quinta-feira, 8 de novembro de 2018

E Gibbons, Maquiavel, Guicciardini - O Catolicismo e a queda do Império romano




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Cristãos há, Católicos por sinal, que ficam abalados face a declaração de Gibbon segundo a qual o Cristianismo - das obras é claro e portanto Católico - foi o grande pivô ou responsável pelo colapso do Império romano. Já ao tempo de Gibbon esta tese escandalizava a muitos...

E no entanto já havia sido esboçada com maestria pelo neo pagão Nicolau Maquiavel. Claro que Maquiavel encara o Cristianismo na perspectiva do pacifismo tolo, e não podemos negar que durante toda sua História o Cristianismo contou com um grupo de pessoas que se identificava com este tipo de mentalidade, quiçá predominante em alguns períodos. Mesmo estabelecida a distinção necessária entre não violência - ideário distinto do ideário Cristão - e não agressão Maquiavel haveria de manter suas críticas... Afinal o que constituiu a República não foi uma violência defensiva e portanto eticamente justa e socialmente admissível, mas um instinto agressivo ou belicoso.

Aqui Maquiavel foi genial - Pois de fato o Cristianismo autêntico nada tem de agressivo ou belicoso. Faz emprego social da violência apenas para defender-se e manipula-o com prudência e cuidado. Os pagãos ou romanos tinham inclusive deuses guerreiros... Para eles o ataque, a agressividade ou a conquista era algo absolutamente natural e assim o domínio e a opressão. Assim o que era virtude cívica para os antigos romanos é vício ou pecado para os Cristãos.

Quais haviam sido e eram os fundamentos sociais inamovíveis do Império e responsáveis por sua estabilidade social e econômica?

Em primeiro lugar e antes de tudo a guerra. A princípio defensiva, ao menos na Península itálica, onde os latinos viviam cercados por povos aguerridos e conquistadores. Posteriormente, após a unificação da Itália, agressiva ou de conquista, visando ampliar o território. Do que resultou primeiramente a conquista de Corinto e Cartago em 146 - assim a incorporação da Grécia e do Noroeste da África - e em seguida a conquista da Síria, da Palestina e do Egito - esta em 31 a C - fechando o circuíto do Mediterrâneo.

A guerra no entanto não era um fim em si mesmo mas via de acesso a pilhagem e a obtenção da mão de obra, que eram os escravos. Os escravos, ao menos após as conquistas de 146, estavam na base da produção romana ou seja da economia do pais. Generalizado o emprego de escravos na produção, o trabalho tornou-se vergonhoso ao homem livre além é claro de desvalorizar-se... Desde então avolumaram-se as massas ociosas, devendo ser sustentadas pelo Estado... Pois os senhores de Roma temiam que a fome fizesse com que elas se amotinassem.

Desde que o Império cessou de crescer após a derrota de Teutberga, no começo do século primeiro desta Era, cessaram as guerras de conquistas. A única exceção deste quadro foram as Ilhas britânicas. Sendo assim a obtenção de escravos ficou na dependência da procriação e de possíveis rebeliões internas como as duas revoltas dos judeus, a de 70 e a de 134, as quais aqueceram o mercado de escravos e a economia do Império. A partir de 134 todavia, com a quase total cessação de conflitos internos, a obtenção de novos escravos tornou-se muito difícil. E para agravar a situação já grave a estrutura social, política e jurídica do império facilitava a emancipação dos escravos, de maneira que ano após ano o número de libertos ampliava-se e o número de escravos minguava.

Isto por si só já era preocupante. Imagine então o aparecimento de uma ideologia religioso cujos membros mais destacados e fiéis eram anti escravistas e defendiam a abolição??? Claro que haviam Cristãos e em grande número que defendiam a manutenção da relação amo e escravo, mas numa perspectiva religiosamente igualitária - e incoerente - que da mesma maneira solapava a instituição do escravismo. O que por si só ameaçava o Império... Cuja econômica dependia do trabalho escravo. Assim, menos escravos menos produtos, logo inflação...

Pois bem. Desde então cogitou-se em guerras e enfim haviam os neo persas lá nas fronteiras do Império - o que tornava as expedições bastante onerosas... Acontece que os mesmíssimos Cristãos que afirmavam a fraternidade humana e condenavam os maus tratos aos escravos ou mesmo a escravidão condenavam com ainda mais veemência e uniformidade as guerras de conquista ou o espírito agressivo e belicoso. E isto a ponto dos antigos elderes, como Tertuliano e Hipólito, dentre outros, condenarem o serviço militar. Não porque empregasse a força mas porque estava a serviço da agressão, do ataque e do imperialismo.

Os Cristãos jamais foram perseguidos por motivos de ordem religiosa ou credal porque os romanos eram tolerantes e não se ocupavam de tais assuntos. E os judeus podiam bem podiam viver no Império sem ser molestados, em parte é claro por não serem proselitistas, mas sobretudo por não serem contra a escravidão ou contra a guerra. Os Cristãos além de abolicionistas e anti imperialistas eram proselitistas e buscavam converter os pagãos a sua fé... Isto atingia em cheio o coração do Império pois mexia com sua estrutura sócio econômica, e o Legislador prudente não podia permiti-lo.

Foi a praxis social dos Cristãos e não sua fé ou teologia, assim sua recusa em adorar os deuses da multidão que resultou nas terríveis perseguições. Os Cristãos não juravam face aos estandartes e não reverenciavam o Imperador. Eram anti sociais, traidores e apátridas por isso mesmo odiados. O império romano e os cidadãos mais inteligentes sabiam que a cultura estava sendo boicotada.

Veja o pandemônio que esta opção ou prática provocou ao longo do tempo. Foi uma luta de vida e morte. A sobrevivência desta religião revolucionária e desta ética humanista implicava a morte do Império tal e qual o socratismo... curiosamente os cristãos - como os antigos socráticos de Atenas - devido a sobriedade de suas vidas eram a parte melhor preparada do império para combater, e justamente eles não queriam combater. Já as massas amolecidas pelo pão e circo ou degeneradas pelo luxo não o podiam, inda que quisessem.

A míngua de guerras o número de escravos foi paulatinamente diminuído e assim as próprias riquezas do erário, já devastadas por Neros, Calígulas e Domicianos... já repassadas as massas sob a forma de subsídios alimentares... Uma vez que podiam ser alimentados na cidade não queriam os homens, em sua maior parte entrar no exército e defender as fronteiras. Momento houve em que mercenários de origem germânica - os quais viviam na periferia do Império - tiveram de ser contratados e pagos... Mais despesas para o Império.

Escravos que era bom não se obtinham e daí resultou, a partir do final do século II uma inflação galopante que jamais cessou de crescer e que convulsionou as bases do Império em que pese o tabelamento de preços imposto por Diocleciano. Tuto, tudo foi em vão. Sem escravos a produção foi parando e os produtos se tornando cada vez mais caros... Tendo em vista manter o sistema de repasses ou os subsídios alimentares, só restou ao Império aumentar os impostos ou melhor taxar a produção agrícola, em parte fruto do trabalho livre. Foi dar os pés pelas mãos... Pois os agricultores fossem pequenos ou grandes não podiam pagar os trabalhadores e os impostos. Resultado: Uma parcela cada vez maior deles começou a abandonar os campos e partir para os grandes centros urbanos, em especial Roma, onde podiam viver de subsídios... Até que o governo imperial prendeu os pequenos cultivadores e os trabalhadores livres a terra, segundo muitos dando origem ao sistema feudal auto sustentável, ao menos nas Vilas.

Num determinado momento teve o Império de decidir entre manter os subsídios alimentares ou manter as fronteiras e é claro que optou por manter os subsídios e desguarnecer as fronteiras. O resto é já sabido - Os germânicos, empurrados pelos hunos, atravessaram as fronteiras... Até que mesmo os subsídios cessaram de ser fornecidos, momento em que as Igrejas Católicas ou episcopais assumiram a tarefa de alimentar as multidões de pobres que viviam nos grandes centros urbanos e viriam a ser aniquiladas pelas invasões e suas consequências, como por exemplo a peste.

O Epílogo é que em 410 Roma foi tomada por Alarico e em 476 o Império estalou e ruiu sob Rômulo Augusto.

E por que ruiu o Império?

Porque suas bases e fundamentos sociais mais remotos estavam assentados sob uma base desumana, anti natural e cruel assim a belicosidade e as guerras de conquista assim o escravismo. Criado desta forma o império romano só podia subsistir enquanto tais valores não fossem questionados. Nem sabiam os romanos bem intencionados ou os Cristãos ou que fazer no sentido de reformar socialmente o Império, pois nada sabiam em termos de Sociologia ou de ciências sociais e nem seria fácil substituir o trabalho escravo pelo trabalho assalariado e livre aquele tempo. Seja como for a escravidão tinha de ser removida e as guerras de serem questionadas.

Maquiavel e Gibbon estavam completamente certos e não temos que nutrir qualquer sentimento de culpa devido ao fato do Cristianismo, com sua moral prática e humana, ter colaborado ativamente para a destruição de um Império cujas bases não eram sadias ou éticas mas desumanas. Desabou o Império romano por ter sido edificado sobre fundamentos podres e carcomidos e não poderia ter deixado de desabar e de desabar fragosamente. Não é algo para se lamentar ou chorar mas para se vangloriar.

Afinal o Cristianismo antigo ou Católico chocou-se com esta estrutura opressora, chamada Império, justamente por ser portador de valores novos ou distintos como a dignidade da pessoa humana e a sacralidade da vida, valores perenes, imortais e gloriosos que o espírito romano supinamente ignorava.

Resta concluir estabelecendo que ao menos em parte o Renascimento, mais romano do que grego, muito literário e nem sempre humano, mais individual do que comunitário ou social, equivocou-se cabalmente ao vivificar tais valores como o espírito belicoso ou agressor e o desprezo pelas pessoas mais simples e humildes, a ponto de reviver aquele mesmo espírito insensível e desumano que amiúde manifestou-se nos escritos que os principais advogados do paganismo lançaram contra o Cristianismo. E a suprema objeção era de que o Cristianismo violava a barreira das 'classes' ou categorias sociais, aproximando as pessoas. Isto era intolerável aos olhos dos bons romanos para os quais eram os escravos seres inferiores, desprezíveis e sem direito algum... Se bem que os ditos humanistas italianos, como Maquiavel e Guicciardini, não tenham dado largas a tais pensamentos não duvido que os tenham acalentado.

Agora quanto ao espírito de violência, conquistam agressividade e imperialismo não souberam dissimular, apresentando a ética Cristã da violência defensiva como inadequada e tosca a preservação das liberdades cívicas, o Cristianismo como responsável por efeminar a Sociedade, o sentido humano do Evangelho por torna-la frágil, vulnerável e indefesa. Eles viam apenas derrota e insucesso onde não havia delírio de conquista... O Cristianismo era para eles uma acovardamento, uma queda de ideais, um declínio, uma corrupção, pura treva... Era o principal inimigo de um Estado forte, coeso e expansionista. Era o supremo obstáculo aos imperialismos. Claro que eles de referem ao Cristianismo autêntico e não ao neo Cristianismo protestante, favorável a violência, a agressividade, ao imperialismo, etc por via do antigo testamento. Guicciardini disse que teria amado Lutero com todas as forças pois Lutero como Hutten e Munzer era profeta da violência, desde que não fosse direcionada contra quem deveria, os reis, os senhores, os opressores, os dominadores... com os quais o reformador das alemanhas identificava-se, pelo simples fato de terem apoiado e ampliado sua reforma...

Posteriormente os mesmos argumentos apenas ensaiados pelos humanistas neo pagãos seriama assumidos e desenvolvidos por Hobbes e enfim por Rousseau, ao mesmo tempo em que Gibbon estabelecia processo contra o odiado Catolicismo incriminando-o por ter demolido aquele 'belo' Império escravista e conquistador no qual os seis mil sobreviventes envolvidos na Rebelião de Spartaco foram crucificados as margens da via Ápia... Mas... que se esperar de uma religião fundada por um marceneiro e divulgada por pescadores? De uma religião cujo fundador não teve escravos? De uma religião cujo fundador foi executado pelo Estado judaico e condenado a pena capital? De uma religião cujo fundador não fazia acepção de pessoas... O único resultado esperado e previsível é que se chocasse com a máquina do império, que a destruísse e lança-se os fundamentos de uma nova civilização, alias salvando os fragmentos mais nobres da antiga...

Felizmente, foi o que aconteceu, por força de coerência, justamente porque os ideias éticos do Cristianismo ainda não haviam sido falseados.

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