Há cerca de vinte cinco século concebeu Platão, um dos principais representantes do pensamento helênico, a bela teoria segundo a qual todo homem que vem a este mundo trás consigo reminiscências ou memórias duma vida anterior vivida no mundo as essências puras ou idéias materializadas.
Recebeu esta bela doutrina o nome de inatismo ou seja de coisa não nascida, porque de fato, segundo platão a ideia antecede o nascimento do corpo físico ou da natureza humana a mortal.
Evidentemente que semelhante teoria ou opinião só pode ser compreensível em termos de espiritualismo ou de transcendência uma vez que todas as tentativas encetadas com o intuito de vincular aos gênes a transmissão de quaisquer conhecimentos tem falhado miseravelmente. Material ou biologicamente falando, em termos de ideias ou conceitos, postular uma memória genética vai contra todos os fatos percebidos e experimentados em nossos laboratórios e centros de pesquisas.
Abraçam a teoria inatista certos grupos de teístas, de religiosos, de cristãos confusos e de espíritas sobretudo, tomando por base a ideia de Deus e as doutrinas da sobrevivência da alma e da reencarnação. Dedutivamente porém, a existência da qualquer liame entre tais crenças e o inatismo é no máximo incerto, senão inexistente.
Donde os espíritas recorrem amiúde aos discursos dos espíritos desencarnados com o intuito de asseverar a realidade do inatismo, porque, como já foi dito, não é possível deduzir qualquer recordação ou memória da crença na imortalidade ou mesmo da crença na reencarnação.
Eis porque os paladinos do inatismo devem recorrer, necessariamente, ao ensino positivo do inatismo comunicado por profetas, médiuns ou quaisquer líderes pretensamente qualificados que julgam falar em nome do além túmulo ou de Deus. Baseia-se pois o inatismo no discurso de certas autoridades religiosas e não na experiência quotidiana, na reflexão filosófica ou mesmo na especulação teológica.
Excluído o discurso religioso, a revelação, a sobrenaturalidade, a pretensa autoridade credal nada resta do inatismo senão um amontoado de escombros e ruínas, pois como estabeleceu o Filósofo, com toda propriedade, nada há no intelecto ou na memória que antes não tenha passado pelos sentidos.
Tabua rasa é a mente humana em seu instante inicial, contendo apenas esquemas potenciais ou capacidades, mas isenta de todo e qualquer conteúdo experiencial em termo de sensações percebidas ou percepções.
O dito tema em questão foi por assim dizer abordado e esgotado por Hobbes no "Leviatã" há cerca de três séculos e meio...
Os sentidos coletam sensações ou percepções e estas são trabalhadas pelo intelecto ativo que delas abstrai as ideias e conceitos produzindo as teorias e opiniões.
Sem a ação dos sentidos e da percepção permaneceria a mente humana completamente vazia ou seja isenta de todo e qualquer conteúdo.
Só podemos imaginar e construir ideias a partir de nossas experiências executadas no mundo e com o mundo. É da realidade que extraímos a matéria a ser trabalhada pela razão ou pela imaginação segundo o carater e a preferência de cada um.
Tudo isto não passaria de obviedade não fosse uma coisinha...
Refiro-me ao novo sofisma construído pelos ateus com o intuito de divulgar sua crençazinha tola e superficial.
Movidos por um ódio cego para com uma entidade que não existe, fabricaram já os apóstolos do novo credo um ateísmo inatista ou um inatismo ateu, não importa, pois a ordem dos fatores...
Vira e mexe aparece - nas gloriosas páginas do Twitter e/ou do Facebook - uma mente genial asseverando ter nascido ateiazinha da silva...
Era já ateu no ventre materno, 'in sinu matris', antes de qualquer contato com o mundo ou experiência sensível...
Donde pois recebeu sua ideia ateística ou juízo de negação face a ideia e afirmação de Deus? Donde recebeu a ideia a ser repudiada ou os conceitos de afirmação e negação???
Eis Atena saindo armada dos miolos de seu Pai...
Ou terá o nosso ateu recebido tal ideia e tais conceitos de alguma vida anterior e experiência preexistente???
Seria o caso dos velhos sofistas De Holbachs, La Mattrie, Cloothes, Helvetius, Vogt, Moleschott, Buchner, Virchow, Stirner, Nietszche... terem reencarnado em terras brasílicas nestes nossos últimos e tristes tempos???
Em minha limitação, produto da ignorância mais do que crassa, desisto.
Não posso compreender os entrincados mistérios do ateísmo cujos limites chegam a extremidade do inatismo até confundir-se com ele.
Sendo o ateísmo um juízo, uma teoria, uma opinião, uma ideia ou um conceito, gostaria de saber como nascemos com ele uma vez que segundo a experiência, nascemos sem qualquer juízo, teoria, opinião, ideia ou conceito???
Mesmo porque conceitos, ideias, opiniões, teorias e juízos são construídos a partir da ignorância em dialogo
ou interação com a realidade material que nos cerca.
Como não podemos nascer com qualquer ideia ou conceito adrede formulado, não podemos nascer nem teístas, nem ateus...
Sustentam alguns teístas ingênuos e desavisados que o próprio Deus introjeta o conceito de sua natureza e existência em cada ser humano que vem a este mundo. Boa ou má esta teoria possui um nexo explicativo causal: uma operação divina com o objetivo de fixar a operação mental.
O ateu no entanto não pode apelas nem a Deus nem a qualquer outra vida ou autoridade religiosa. Como pois firmar seu pomposo inatismo???
Aqui o inatismo sempre cambiante e frágil tomba ainda mais fragosamente...
Grosso modo nascemos ignorantes ou agnóstas a respeito de qualquer coisa ou a respeito de tudo.
Ao nascer ignoramos até mesmo que seja justiça, alteridade, solidariedade, etc
'Ignorabimus' supinamente, em termos absolutos...
Não sabemos confeccionar roupas, nem comer, nem tomar banho, nem ler, nem escrever e sem qualquer suspeita a respeito do evolucionismo, do socialismo, da cidadania... e estúpido seria todo aquele que se contentasse com esta maravilhoso estado de natureza...
Nascemos vazios de conhecimento com o intuito de obter o conteúdo do conhecimento... e não de permanecer em estado de ignorância crassa...
Eis porque teísmo e ateísmo não passam de ideias, conceitos, opiniões, teorias, hipóteses, etc elaboradas pelo sujeito racional em dialogo com o mundo, ou seja, a partir dos dados coletados pelos sentidos e submetidos a ação reflexiva do intelecto.
Portanto a questão não se põe nos termos platonistas e platônicos de quem nasceu teísta ou o que é mais engraçado ainda, de quem nasceu ateu, mas de quem executa uma reflexão tanto mais sólida e vigorosa a partir dos elementos extraídos pelos sentidos face a realidade externa do mundo.
Fica assim demolido e posto a rés de chão mais uma novidade sofistica posta a venda na feira charlatanesca do ateísmo despudorado, desonesto e sem consciência.
Ao velho Platão resta apenas virar-se ou melhor saltar em seu túmulo e morrer de rir diante de seus mais novos discípulos conquistados pelo ateísmo: a boa gente que já nasceu ateia e exercendo juízo de negação a respeito de Deus. E como estou cada vez mais pagão - mas no bom sentido teísta de Aristóteles - aproveito para gargalhar: Quaquaquaquaquaquaqua
Tal a miséria de um sistema que não sabe mais para onde fugir, pois tendo principiado sob a égide da superstição empirista, vai já sacrificar as aras da musa inatista...