sexta-feira, 17 de março de 2023

Psicologia, psicanálise, Freud e a questão da multiplicidade de existências - Reflexões sobre a obra de Hermínio C Miranda 'A memória e o tempo' Edicel 1984 - Parte VI

               Nada tenho contra o espiritismo prático e até gratidão tenho para com o espiritismo doutrinal ou kardecismo.

                Nascido protestante jamais o fui de coração, por isso lendo o antigo testamento perdi a fé, tornando-me agnóstico.

                Por estranhos caminhos conheci o papismo ou a fé apostólica romana e ainda jovem abracei-a com entusiasmo.

                No entanto a leitura dos clássicos, o conhecimento da Filosofia e juntamente com isso a leitura de diversas obras doutrinais do espiritismo (Eu havia sido convidado a refuta-lo pelo Vigário de minha paróquia.) plantearam-me inúmeros problemas em torno de Antropologia e Soteriologia, todos derivados da ideologia agostiniana assumida pela igreja romana. A leitura dos padres gregos encaminhou-me ao Catolicismo Ortodoxo, o qual ao menos naquelas duas áreas aproxima-se do espiritismo (Na verdade é o espiritismo que nessas duas áreas aproxima-se do Cristianismo antigo ou
 primitivo.)


                 Portanto, mesmo após ter repudiado as crenças na expiação, na soberania da graça, na predestinação e no inferno eterno (Praticamente todas agostinianas, alheias ao texto grego do Evangelho e indignas!) não apenas continuei sendo Cristão Apostólico como aprimorei minha fé, descobrindo o autêntico Catolicismo - Ortodoxo e afastando-me ainda mais da aberração protestante.

                  Por que raios não me fiz espírita doutrinal ou kardecista... Por diversos motivos. O principal porém é porque o espiritismo, repudiando a divindade de Cristo, repudia consequentemente o mistério da Encarnação de Deus, aproximando-se de uma corrente filosófica com que jamais simpatizei, a saber, o neo platonismo, com seu deus puramente espiritual e separado do mundo ao modo do javé judeu ou do allá maometano. No Catolicismo e no hinduísmo a relação com o mundo ou com a matéria, com a Imanência enfim é outra e corresponde perfeitamente a meu modo de ver as coisas.

                   Os espiritistas por sinal, chegam a aproximar dos ocultistas ou esotéricos ao apresentarem o divino Jesus como mera criatura ou simples profeta e colocarem-no ao lado de Moisés, Buda ou Maomé... Compreendo que comparem nosso divino Mestre com Buda ou Confúcio, os quais são mesmo como manifestações suas ou emissários seus. Agora comparar nosso Jesus com Moisés (No qual há muito de mítico como reconheceu Freud.) ou com o sanguinário Maomé, tenha santa paciência... Acho tudo isso asqueroso e revoltante e Jesus me parece mesmo um Ente deslocado em seu nicho, mais parecido com um Sócrates do que com um rabino embiocado...

                      Então não posso ser espírita. O que, como disse, não me faz odiar o espiritismo doutrinal mas apenas discordar dele, até de modo amistoso - Uma vez que a Ética espírita por vezes é mais lúcida que a nossa, i é, que a Ética eclesiástica (Por vezes muito judaica ou muito protestante, mesmo quando romana ou Ortodoxa - Um desastre.) Quanto ao espiritismo prático ou sem ilações doutrinárias ou supostas revelações religiosas nada tenho contra.

                      Tecerei então algumas críticas amistosas ao espiritismo sempre focado no âmbito da Revelação divina, tal e qual costumo fazer ao criticar os unitários e maometanos. Pois uns são por profetas e outros por espíritos, enquanto nós postulamos como veículo mais excelente a Encarnação de Deus ou a manifestação de Deus na carne.

                      Principiarei dizendo o óbvio - Que a comunicação da verdade demanda garantias de seguridade, o quanto possível as mais exatas e infalíveis. Admitindo a preciosidade ou importância da Revelação divina para nossas vidas, para nossa vida Ética, para nossa conduta, para nosso enriquecimento espiritual, etc temos o direito de concluir por um veículo perfeito e sem defeito.

                       Corresponde a tal exigência, tão sóbria quanto sensata, a mediação dos espíritos desencarnados que serviram de guias ao sr Hippolyte Leon Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec ou seus predecessores como o juiz Edmonds... Davis... Cahagnet.

                        Antes porém façamos um parênteses importante - Via de regra os críticos pouco informados sobre Kardec e suas obras ou o espiritismo de modo geral supõe muito naturalmente que o objeto das comunicações mediúnicas era o próprio Kardec, e que os espíritos do além o instruíam tal e qual a superna divindade teria instruído Moisés ou Maomé... 

                        A impressão é absolutamente equivocada - Quero dizer, não corresponde a verdade histórica, a princípio, pelos idos de 1856, os espíritos - Por meio de uma comunicação. - teriam comissionado Kardec para sintetizar as comunicações obtidas por um grupo composto por cerca de uma dezena de médiuns reunidos nas residências de Madame De Plainemaison e do casal Boudin, dentre outras. 

                         Via de regra eram tais grupos (A exceção da Sra De Plainemaison) formados por umas adolescentes ou mocinhas, algumas inclusive com cerca de quatorze anos de idade, a exemplo das senhoritas Caroline e Juline (Boudin), Aline Carlotti, Ruth Japhet e Ermance Dufaux - 

                           Tal a origem da primeira e mais afamada obra codificada por Kardec - 'O livro dos espíritos' 1857. A partir de então, e a cabo de uns dez anos apareceriam cerca de oito obras, dentre as quais 'O livro dos médiuns' 1861 e 'O céu e o inferno' 1865. Segundo se diz as comunicações chegam a dezenas de milhares e os médiuns. No entanto, nos idos de 1860, após ter recebido comunicações ou informações procedentes de cerca de quinze diferentes países, foi feita uma segunda edição, Revisada. 

                            Até aqui nosso precioso parentético, quiçá um tanto prolixo...

                            Tornemos agora a questão das garantias...

                                      Que nos pode dizer sobre isso o próprio espiritismo...

                             Lembremos primeiramente que certa vez estourou uma grande controvérsia no seio do espiritismo doutrinal - Não a da reencarnação com os anglo saxões, porém a de J B Roustaing. 

                             E teve nosso Brasil notáveis campeões roustainguianos, a ponto de levar as chamas do incêndio até a FEB... Não vou entrar no mérito de tais debates (Em que tomaram parte Leopoldo Cirne, Leopolo Machado, Imbassahy, Crysanto de Brito, etc) que cheiram a unitarismo e a monofisitismo. 

                                 Quis apenas refrescar as memórias de quantos esqueceram que no auge dessa amarga polêmica uma boa alma lembrou-se de que certa vez, Kardec, ao falar sobre os espíritos ignorantes, declarou que costumam eles levar seus preconceitos religiosos e ideias fixas para as plagas de além túmulo... Conclusão: Os espíritos do Roustaing eram 'romanos' ou como se diz católicos...

                                    Assim se há espíritos romanos - e diversos autores espíritas admitiram que sim! Então que barafunda ou confusão há no além, pois deve haver espírito ariano ou maometano (Como os de Kardec), protestante, judeu, budista, hindu, etc cada qual apegado a suas crençazinhas terrícolas e sem aquele acesso direto a divindade atribuído aos comunicadores de Kardec... E pela enésima vez surge a fé. No sentido de que os médiuns de Kardec eram diferentes, melhores ou especiais. 

                                      Ao contrário dos guias do juiz Edmonds, de Roustaing ou de Pietro Ubaldi, os quais emitiram opiniões ou considerações diferentes... 

                                      Ueh mas não é Revelação divina... Nesse caso como admitir a contradição... Dizendo que os demais foram enganados ou desorientados enquanto que Kardec - Ou melhor dizendo seus médiuns -  teve acesso privilegiado aos arcanos do além. 


                                        Lamento dizer que uma tal solução remete ao universo das seitas protestantes, nas quais cada uma declara estar na posse do espírito santo enquanto afirma que todas as outras são presas do capeta...


                                      Admitida essa explicação, dos espíritos fanáticos presos a determinadas crenças, quem nos pode garantir que as comunicações kardequianas opostas a fé Ortodoxa i é contrárias a divindade de Cristo, a Eucaristia, aos Sacramentos, a Sucessão apostólica, etc não procedem de espíritos protestantes, os quais no além continuam odiando a velha fé da Igreja antiga... Enfim, tudo fruto de um protestantismo invisível...

                                       Aqui meu amigo espírita, enojado, já pergunta: Acabou, já chegamos aos espíritos ruins ou impuros...

                                       De modo algum, ainda não, pois ainda há os espíritos levianos - 'Ignorantes, maliciosos, irrefletidos e zombeteiros... vulgarmente tratados por duendes, trols, gnomos, fadas, gênios, diabretes, etc" (L E 1936 p 44), os quais, segundo Sir Arthur Conan Doyle, sequer conhecem - Enquanto desencarnados - o princípio de reencarnação... in Evening standard, 07 de Junho de 1926

                                          A respeito desta outra categoria demos ainda a palavra ao notável escritor britânico:

                                         "A dificuldade desaparece, penso eu, quando percebemos que essas pessoas espirituais não são de forma alguma oniscientes, e que o assunto diz respeito ao seu futuro, que parece ser um assunto para debate entre eles, como é conosco."

                                           
E Kardec: "... os espíritos, do mesmo modo que entre os homens, ha-os muito ignorantes, de maneira que nunca serão demais as cautelas que se tomem contra A TENDÊNCIA A CRER QUE, POR SEREM ESPÍRITOS, DEVAM SAVER TUDO." L E 1936 p 33

                                           "Allan Kardec faz em 1863 uma análise geral das comunicações mediúnicas que lhe vinham as mãos de todas as partes. Diz então (R S Maio de 1863) que tem mais de 3.600 examinadas, das quais 3.000 (80%) são de uma moralidade irreprochável. Desse número , considera publicáveis menos de trezentas, embora apenas cem sejam de mérito excepcional (2%). Quanto aos trabalhos de grande fôlego que lhe remeteram, sobre trinta só achará cinco ou seis de real valor (15 a 20%). E ele comenta 'No mundo invisível, como na terra, não faltam escritores, mas OS BONS ESCRITORES SÃO RAROS." Wantuil e Thiesen II 1980 p 139

                                           
Ressalto aqui o ínfimo número de comunicações relevantes e o papel do classificador ou daquele que seleciona, papel totalmente subjetivo. 

                                           Quanto a essa questão, da Revelação divina ou da comunicação espiritual, os kardecistas aplicam a ela o dogma da Comunhão dos Santos criando uma espécie de corrente de informações. É o que se aduz do L E - 1936 pg 46 iten 113 onde após declarar que os espíritos Superiores ou iluminados - Que não mais reencarnam por terem atingido a perfeição, a inalterável bem aventurança e a posse de Deus. - São mensageiros ou ministros de Deus... e comandantes dos espíritos inferiores, aos quais instruem e guiam... "Podem os homens por-se em comunicação com eles, porém seria presunçoso aquele que pretende-se te-los constantemente a sua disposição." 

                                           
Conclusão: Parece que os espíritos instruem uns aos outros no que concerne as coisas divinas indo esta ordem do superior ao inferior i é dos espíritos por assim dizer perfeitos aos menos perfeitos ou imperfeitos, e que via de regra - Já pela simples quantidade - estamos em contato com os intermediários dos intermediários, sem que tenhamos acesso direto ao conhecimento divino, o que parece implicar em perda de qualidade, pelo simples fato dos espíritos imperfeitos não poderem assimilar tudo.

                                           Mesmo a propósito dos espíritos superiores - Que é como Kardec humildemente avalia seus guias - diz o codificador: "É erro crer que os espíritos tenha ciência infusa, o saber deles está, no espaço como na terra, subordinado ao seu grau de adiantamento, e há os que acerca de tais coisas, sabem menos do que os homens. Suas comunicações estão em relação com seus conhecimentos, e, por isso mesmo, NÃO PODEM SER INFALÍVEIS."  (R S 1866 - Abril)

                                         
Todavia se não são oniscientes, ao menos enquanto conhecedores das coisas sagradas, como podem ensinar-nos a respeito do Bom Deus com o grau de puridade a que aspiramos.

                                           Eternos céus, os espíritos desencarnados, confessam os próprios espíritas de renome, comunicam apenas suas próprias opiniões, impressões, suspeitas ou conjecturas i é o que 'acham', portanto nada de divino.

                                       Sem embargo o honesto Hermínio C Miranda, nas páginas 55 e 56 de sua obra ainda menciona os espíritos neuróticos e psicóticos, com seu acervo de complexos, traumas, agitações, transtornos, etc asseverando inclusive que são tão numerosos quanto os daqui, além de sujeitos aos mesmos mecanismos mentais ou vicissitudes...

                                      Percebem de onde surgiram tantas narrativas idiotas sobre a vida dos espíritos em Marte, Vênus ou Plutão... Da imaginação ou elaboração inconsciente dos próprios espíritos. Da fantasia fantasmal. Dos hospícios de além túmulo...

                                        Por fim em diversas, obras, pautadas por sinal nas comunicações dos espíritos Kardec confessa honestamente que há espíritos maus e mentirosos, desejosos de desencaminhar a humanidade ou apenas de aparecer - Adquirindo assim fama e glória. 

                                         Tomemos suas palavras ou as palavras de seus espíritos: "102 - Décima classe: Espíritos impuros - São inclinados ao mal, de que fazem o objeto de suas preocupações. Como espíritos dão conselhos pérfidos, sopram a discórdia e a desconfiança, E SE MASCARAM DE TODAS AS MANEIRAS PARA MELHOR ENGANAR." Livro dos Espíritos 1936 p 41


                             
                    No entanto, para que não fiquemos desorientados e assustados, os guias de Kardec tencionam fornecer-nos um critério seguro com que identificar a idoneidade moral dos espíritos e de suas comunicações - "Nas manifestações, eles se dão a conhecer por sua linguagem. A trivialidade e a grosseira das expressões nos espíritos, como nos homens, é sempre indício de inferioridade moral, senão também intelectual. " Id ibd

                               Quer aqui o sr Kardec ou seus espíritos iluminados, que tomemos a pessoa desencarnada e invisível por sua linguagem, querendo dizer que uma pessoa anti ética ou maldosa apresentará, necessariamente, uma linguagem vulgar. 

                                Que pensar sobre isso...


                                Admitimos francamente que a linguagem natural ou espontânea de uma pessoa má será vulgar, grosseira ou desbragada. Porém - No caso em que a pessoa má seja inteligente (O que sucede não poucas vezes.) e deseje enganar, não lhe faltará habilidade para tanto e pouca dificuldade terá para assumir outra linguagem, aparentemente nobre e elevada.

                                 Pessoas inteligentes simulam e simulam a ponto de tecer discursos encantadores, a exemplo de um Calvino ou de um Hitler, de um Bush, de um Trump, etc Simplesmente mudam de linguagem caso necessário seja, afetam outro linguajar, selecionam palavras, etc 


                                  De modo que a pura e simples análise de um discurso não nos pode garantir coisa alguma em termos de moralidade. E isso só seria discutível ou duvidoso caso todos os espíritos maus fossem igualmente ignorantes, o que Kardec naturalmente jamais disse... Logo, nada que os espíritos maus dotados de certa inteligência não possam burlar em se tratando dos humanos. 

                         Fácil portanto o humano ficar a mercê dos espíritos maus e enganadores.

                          Examinemos agora uma outra faceta não menos importante das comunicações.

                         
Pois como se não bastassem os espíritos fanáticos, ignorantes, neuróticos e maus, damos na obra do profo Erny - o qual por sinal foi letrado de renome, que as identidades de todos os comunicantes são inseguras, posto que não possuem certidão de nascimento, carteira de identidade ou mesmo de motorista com a devida fotografia.

                           Presumidamente apresentam-se como Maria, Paulo de Tarso, Agostinho, Tomás de Aquino, Tereza D Avilla, Lucius, André Luis, Meimei, Paraclito, Emmanuel, etc todavia quem sejam de fato, com certeza certa, não podemos saber. Pois são invisíveis...

                            Debalde assevera o sr Kardec pelos idos de 1858 "A experiência nos ensina a conhecer os espíritos, como nos ensina a conhecer os homens."

                             Pobre Kardec - Irmão gêmeo de Cândido e filho de Leibnitz . Pois parafraseando Confúcio bem poderíamos dizer: "Se não sabemos que é a vida, como saber o que é a morte..." 

                              De fato, se quase dois séculos após a criação da Psicologia, a intervenção de tantos sábios, tantas pesquisas, tantas publicações, etc sabemos tão pouco sobre o homem encarnado, vivo e visível como pretender que saibamos algo sobre entidades invisíveis e anônimas... Inclusive o homem do povo - Que nada sabe em termos de Psicologia profunda, inconsciente, personalidade, etc

                            Isso quanto os tipos ou categorias de espíritos e sua condição anônima...


                            Pois ainda que excluamos todas essas variedades de espíritos: Neuróticos, zombeteiros, ignorantes ou maldosos - Todos invisíveis e anônimos... continuamos num mato sem cachorro. Abandonados, perdidos e confusos...

                               Bastando para tanto saber que nem sempre são espíritos desencarnados... 

                               Mas como... 

                               Isso mesmo - basta saber que muitas vezes 'o espírito' em questão bem pode ser o inconsciente do próprio médium i é um entidade imaginada por ele e que é ele mesmo. Claro que a fantasia é inconsciente e não intencional. E no entanto há engano, mesmo sem a vontade de enganar.

                                Tal o fenômeno de múltipla personalidade.

                                Impossível... Claro que não.

                                Tal a hipótese contemplada por primeiramente, e de modo inadequado, pelo profo William Benjamin Carpenter ainda em 1853.

                                 Finalmente, em 1855, uma carta anônima, rompendo com a esquema puramente físico naturalista, postulou o desdobramento da personalidade do médium (Cuchet 2012 p 85 sgs) - Supreendentemente foi tal tese, retomada seriamente, trinta anos depois pelo Dr Pierre Janet (1903 p 377 sgs) notável adversário dos positivistas. 

                                  Ocioso dizer que Kardec conhecia perfeitamente essa opinião (Pois segundo Canuto de Abreu integrava o grupo de pesquisadores da Sociedade Mesmeriana coordenado pelo Barão Du Potet. cf  'O livro dos espíritos e sua tradição histórico lendária') - Elencada também por Blavatsky (O véu de Ísis) e Sir William Croockes, dentre outros - discutida, posteriormente, por todos os Parapsicólogos e avaliada como tese, que associada a hiperestesia, a telepatia e a pre cognição, tornaria, não impossível, porém extremamente difícil a comprovação direta da sobrevivência- Fato de que Kardec não se deu conta, tal e qual seus seguidores. 

                                    "Assim o médium tiraria de si mesmo, e por efeito de suas lucidez, tudo quanto diz, e todas as noções que transmite, mesmo sobre coisas que lhe sejam estranhas em seu estado normal." Kardec 1857 p 24 sgs Já em 1861 (p 39) o codificador admite que o desdobramento poderia bem ser a causa DE MUITAS DAS SUPOSTAS COMUNICAÇÕES ESPIRITUAIS. 

                                       Mais - Kardec admitia que mesmo nas comunicações mediúnicas autênticas, as informações fornecidas eram muitas vezes, UMA COMBINAÇÃO DE CONTEÚDOS ORIUNDOS DO ESPÍRITO COM DADOS INERENTES DO INCONSCIENTE DO MÉDIUM (Kardec 1865 a p 155 "O pensamento do espírito pode, ademais, ser alterado pelo meio que atravessa para se manifestar." (R S 1866 - Abril)

                                        Reflitamos por um instante sobre o que o sr Kardec está a dizer. Pois está a dizer que a pretenciosa terceira Revelação nada tem de divina ou transcendente não passando de dois elementos puramente humanos ou naturais misturados uns com o outro - O espírito desencarnado, que é humano e sempre falível e o espírito ou melhor o inconsciente igualmente falível do médium. Absolutamente nada de Sagrado, celestial ou infalível e perfeito. 

                                Nem mesmo as comunicações dos humanos desencarnados são puras ou isentas de influência por parte dos vivos, humanos e encarnados como nós!

                                                                  Passemos - Pois também pode, o suposto espírito, corresponder a manifestação da mente viva e encarnada de um outro médium qualquer em desdobramento, esteja ele na mesa ou nas proximidades. Como poderia ser produto de elaboração conjunta ou comum, com a intervenção de diversas mentes i é uma colcha de retalhos.

                                 A exemplo do que temos nas manifestações de 'fantasmas' de vivos... cf "Phantasms of the livings - Gurney, Myers e Podmore, London 1886 (Tradução francesa por L Marillier "Les hallucinations télépathique, Paris, 1889). As quais não se limitam a manifestar apenas imagens visuais estáticas (Supostos resíduo ou cascas.) mas inclusive algumas impressões visuais dinâmicas acompanhadas de impressões auditivas  dinâmicas. Naturalmente que o inconsciente de um agente vivo pode produzir impressões dinâmicas e não apenas estáticas. 

                                   Sequer preciso mencionar aqui o fenômenos a que dão o nome de viagens astrais ou saídas de corpos, as quais, sejam o que forem, sucedem durante o sono. cf Hector Durville "Le fantôme des vivants". As quais poderiam sempre terminar em incorporação ou simples ação sobre outro agente em transe, como as trocas de corpos ou de espíritos apresentadas em diversas comédias, sendo a mais conhecida 'Um espírito baixou em mim' 1984 com Steve Martin e Lily Tomlin como Edwina Cutwater.

                                     
   Tanto podemos ter o desdobramento imediato da mente do médium, de seus companheiros ou de algum membro do auditório como a intromissão de qualquer outro espírito vivo. 

                                 Em meio a tanta comunicação exótica e divergente quanta não é de vivo, seja no corpo ou fora dele...

                                  De modo que admitido mais esse raminho de joio no trigal abala-se ainda mais a garantia divina da Revelação ou da Religião, convertendo-se ela em algo essencialmente humano, imanente e natural, a exemplo do unitarismo com seus profetas - Como Maomé. - ou o protestantismo por meio do livre exame ou da especulação exegética...

                                    Tudo muito humano, demasiado humano.

                                     Após o incrível cipoal de espíritos acima descrito, a condição do anonimato e os fenômenos sonambúlicos de desdobramento mental chegamos já ao fundo do poço...

                                     Creio que não. 

                                     Pois restam ainda outras duas expressões da realidade: A fraude e a alucinação, individual ou coletiva. 

                                     A fraude foi admitida sem maiores problemas por Kardec e vinculada expressamente a muitas comunicações (1869 p 36) Limitando-se ele a objetar que nem tudo era falso, ou que havia um resíduo verdadeiro. (1866 p58 sgs). Amiúde vinculava o charlatanismo a cobrança (1869 p 89) e concluía dizendo que os verdadeiros médiuns só tinham a ganhar com a exposição dos impostores. (1859 p 96)

                                     Até que chegamos, por fim, a ilusão ou a alucinação, fenômeno psicológico amplamente demonstrado e sobre o qual não pairam quaisquer dúvidas. Apenas quanto as alucinações coletivas devemos tomar bastante cuidado tendo em vista os fatores predisponentes. Pois a exemplo do 'inconsciente coletivo' - Conceito amplamente discutível. - costuma ser usada como uma espécie de lugar comum ou panacéia pelos naturalistas.

                                     Seja como for Kardec não deixou de leva-la em consideração. Destarte concedeu, sem maiores problemas, que a ignorância, a superstição e a credulidade bem podia produzir alucinações confundidas com fenômenos mediúnicos. (1868 p 29) O quanto objeta, e com propriedade, é que a alucinação costuma ser estática e não dinâmica ou inteligente (1861 p 196) Insistindo mais uma vez que o acesso a informações desconhecidas por parte do instrumento, comprovaria a ação de um espírito guia. 

                                     Kardec ignorava por completo o fenômeno natural da clarividência associado a vida inconsciente ou a personalidade múltipla. Mas não a clarividência ou a profecia em si mesma associada ao sonambulismo puro e simples (1858 p 61). 

                                     Portanto temos bem de par com a 'terceira revelação' i é bem juntinho ou ao lado -  

* Quanto aos fenômenos:

                                      # Fraudes ou imposturas - Admitidas.
                                      # Ilusões e alucinações - Admitidas.
                                      # Forças puramente mentais e desdobramentos psíquicos - Admitidos.

* E quanto os espíritos comunicantes:

                                     # Espíritos neuróticos -
                                     # Espíritos fanáticos - Admitidos.
                                     # Espíritos ignorantes - Admitidos.
                                     # Espíritos malignos - 
Admitidos. 
                                     # Espíritos Superiores FALÍVEIS -Admitidos.

                                      Além das condições de invisibilidade e anonimato partilhadas por todos os espíritos sem exceção. 

                                      Conclusão 01: As autênticas comunicações espíritas não passam de um resíduo ou de mínima parte dentre o conjunto dos fenômenos abordados.  

                                       Conclusão 02 : As comunicações dos espíritos superiores não passam de resíduo ou de ínfima parte dentre a massa de comunicações obtidas pelos médiuns reais ou supostos.

                                         Conclusão 03: É a tal da terceira relevação resíduo de resíduo ou como se diz 'pepita de ouro' extraída a um mar ou oceano de lama. 

                                  Diante de tão imenso cipoal ou labirinto os
 kardecistas costumam vir a liça postulando não sei quais energias ou emanações do bem, uma proteção específica de deus ou de Jesus ou ainda dos espíritos de luz, etc quanto aos MÉDIUNS DE KARDEC - Em que pese as hostes de espíritos zombeteiros e enganadores, o desdobramento mental dos vivos e o anonimato... envolvidos por desdobramentos, capacidades mentais, alucinações e fraudes (Nenhuma das quais excluída por completo por Kardec).

                                     E o quanto assistimos é uma autêntica fuga ao naturalismo.


                                     Apesar das advertências feitas pelo Codificador: "Não há palavra sacramental alguma, sinal cabalístico algum, ou talismã ou ação que possa exercer influência sobre os espíritos (Ao contrário do que diz a querida Blavatsky) --- Mas não é exato que alguns espíritos TENHAM DITADO FÓRMULAS CABALÍSTICAS. Efetivamente, espíritos há que indicam sinais e palavras estranhas ou ainda prescrevem certos gestos por meio dos quais se fazem os assim chamados conjuros. Mas, ficai certificados que tais espíritos estão é a escarnecer e a zombar da vossa credulidade."

                                             
Lamento contrariar os amigos espíritas mas é Kardec quem adverte não haver qualquer seguro espiritual ou garantia de proteção face a essa imensa massa de fraudes, alucinações, desdobramentos e espíritos malignos, ignorantes, neuróticos, anônimos... que cercam o pequeno número de comunicações relevantes.

                                   E são esses mesmos espíritas, que afetando cientificismo, chegam a por em dúvida não apenas os supostos milagres ou intervenções sobrenaturais - Aqui com plena razão! - mas por vezes até mesmo os milagres do divino Jesus consignados no Evangelho Redentor.


                                               
Curioso ver como os kardecistas - Que tanto apreciam o positivismo, o naturalismo ou o cessacionismo (E o autor deste artigo é cessacionista convicto!) com seus temperos deístas. - tresandam e põem-se logo a falar em alguma ajuda providencial já aos médiuns de Kardec já ao próprio Kardec, a qual tornaria tais médiuns invulneráveis ou conferiria ao ilustre professor francês uma espécie de infalibilidade, quiçá arremedo da infalibilidade papal promulgada por Pio IX em 1870.

                                          Verdade seja dita - Impede o pudor que a maioria dos espiritistas, particularmente os mais instruídos, atribua tal prerrogativa a Kardec, mesmo quando admitem que ele selecionou as comunicações e que selecionando atuou falivelmente, como qualquer outro ser humano. 


                                          E é precisamente aqui e a partir daqui que todo esse edifício que se arvora em ciência, filosofia e revelação começa a desabar fragosamente... A desmanchar-se, a ruir e a dar por terra...

                                          A maioria deles prefere, com Canuto de Abreu 1957 p X "O resultado de sua redação só era incorporado ao texto depois de cuidadosamente revisado e corrigido, palavra por palavra, pelos Instrutores."

                                         
Tal o ping pong ou o jogo Tênis espiritual -

                                           As comunicações são, em seu conjunto duvidosas, bem como os espíritos em seu conjunto. 

                                           Como resolvemos isso...

                                           Dizendo que foram examinadas e selecionadas por Kardec.

                                           Reivindica Kardec a perfeição da infalibilidade como o Pio IX, o papa epilético... Certamente que não.

                                            Então...

                                            Recorre Kardec a um recurso especioso que não poucas vezes confunde ou entusiasma seus leitores a ponto de correr louros, aplausos e ovações.

                                             A todo instante Kardec opõem a fé supostamente cega da Igreja antiga a razão ou ao raciocínio. Aqui, paradoxalmente, não é nada 'sofisticado', positivista ou empirista, porém racionalista ou metafísico, tal e qual Leibnitz, Descartes, Voltaire, etc. 

                                              Como um protestante livre examinista falando sobre a bíblia ou o Evangelho (Sem ser o Evangelho ou a bíblia.) Kardec escreve sobre a razão e o raciocínio, a ponto de ser fastidioso citar. E a impressão que se tem é que ele Kardec encarna a razão ou seja o único mortal capaz de raciocinar - Mesmo quando confessa sua falibilidade.

                                                Importa dizer que é a razão um guia naturalmente seguro, mormente quando haja acordo entre os sábios a respeito das conclusões. Fica no entanto sendo, ainda hoje - Como nos tempos de Orígenes. - um recurso restrito e pouco acessível ao grosso do povo ou a gente medíocre e sem instrução. 

                                                  Outro o conceito de Revelação ou Religião, sobretudo quanto associada ao veículo mais adequado - que é a Encarnação de Deus, e ao recurso a autoridade, pelo qual se atinge a gente medíocre ou até mesmo as massas. 

                                                   Os próprios conceitos de Razão (Natural) e Revelação (Sobrenatural) parecem distintos - Ainda que não sejam opostos e destinados encaixarem um no outro, completando a comunicação divina e infalível as aquisições limitadas e apenas humanamente seguras da Razão. 

                                                     Admitido isto o quanto temos aqui não é Religião ou Revelação e menos ainda Ciência porém uma Reflexão ou uma especulação metafísica feita a partir de comunicações incertas e duvidosas i é um tipo de filosofia muito pobre, que pode partir de premissas equivocadas.

                                                      Caso Kardec, sendo humano, seja o critério ou padrão das comunicações, todo espiritismo é puramente humano e natural, mesmo quando houvesse alguma comunicação fidedigna incluída no conjunto.

                                                       Daí Canuto de Abreu... postular a revisão do quanto foi feito por Kardec pelos espíritos... Os quais bem podem ser fanáticos, neuróticos, ignorantes, malvados, etc e são sempre falíveis... 

                                                        Kardec no entanto confere o título de Superiores ou iluminados aos espíritos que assentem a seus juízos. Por que superiores ou iluminados... Porque concordam com ele. Kardec como que canoniza os espíritos que aprovam seu trabalho. Que seriedade há nisto...

                                                         Kardec aprova os espíritos que aprovam Kardec... Senhores isso é pura marmota. 

                                                                            Eternos céus - Imaginávamos uma auto comunicação divina, com garantias razoáveis, puridade, exatidão, etc E eis que os kardecistas, que se julgam cientistas ou filósofos, brindam-nos com possíveis fraudes, alucinações, fenômenos paranormais, comunicações de vivos e toda casta de espíritos: Fanáticos ou irredutíveis e espíritos neuróticos/psicóticos, ignorantes, zombeteiros, falíveis, anônimos (Para você se sentir no AlAnom), etc então me diz se isso não é um mercado ou uma feira... Labirinto sem fio de Ariadne!

                                                     E... no entanto... Apesar disso... Nosso cândido declara sereno e calmo que os espíritos que dirigiam os médiuns de Kardec eram os mais puros e elevados do universo, os melhores, a elite do mundo espiritual - Pois certamente havia ali uma operação divina ou uma ação providencial. 

                                               E incomodam-se nossos amigos quando dizemos que isso não passa de fé e de uma fé grandiosa, de uma fé colossal, duma fé imensa... Quiçá mais fé do que qualquer Ortodoxo que crê na divindade de nosso Senhor o Bom Jesus.

                                                                   Como ainda aqui e sempre quero ser justo, concedo que para as comunicações pessoais ou NÃO DOUTRINÁRIAS - Nas quais pessoas das mais diversas fés, buscam contatar algum ente querido para acertar alguma pendência, tais prevenções e garantias não venham ao caso. Bastando para tanto evocar o falecido no ambiente certo (E do modo correto) - Num ambiente de paz, serenidade, amor e boas energias, a luz do Evangelho e com recurso a prece. - e interagir com ele, deixando o mais a cargo da intuição... que é a meu ver a melhor forma de reconhecer alguém com quem convivemos. Se interage e comunica alguns de segredos ignorados pelo médium podemos dar por plausível a presença do defunto.

                                                                  Manifestamente outro e diverso o caso desse espiritismo doutrinário ou kardecista que pretende substituir os padrões mais seguros da Revelação divina - Que são a Encarnação e na sucessão apostólica na Igreja. - pela mediação de entidades invisíveis e anônimas  que não podem ser identificadas com seguridade. Sabendo que o universo espiritual é bastante similar ao nosso e que está densamente povoado por entidades problemáticas como atribuir-lhe a prerrogativa de informar-nos sobre as coisas santas e divinas...

                                                       Quiçá algum espírita frustrado, após ter lido estas linhas, julgue que queremos desencaminha-lo do espiritismo. Longe de nós. Apenas da doutrina ou do Kardecismo ou ao menos de certos aspectos dela... Quanto ao espiritismo basta dizer que também existe o NÃO doutrinal, perfeitamente compatível com a fé Ortodoxa ou mesmo com as práticas da igreja romana. Pois um romano, anglicano ou Católico Ortodoxo bem pode lá ir receber seus passes, ouvir alguma comunicação, etc sem deixar de ser Cristão. Como pode ir aos centros Kardecistas - Caso se sinta bem. - sem aceitar a doutrina ou aderir a ela. 

                                                    Por não acreditar que a condenação da evocação dos mortos por parte dos antigos judeus tenha qualquer coisa de sagrada ou de divina (É puramente cultural e não consta em nosso Sagrado Evangelho!) sou pela conciliação até onde for possível e não por qualquer ruptura dramática ou radical, mesmo porque o espiritismo possuí uma Ética admirável, filha desse Evangelho e a qual não posso desdenhar. 


                                                    Eis o que tenho a escrever sobre a doutrina de Kardec e suas garantias.

                                  


                           

                                 

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