segunda-feira, 28 de junho de 2010

Apoio Mútuo (continuação)

Se o leitor não leu as duas primeiras postagens que são esta e esta, leia antes os dois textos antecedentes, caso contrário ficará mais perdido do que filho da puta no dia dos pais.
Sem mais delongas retornemos ao pensamento de Kropotkin, agora ele aborda o comportamento dos mamíferos:

A associação e a ajuda mútua são a regra entre os mamíferos. Constatamos hábitos sociais mesmo entre os carnívoros, e só temos os felinos (leões, tigres, leopardos etc.) para citar como exemplos de uma divisão cujos membros preferem claramente o isolamento à vida em sociedade e só muito de vez em quando podem ser encontrados em pequenos grupos. Mas, mesmo entre leões, “a caça em conjunto é uma prática muito comum”. As civetas ou gatos-dealgália (Viverridae) e as doninhas (Mustelidae) também podem ser caracterizadas por sua vida isolada, mas é verdade que, durante o último século [19], a doninha comum era mais sociável, uma vez que, nessa época, podia ser vista em grandes grupos na Escócia e no cantão suíço de Unterwalden. Quanto à grande tribo dos caninos, ela é eminentemente sociável, e a associação para a caça pode ser considerada uma característica distintiva de suas numerosas espécies. É bem sabido que os lobos se juntam em alcateias para caçar. Tschudi legou-nos ótima descrição de como eles se dispõem em semicírculo ao redor de uma vaca que está pastando numa vertente de montanha e, surgindo de súbito com latidos altos, fazem com que ela role no abismo. Nos anos 1830, Audubon também viu lobos do Labrador caçando em alcateias. Uma delas seguiu um homem até sua cabana e matou seus cães. Durante invernos severos, as alcateias crescem tanto em número que se tornam um perigo para os assentamentos humanos, como foi o caso na França há cerca de quarenta ou cinquenta anos. Nas estepes russas, os lobos só atacam cavalos em alcateias e, mesmo assim, têm de travar uma luta encarniçada, durante a qual os cavalos (como testemunhou Kohl) às vezes assumem táticas ofensivas e, nesses casos, se não recuam imediatamente, esses inimigos correm o risco de serem cercados e mortos a coices. Os coiotes ou lobos-das-pradarias (Canis latrans) são  conhecidos por reunirem de vinte a trinta indivíduos ao caçar um búfalo ocasionalmente separado de sua manada.

Sinceramente não creio que Darwin estava totalmente errado no que afirmou acerca da seleção natural, mas Kropotkin convenceu-me de que Darwin e Wallace exageraram a importância da seleção natural, evidentemente porque estavam imbuídos da ideologia da sociedade burguesa vitoriana. E afirmo isso com todas as letras uma vez que não existe neutralidade científica. Com isso não quero dizer que a ciência está errada, mas apenas que não se pode fazer da ciência uma nova religião, como Dawkins que se vale da mesma para dizer que Deus não existe.

Kropotkin escreve:

Até os pequenos saguis, cujo doce rosto infantil tanto impressionou Humboldt, abraçam-se e protegem uns aos outros quando chove, enrolando a cauda no pescoço de seus companheiros que tiritam. Várias espécies demonstram a maior solicitude por seus feridos e não abandonam um camarada nessas condições durante uma retirada até se assegurarem de que ele está morto, ou de que são incapazes de fazê-lo voltar à vida. Em suas Oriental Memoirs, James Forbes narra um caso semelhante, em que um bando de macacos reclama a um grupo de caça o cadáver de uma de suas fêmeas com tal insistência que se pode compreender plenamente por que “as testemunhas dessa cena extraordinária resolveram nunca mais atirar em qualquer representante da classe dos macacos”.

Kropotkin nunca disse estar Darwin errado, mas que este exagerou ao falar da seleção natural e não observou outros aspectos da natureza que sobrepujam a seleção natural, no caso o apoio mútuo. O filósofo e geógrafo russo estudou muito e ele mesmo viajou à Manchúria e outros lugares para observar in loco a vida animal.

Sobre Darwin observa Kropotikin:

A ideia que permeia a obra de Darwin é certamente a de competição real por alimento, segurança e possibilidade de deixar prole no interior de cada grupo animal. Ele fala frequentemente de regiões povoadas com vida animal até sua capacidade máxima e, dessa superpopulação, ele infere a necessidade de competição. Mas, quando buscamos em sua obra provas reais dessa competição, devemos confessar que não as consideramos convincentes. No tópico intitulado “A luta pela vida é mais acirrada entre indivíduos e variedades da mesma espécie”, não encontramos nada da riqueza de provas e ilustrações a que estamos acostumados em qualquer dos escritos de Darwin. Sob esse título não há um único exemplo da luta entre indivíduos da mesma espécie; ela é tomada como ponto pacífico. E, para a competição entre espécies animais intimamente aparentadas, ele dá apenas cinco exemplos, dos quais pelo menos um (relacionado a duas espécies de tordos), é comprovadamente duvidoso.

E citando a Wallace continua Kropotkin:

Quanto a Wallace, que cita os mesmos fatos sob um título ligeiramente diferente – “A luta pela vida entre animais e plantas estreitamente aparentados é frequentemente a mais acirrada” –, ele faz a seguinte observação (os itálicos são meus), que fornece uma visão bastante diferente dos fatos citados acima: Em alguns casos, sem dúvida, há uma guerra efetiva entre os dois, com o mais forte matando o mais fraco; mas isso não é, de modo algum, necessário e pode  haver casos em que a espécie fisicamente mais fraca prevaleça por seu poder de se multiplicar mais rapidamente, por sua maior resistência às vicissitudes do clima ou por sua maior astúcia para fugir dos ataques de inimigos comuns.

É interessante notar que Wallace citado pelo autor russo, diz nas entrelinhas que não é regra a sobrevivência dos mais fortes e nem sempre os mais fortes são os mais aptos e aqui os darwinistas sociais ficam sem saída.

O ilustre geógrafo demonstra mais uma vez que não existe, ao menos em proporções gigantescas alardeadas pelos darwinistas, essa "luta pela vida" dentro da própria espécie.

Nesses casos, o que é descrito como competição pode não ser isso de forma alguma. Uma espécie sucumbe não por ser exterminada ou levada pela outra espécie à morte pela fome, e sim por não se adaptar bem às novas condições, como a outra. O termo “luta pela vida” é novamente usado em seu sentido metafórico, e pode não haver outro. Quanto à real competição entre indivíduos da mesma espécie, exemplificada pelo gado da América do Sul durante um período de seca, sua validade é prejudicada pelo fato de ocorrer entre animais domesticados. Os bisões emigram em circunstâncias semelhantes, a fim de evitar a competição. Por mais intensa que seja a luta entre plantas – e isso está amplamente comprovado –, podemos apenas repetir a observação de Wallace de que “as plantas vivem onde podem”, enquanto os animais têm, em grande medida, a possibilidade de escolher onde viver. De modo que perguntamos de novo: “Até que ponto existe realmente competição dentro de cada espécie animal? Em que se baseia essa premissa?”

Continua a escrever Kropotkin:

Os esquilos, por exemplo, quando há escassez de pinhões nas florestas de lariço, deslocam-se para as florestas de pinheiros, e isso implica certos efeitos fisiológicos bem conhecidos sobre eles. Se essa alteração de hábitos não perdurar, porque no ano seguinte os pinhões voltaram a ser abundantes nas sombrias florestas de lariço, evidentemente nenhuma nova variedade desses animais surgirá. Mas, se parte da ampla área ocupada por eles começar a ter seus caracteres físicos alterados – devido, por exemplo, a um clima mais ameno ou a uma seca, que façam aumentar a área das florestas de pinheiros em relação à das florestas de lariços – e se algumas outras condições concorrerem para induzir os esquilos a habitar os limites da região em seca, teremos então uma nova variedade, isto é, uma nova espécie incipiente de esquilos, sem que tenha havido entre eles nada que merecesse ser considerado extermínio. Uma proporção maior e mais bem adaptada da espécie nova sobreviveria a cada ano e os elos intermediários morreriam ao longo do tempo, sem que tivessem sido levados a isso pela fome causada por competidores malthusianos.

Creio que Kropotkin demonstrou muito bem que a evolução se sai melhor com a cooperação do que pela "luta cruel pela existência". Da mesma forma o proletariado só conseguirá sobreviver se se unirem contra seus exploradores. O darwinismo social é uma mentira grosseira que tem por fim justificar a miséria de milhões  e a riqueza de uma pequena casta privilegiada. Essa ideologia quer inculcar na cabeça dos trabalhadores que se eles forem econômicos chegarão a ser o que são seus patrões hoje.

Caso o amigo leitor tenha gostado de minhas postagens recomendo que leia o e-book Ajuda Mútua. Porque o que fiz foi um resumão e só peguei citações que falavam do mundo animal, mas nesse mesmo livro Kropotkin abordou o apoio mútuo entre os "selvagens e bárbaros" e se não me engano sobre a cooperação na Idade Média.

Sem mais, só posso agradecer a paciência  e a compreensão do leitor.

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