quarta-feira, 12 de junho de 2013

Bolsa família e seu significado - uma abordagem histórica III > Perspectivas socialistas




Optamos aqui por empregar o plural 'socialismos' ao invés do singular 'socialismo' porque de fato não há uma doutrina socialista unificada mas diversos modelos de socialismos, os quais para alguns vão do keynesianisno e do bem estar social e social democracia ao Comunismo ou marxismo 'ortodoxo'; passando por uma enorme gama de escolas e correntes: comunitarismo, cooperativismo, coletivismo, fraternalismo, humanismo cristão, personalismo, etc, etc, etc

Erra portanto e feio aquele que imagina socialismo como comunismo.

De fato o comunismo é um tipo de socialismo, um tipo totalitário e portanto, para a maior parte de nós socialistas equivocado... o socialismo no entanto, ou melhor dizendo os socialismos não se identificam com o comunismo.

Por socialismo ou seja o elemento unificador devemos compreender a primazia do corpo social sobre a vontade individual em termos de política e economia. Todos os socialistas sobrepõe as necessidades do grupo a iniciativa do indivíduo visando implementar certo tipo de igualdade ou, ao menos, reduzir ao máximo a desigualdade vigente.

Quanto as variedades de socialismos, que como vimos são muitas, dizem respeito, em geral, ao método ou a maneira por meio da qual a igualdade de condições e oportunidades será implementada.

Pois enquanto uns apostam na educação, na conscientização, na mobilização até certo ponto pacífica e especialmente na 'resistência civil' de Thoureau ; outros  apostam na subversão armada, no golpe de estado, no putsch, na violência... e enquanto uns apostam na ampliação das liberdades e na construção dum modelo popular ou policratico outros apregoam a abolição das liberdades e a construção dum modelo totalitário: a ditadura proletária...

Curiosamente o apelo a violência surge não com Marx e Engels mas com M Bakunin e Nechaiev, cuja ideologia, por mediação de G Sorel, chegou a W Lênin passando a fazer parte do ideário comunista. Desde então aqueles que permaneceram fiéis ao ideal proposto por Engels - a conquista do poder por meio de eleições e a desconstrução interna do modelo burguês (posicionamento mantido por Kautsky) - passaram a ser classificados como sociais democratas e renegados, quando na verdade o renegado, ou seja, aquele que rompeu com as diretrizes apontadas por Marx e Engels foi Lênin.

Tanto os comunistas quanto os bakuninistas em geral permanecem atidos a um tipo de golpismo espontaneísta que Marx condenaria implacavelmente como 'jacobinismo'.]

Via de regra as correntes: humanistas, personalistas, cristãs, etc só excepcionalmente admitem qualquer recurso a força, isto é, apenas face a situações de extrema injustiça ou coerção social. Pois receiam que a força desencadeada pela violência seja desproporcional, tornando-se incontrolável e provocando mais prejuízos que benefícios. Enquanto para os comunistas e bakuninistas o apelo sistemático a violência funciona como uma espécie de receita culinária, elixir universal ou panacéia.

Quanto a questão da forma os comunistas apostam no papel centralizador e burocrático do Estado ou do partido, modelo a partir do qual Milovan Djilas pode alcunhar o termo 'capitalismo de estado'. Mesmo porque o comunismo é herdeiro e continuador de diversos vícios e defeitos legados pelo liberalismo como o materialismo, o economicismo, o tecnicismo, etc esperando por sinal não só concorrer como superar o capitalismo no que diz respeito a produção... Eis porque o renegado Lênin dissolveu os soviets e alijou os produtores do controle das fábricas, segundo foi descrito por Alexandra Kollontai.

O autêntico modelo socialista no entanto revindica que as fábricas e indústrias passem ao controle direto dos produtores e que a produção e distribuição de bens seja determinada por eles e pela comunidade do entorno tendo em vista as necessidades mais prementes da população e não as necessidades artificiais do mercado externo. Quanto a forma ou meio porque atingiremos este fim os socialistas não acreditam que haja um único e mesmo caminho mais diversas possibilidades: reforma agrária e distribuição de terras não ocupadas (Henry George), ampliação do regime atinente a pequena propriedade pessoal (Hilaire Belloc), supressão do direito de herança (Nordau), implementação de cooperativas de trabalho, etc

As vertentes mais próximas do liberalismo - sistemas de fronteira - como o keynesianismo e o bem estar social apostam na solidariedade compulsória, na promoção humana por meio de programas sociais, numa ampla rede de proteção ao trabalhador, etc de modo que mantendo a 'forma' ou padrão externo do capitalismo - a posse individual dos meios de produção - julgam poder alterar-lhe a matéria ou conter-lhe o éthos. Estaríamos aqui diante de um liberalismo controlado ou como se diz vulgarmente do leão enjaulado... Como todavia a expressão 'liberalismo limitado ou controlado' comporta contradição porque supõe a ação coercitiva de natureza externa foi o keynesianismo classificado por alguns como keynesianismo, isto é, como uma via distinta das outras três. Teríamos assim quatro vias: liberalismo, keynesianismo ou bem estar, socialismo e comunismo. E a social democracia seria uma espécie de ponte entre o keynesianismo e o socialismo propriamente dito ou mesmo uma quinta via...

Nós no entanto, por uma questão de afinidade classificamos keynesianismo e social democracia como formas atenuadas de socialismo, alias o socialismo comporta certa flexibilidade que o liberalismo não pode comportar sem deixar de ser o que é. Isto porque O SOCIALISMO É UM FIM E NÃO UM MEIO, enquanto que o liberalismo implica meio e fim: a livre iniciativa a serviço do lucro...

E não havendo livre iniciativa ou auto regulação interna mas controle externo de natureza social, adeus liberalismo... 

Segundo o ideal socialista a comunidade deve estruturar-se de tal modo que a tantos quantos cheguem a este mundo sejam oferecidas as mesmas chances ou oportunidades, chances e oportunidades que sendo aproveitadas ou não por cada pessoa segundo seus méritos darão origem a diferenças que serão legítimas sob quaisquer pretextos (Bakunin). Aqui outra diferença entre comunismo e socialismo, pois enquanto o comunismo deseja impor uma igualdade superficial, forçada e ilegítima 'a posteriori' ou seja uma igualdade metafísica de cárater absoluto; o socialismo sustenta a formação duma igualdade relativa 'a priori' ou seja por meio de oportunidades sociais de cárater universal a serem aproveitadas por cada um e a partir das quais surgirão certas diferenças por assim dizer 'justas'. Então a perspectivas da igualdade para socialistas e comunistas é bem distinta.

Outra distinção é que embora a quase que totalidade dos marxistas 'ortodoxos' e parte dos anarquistas clamem apenas e tão somente contra a propriedade privada ou individual dos meios de produção; na prática  acabam ignorando a distinção necessária (e admitida pelos humanistas, personalistas, etc,) existente entre propriedade dos meios de produção e propriedade pessoal; abarcando uma e outra sob o falacioso termo de 'propriedade privada'... Pois não podemos deixar de concordar com Hobbes e mesmo com Locke e os pré liberais, que a propriedade pessoal enquanto fruto do trabalho honesto é por assim dizer sagrada e intocável na medida em que há algo nela posto pelo trabalhador. O próprio Marx não poderia deixar de concordar conosco na medida em que endossa a afirmação de Ricardo segundo a qual o valor é produzido pelo trabalho... de modo que um bem móvel ou imovel trabalhado por alguém deste alguém recebe seu valor. Henry George parte destas ilações para concluir que o único título legítimo de posse é o aproveitamento ou uso da terra pelo cidadão e sua família. 

Parte do socialismo incorporou a si esta constatação racional feita pelos teóricos pré liberais, de modo que a crítica ou contestação da posse incide apenas - como ressaltou Karl Marx - sobre a propriedade dos meios de produção e suas decorrências todas discutíveis: alienação da força física ou intelectual em troca do salário, exército ou mercado de reserva, retenção desproporcional da mais valia, concentração imoderada de riquezas, gênese de monopólios e oligopólios, produção de miséria, aumento das situações de violência, etc

Mesmo quando um tipo de socialismo incipiente estabelece num contexto burguês o mecanismo da solidariedade compulsória tendo em vista o bem comum dos desempregados, inaptos, incapazes, etc temos diante de nós um benefício real. Pois que sucederia com tal categoria de pessoas num contexto de livre concorrência ilimitada em que todos os serviços devessem ser pagos??? Ficariam - respondem os teóricos do liberalismo -  a mercê da caridade ou da compaixão alheia.

Não ocorreu a nosso contraditor a noção elementar de que a ninguém assiste o direito de revindicar ou exigir o serviço da caridade ou da compaixão pelo simples fato de que a compaixão e a caridade são atos morais e por assim dizer livres. Importa dizer que ninguém pode ser constrangido a agir caridosa ou compassivamente... Destarte seria de se esperar que a caridade e a compaixão jamais suprissem a demanda social e que parte dos desempregados, ineptos e incapazes VIESSE A SUCUMBIR DE FOME, SEDE, FRIO, ENFERMIDADE, ETC sem que no mundo ANACAP ou mesmo liberal houvesse qualquer estância a que pudessem recorrer, já porque o estado foi desarticulado ou se faz omisso... CONCLUSÃO: ESTARÍAMOS DIANTE DUMA CULTURA DE MORTE AINDA MAIS AMPLA!!!

Naturalmente que semelhante estado de coisas chocaria profundamente os adeptos da solidariedade e da empatia; mas não os partidários do individualismo crasso, os quais dariam de ombros e diriam: antes ele do que eu... pois pimenta no olho dos outros para muitos equivale a colírio.

Sabendo estar diante dum sistema excludente o mínimo que o socialismo pode fazer é aparar as arestas ou seja revindicar algum padrão mínimo de proteção social para os excluídos e chances e oportunidades cada vez maiores para os mais humildes... o que só é exequível através do político, isto é, por meio de um Estado cada vez mais popular, democrático, ativo e solidário.

Eis porque a maior parte dos socialistas tende a justificar e apoiar programas sociais como o 'bolsa família' e o 'Prouni'.

3 comentários:

J.L.Tejo disse...

Domingos,

Como poderia o comunismo ser autoritário, se se trata justamente do fim do Estado e "do lugar onde o homem se sente em casa" (Fromm)?

Penso que você, data venia, confunde o comunismo com os Partidos Comunistas, coisas, aí sim, distintas. Aliás, mais que isso, muitos PC's, principalmente os ainda stalinizados, são mesmo anticomunistas.

A violência está já em Marx e Engels, sim. Veja-se por exemplo "Sobre a autoridade" de Engels (1873). E é inevitável, a não ser que falemos em reforma e não em revolução, e que a reforma é, essa sim, utópica, sabemos desde a primeira década do séc. XX.

Abraços pra você e pro Fernando,

tejo

Domingos disse...

Ueh ignorava que os comunistas já tivessem aberto mão do ranço leninista anti libertário.

Foi Lênin e não Stalin (Lênin faz arte e Stalin leva a culpa) que acabou com o soviets dos trabalhadores. Ponto pacífico e basta ler a Kollontai.

Engels em sua derradeira obra, sempre e repetidamente publicada por Kautsky recomendou que os "socialistas" só empregassem a violência quando agredidos, e que no mais disputassem as eleições, se infiltrassem na estrutura política burguesa e procurassem altera-la de dentro para fora. ELEANOR MARX filha de Karl Marx seguiu pelo mesmo caminho ingressando no parlamento inglês e auxiliando a composição da legislação trabalhista. Gramsci, Poulantzas, souberam honrar esta tradição.

A violência foi introduzida por Lênin com base no espontaneísmo de G Sorel e M Bakunin, tributário de Neschayev... então aqui houve uma mudança de curso.

Piotr Kropotakin censurou vivamente a lênin dizendo que era um oportunista pois dizia pensar de um modo e agia de outro.

E quando Lênin optou por sacrificar um grupo de reféns inocentes o mesmo Kropotkin advertiu: "Estas destruindo o socialismo por dentro adotando estratégias que não são estritamente necessárias e este caminho conduzirá nossa causa a ruína." como de fato conduziu, pois Stalin limitou-se a seguir imaculadamente os passos do renegado Lênin.

Nós ficamos com Marx, Engels, Eleanor Marx, Kautsky, Kollontai, Ema Goldman, Gramsci, Poulantzas, Kropotkin, etc e rechaçamos vosso furor violento e massacres como o dos anarquistas ucranianos chefiados por Machnó, traiçoeiramente aniquilados pelos inimigos da liberdade.

Aqui Bakunin: "A ditadura que é a negação da liberdade jamais produzirá a liberdade.

Liberdade sim porque: 'Abuso não tolhe uso.' Liberdade com Igualdade e Igualdade na liberdade.

Aqui Bukarin (sacrificado pelo totalitarismo opressor): "NÃO EMPREENDEMOS ESTA REVOLUÇÃO PARA AUMENTAR OS SOFRIMENTOS DO NOSSO POVO MAS PARA ERRADICA-LOS."

Mui respeitosa e cortesmente.

Domingos disse...

O Comunismo só se reconciliara com a liberdade quando ficar apenas com Marx e sacrificar Lênin, o que reputamos como impossível.

Ficarão sendo como são ou deixarão de ser.