. E a honestidade exige que o Católico, como Berdiaeff fez, reconheça a existência do conflito.

Nisto o Cristão não se distingue do Comunista e sequer podería distinguir-se dele, exceto se viva numa sociedade tradicional ainda não infectada pelo virus do Laisez faire... Do contrário estará situado numa Sociedade dividida, pelo simples fato de uns explorarem outros ou viverem as custas do trabalho alheio e não do próprio. A existência de opressores e oprimidos é concreta e não produto de nossa imaginação!

Assim a questão posta, ao Católico e ao Comunista, não é de fato mas de valor.

Como o Católico avalia este conflito implementado e estimulado pelas forças Capitalistas de produção ou por seu éthos???

O Comunista dirá que o conflito é o motor da História e que portanto tal situação deverá ser intensificada. Ele aplaudirá e estimulará todas as situações de conflito, acompanhando a dinâmica do liberalismo econômico em seu desenrolar e 'excitando' os justos rancores do proletariado, com o objetivo de produzir uma consciência de classe estribada muitas vezes num ódio feroz.

Agora qual o posicionamento do Cristão???

Eis uma pergunta que é crucial e que toca ao âmago do problema!

Quanto a negar ou ocultar o conflito social, já vimos que não é uma solução honesta.

A outra postura, igualmente desonesta, consiste em exigir que ambas as partes, patrões e operários, façam as pazes e vivam em harmônia sem estipular quais sejam as condições em que tal convivência se dará. Pois aqui exigir a paz e a conciliação equivale a ordenar que os operários se conformem com sua situação, se resignem, e se deixem explorar passivamente como sequer uma ovelha procede com relação ao lobo, porque até mesmo a ovelha foge...

Usar o mandamento sagrado do amor com o objetivo de cimentar uma situação de injustiça é, permitam-me dizer sacrílego, senão diabólico.

Antes do amor, apresentam-se as exigências da justiça, e ninguém, nem mesmo a mãe igreja, a qual deve ser tão justa quanto seu esposo e mestre, pode ordenar a seus filhos que sofram injustiça! Antes é grave dever dela eliminar as situações de injustiça, de modo a suprimir o conflito e evitar, como já foi dito, a catástrofe da revolução, desejada por anarquistas e comunistas.

Nivelar a vítima com o agressor é e será sempre uma atitude iníqua. Por isso a voz da igreja deve se dirigir não aos proletários com o objetivo de conte-los ou apazigua-los mas aos ricos e poderosos.

Neste caso que deve fazer ela?


Simples - Conter, por força de sua lei a parte agressora ou opressora, advertindo-a a respeito de seus deveres e obrigações.

Numa situação em que os patrões exploram e oprimem os operários o único caminho a ser seguido é proibir aqueles dentre os patrões que se declaram Católicos, de explorar seus operários, sem sem importar com a praxis vigente entre os acatólicos sejam ateus ou protestantes, no caso subservientes as flutuações do deus Mercado.

O Católico tem obrigações sociais e econômicas que lhe são impostas pela doutrina social da Igreja - como o pagamento do salário família e de todos os demais direitos trabalhistas mesmo quando não tenham sido sacramentados pela lei - e as quais não pode fugir sob pena de excomunhão, devendo de fato ser posto fora da igreja caso teime em seguir as regras assentes pelo liberalismo econômico.
Tal o dever dos Bispos e clérigos, fazer valer a doutrina social da igreja e aliviar a situação do povo de Jesus Cristo. A menos que a doutrina social da igreja não passe de letra morta ou de algo para 'inglês ver' como insinuam os comunistas, o que seria insultuoso para a igreja - ter leis e não leva-las a sério. Agora se houve ou houver acomodação, é resultado da falta de fé...

A Igreja tem tradições e leis e elas consistem em reprimir a avareza, a cobiça, o amor as riquezas materiais... a exemplo do que era posto em prática e comumente executado por um S Antonio de Pádua, cuja defesa dos pobres e miseráveis face aos banqueiros é bastante conhecida de todos. Tal o modelo a ser seguido. Não Mises, Fridmann, Hayek e outros ateus que para a igreja nada são mas Asterius, Crisóstomo, Basílio, Antonio, etc os quais são nossos maiores e nossos refenciais.

Ora esta questão da justiça foi reconhecida e posta em relevo pelos Bispos alemães congregados em sínodo sobre a presidência de Immanuel Von Ketteler, Arcebispo de Maguncia, em 1848 ou seja no mesmo ano em que Marx publicava o seu manifesto ultrafamoso. Agora que diziam os Bispos, dignos representantes de toda uma tradição muito mais antiga que o Marxismo? Reconheceram publicamente a injustiça inerente ao sistema Capitalista de produção, e apontaram intrepidamente os fatores responsáveis por um semelhante estado de coisas -

  • O Caráter anti ético do economicismo.
  • A desvinculação da propriedade face a sua função social.
  • A recusa do estado em interferir (Dogma basilar do liberalismo econômico) e
  • A destruição das corporações medievais por uma legislação inspirada dos novos princípios do liberalismo.

Alias estes dois fatores, em especial o último foram salientados igualmente, por Leão XIII na Rerum Novarum, reconhecendo o chefe da igreja romana, a necessidade do estado interferir em favor dos operários em diversas situações, o que contraria, como já foi dito, a doutrina liberal da não intervenção ou da intangibilidade do Mercado.

Foi o ponto de partida para uma tomada de consciência ainda maior por parte dos Católicos mais dedicados. Embora a reação continuasse sendo desproporcional... A própria política nos países Católicos era dirigida por acatólicos, em sua maior parte alinhados com a ideologia liberal. Os próprios positivistas e cientificistas, após a morte de Augusto Comte e sob a direção de Litreé, tornaram-se subservientes face aos interesses do capital e buscaram 'modernizar' as Sociedades Católicas introduzindo nelas o modo capitalista de produção. Positivistas e liberais nutriam não menos horror que os comunistas a gente do campo e aos modelos tradicionais de organização social. O ideal Católico era considerado sempre ultrapassado quer fosse monarquista ou social... E o liberalismo, especialmente sob o viés econômico encarado como progressista.

O pior no entanto era a existência de um imenso número de Católicos formais e alienados. Os quais nada sabiam sobre a doutrina social da Igreja ou julgavam-na ociosa, raciocinando, é claro, como protestantes. O fundo do poço, como ainda hoje, eram os Católicos que acreditavam ser possível ser Cristão e Capitalista ou liberal economicista ao mesmo tempo, havendo dentre eles, inclusive, os oportunistas, que clamavam contra o comunismo anti Cristão enquanto cobiçavam por oprimir seus irmãos em Jesus Cristo membros do mesmo corpo místico. Já o Visconde de Inhomirim fustigava esses Católicos de fancaria que haviam compactuado com a chaga da escravidão. Eliminada a escravidão esta ralé de solifideistas pos-se logo em sintonia com o Mercado - Hora de contratar e oprimir imigrantes italianos ou de explorar a mão de obra nordestina corrida pela seca de sua terra Natal. Esses eram os principais problemas da igreja aquele tempo... E como nem todo Bispo ou prelado tinha virilidade suficiente para 'encarar o problema de frente'... A igreja era constantemente descrita por seus opositores socialistas, como uma instituição hipócrita. Reconhecemos que nem sempre tem sido regida por homens de valor, para cada Ambrósio, Atanásio ou Teodoreto há mil acomodados...

Felizmente, cerca de quarenta anos após o Sínodo presidido por Ketteler ter feito suas objeções ao liberalismo, Leão XIII publicou a já citada Encíclica, em sob a perspectiva tomista. E houve quem o levasse bastante a sério na Bélgica ou melhor dizendo na Lovaina. Foi nesta Universidade em que sob a presidência de Mercier, Arcebispo de Malines, resgatou-se a doutrina social tomista, centralizada no conceito aristotélico do 'bem comum'. Foi a partir de tais pesquisas que foi sendo formulada a doutrina social da Igreja e os Códigos sociais de Malines, dentre outros documentos. E no mesmo ambiente tomaram corpo o Sillon, a Ação Católica e o Jocismo de Cardjin, para sermos sucintos. Foi todo um florescer de consciência social autenticamente Católica fundamentada na doutrina de Tomás de Aquino, até então completamente ignorada pela corrente rival.


Afinal, teólogo medieval algum, disserta com maior propriedade, em termos de Ética Cristã, a respeito da distinção entre a ordem da caridade, que Aquino relaciona, até certo ponto, com a liberdade humana; e a ordem da justiça, que   Aquino apresenta como de estrita necessidade. Ora Aquino, situa todas estas questões atinentes ao trabalho, a produção de bens, a economia, etc não na ordem da caridade mas na ordem da justiça. E o próprio bem comum é situado por ele nesta ordem de bens, relacionados com a justiça, e portanto, estritamente necessários. Como se vê não é algo voluntário ou desejável, mas algo absolutamente necessário e a ser expresso por meio de leis obrigatórias ao povo de Jesus Cristo.

Desde então, todos os principais expoentes do Catolicismo, a começar por Maritain, tiveram de acompanhar os Dominicanos de Lovaina e Tomás de Aquino. Já não era possível encarar a questão social apenas sob o ponto de vista ou a perspectiva unilateral da caridade e adotar os meios postos por S Vicente de Paulo numa Sociedade tradicional. A situação criada pelo liberalismo econômico - foi bastante bem descrita na Inglaterra por Dickens e na França por Zolá - demandava por novos tipo de reflexão e ação. Era necessário que a Sociedade Católica reassumisse seu autêntico 'modus vivendi', rompendo com o éthos puramente naturalista do economicismo liberal, interferindo positivamente nos setor da economia, implementando a justiça social na mais larga escala possível, investindo na pessoa humana e erradicando a miśeria produzida pela injustiça.

Este programa só será esboçado com absoluta nitidez a partir das primeiras décadas do século XX devido as contribuições de diversos pensadores quais sejam - Bloy, Berdiaeff, Maritain e Mounnier. Tais pensadores constituem as vigas mestras por assim dizer do pensamento social Católico - alias Berdiaeff, é nosso i é Católico Ortodoxo - em construção, e nenhum deles, como veremos, estava sob influxo do marxismo, mas sob influxo da corrente de pensamento tomista e da tradição patrística. Lamentavelmente Corção permaneceu atrelado a primeira corrente de pensamento, delineada na França por Ozanam. Deixando de acompanhar o desenvolvimento suscitado pelos estudos tomistas iniciados na última década do século XIX e as possibilidades descortinadas pela Rerum Novarum... E isto a ponto de chegar a encarar os legatários desta corrente como inovadores influenciados pelo marxismo. Esta errado e basta dizer que estes teóricos estão todos relacionados com o círculo de Leon Bloy e que este estava muito bem a par do que ocorria na Lovaina. Foi um movimento comum, de convergência, fruto da própria consciência Católica voltada para sua tradição mais pura e para suas raízes mais profundas. evidente que hoje, mais do que nunca, precisamos resgatar tudo isto.

A Teologia da Libertação procede em parte doutra cepa. Tem, como os socialismos naturalistas - e Ozanam mesmo o reconhece - uma herança Católica comum, a par de diversos erros. Ao contrário de seus erros, em grande parte de origem protestante, vou insistir sobre os acertos! Não errou ao servir-se de Marx e dos teóricos marxistas com o objetivo de conhecer melhor a realidade produzida pelo Capitalismo e seus mecanismos internos de natureza econômica. Aqui um pouco de Gabriel Le Bras ou de Lallemant faz bem - Marx é um teórico como outro qualquer, podendo ber servir como ferramenta a crítica Católica e mais ainda Max Weber, e outros mais... Alias não foi ele quem produziu a situação que descreve! Materialismo já havia sido posto em circulação há muito tempo, pelos economicistas... A questão é que os adeptos da TL deixaram-se cooptar por certos ideais e métodos propriamente comunistas, além de adotarem um vocábulo de tal modo técnico que afastou-os do povo Católico afeito a um linguajar tradicional com que os comunistas jamais souberam lidar. A TL foi pelo mesmo caminho e cometeu os mesmos erros... Embora houvesse nela um princípio de justiça, como havia um princípio de lealdade entre os feudais.

Seja como for a libertação total da pessoa humana não é, como ordinariamente se crê, assunto relacionado meramente com a ética Católica ou com a doutrina social da igreja, mas assunto relacionado com a soteriologia e a antropologia Católicas exaustivamente debatido na ocasião em que foi levantando o problema da fé e das obras. A simples afirmação, sinergista, segundo a qual as obras são absolutamente necessárias a salvação, já nos encaminha a solução do problema social. Assim a doutrina da igreja visível, da comunhão dos santos e da ressurreição da carne apontam para a mesma perspectiva de uma salvação integral do homem, não quanto a um diabo ou a um inferno, mas quanto o mal e o pecado. A afirmação de uma graça capacitante por parte do Catolicismo não pode deixar de culminar com a elaboração da ideia de uma Redenção integral e portanto de fundamentar a tese da transformação do mundo a luz do Evangelho ou do triunfo da lei de Jesus Cristo numa perspectiva social. Por isso o Catolicismo sempre será um modo de vida ou uma lei, jamais uma fé somente e totalmente separada do mundo material. A fé Católica esta sempre em diálogo com o mundo buscando transforma-lo a luz da Encarnação e ampliar a presença do Cristo. A própria escatologia torna-se otimista e plena de esperança!



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