sábado, 4 de fevereiro de 2023

Considerações em torno do que seja Sociedade.




Vez por outra, de quando em quando, costumo ler algum 'manuel', digo, Manual de Sociologia - Também leio os de Filosofia, de Psicologia ou de Pedagogia > E há alguns muito bons (Guido de Rugiero, Jaspers, Thonard... Th Ribot, Wundt... Herbart, Comenius, Backheuser, etc). 

Por hora estou lendo "El hombre y la gente" de Ortega Y Gasset - Revista de Ocidente, Madrid, 1958, juntamente com a edição das Epístolas de Caio Cecílio Segundo, o 'Plínio' Jovem ou Jovem Plínio - Estranha mistura ao que parece... Se bem que não da para confundir o escritor latino com o humanista espanhol. 

Todos sabem que considero Gasset um dos nomes mais representativos em termos de genialidade, juntamente com Freud, Adler, Darwin, Weber, Malthus, Sorel, Decrolly, Hitchcock, Valéry, Horney e Goodall. 

Quem quiser adicione o nome de Marx. Sua crítica foi positiva mas, penso eu, sua construção positiva ou 'solução' de muito pouco valor, e o comunismo se nos parece tão desastrado quanto o capitalismo.

Outros desejarão adicionar um Einstein ou um Fermi, aos quais de fato não faltou genialidade.

No entanto, confessadamente socrático, penso ser patético ou até calamitoso, o caniço pensante explorar o universo - Das partículas elementares as grandes estrelas, passando pelo fundo dos oceanos. - sem conhecer suficientemente a si próprio ou explorar a mente que dita nosso comportamento e tudo comanda.

Sim, em tempos de Ética, de crise e de suicídio comum (Em termos de espécie.) temos que questionar absolutamente tudo, inclusive a prioridade em termos de conhecimento.

Pois controlar a força contida nas partículas sem comandar a si mesmo pode ser algo bastante perigoso.

Tal reflexão foi que me fez por optar pelas Humanidades e não pelas ciências exatas ou pela técnica, tão queridas a ideologia positivistas e tão lucrativas. 

Necessário registra-lo. 

Pois em nossa cultura degenerada quem opta por ganhar menos traduzindo clássicos como as Antiguidades romanas de Dionísio de Halicarnasso ou a História geral de Diodoro Sículo, ao invés de tornar-se físico ou químico, i é partidor de moléculas ou analista de substâncias é tido em conta de inepto, incapaz ou imbecil.

Chega de divagação e prolixidade, como dizia minha saudosa mestra Isamar Alcover do Amaral Loureiro> Sr Domingos, o sr é prolixo e tão prolixo como Rui - Quem me derá ser a metade ou um quarto de um Rui... Mas tornemos a Gasset, nosso Ortega.

Antes porém devo dizer que já havia lido, e há um bom tempo, A unidade social, de P A Silvestre, São Paulo, 1956, obra atualmente bastante rara sobre a percepção social em Tomás de Aquino e, por ext. nos escolásticos e contratualistas.

Curiosamente Gasset define o associacionismo com precisão: "... Que assim fosse mera combinação ou resultado de outras realidades, como os corpos são 'na realidade' mais do que combinações de moléculas e estas de átomos." p 22 a qual, substituindo-se moléculas e átomos por tecidos e células, teria sido absoluta.

Importa saber que o ilustre pensador espanhol após definir avalia: "Se como sempre se tem crido... é a Sociedade uma criação dos individuos... que se congregam e portanto se não é ela mais que uma associação, a Sociedade não tem própria e autêntica realidade e não precisamos de uma Sociologia." p 22

E foi um pensador genial, um Ortega Y Gasset, quem o disse, como que copiando trivialidade repetida nos manuéis ou manuais de Sociologia. 

Achei digno de nota ou reflexão a assertiva do Ortega.

Afinal nossos corpos são agregados de células e tecidos. O que não os priva de existência real.

Curioso isso - Que aquela treva chamada positivismo tenha produzido há um tempo introduzido materialismo mecanicista no campo da Psicologia e Metafísica muito mal feita no campo da Sociologia. 

Mais - Agregado sim, agregado e agregação. Nem por isso uma célula sozinha se converte em tecido ou corpo, menos ainda o corpo ou o tecido numa única célula. Pois de modo algum a existência do agregado basta para confundir o agregado com o todo e vice versa... A simples existência particular da célula no conjunto do tecido não a transforma a célula particular em tecido e vice versa.

Sucede porém que a simples união da célula em tecido, órgão ou corpo confere a cada um desses agregados novas propriedades, as quais não se encontram presentes em cada célula separada mas comente nos agregados: Tecido, órgão e corpo. E conforme o tipo ou forma de união assume diferentes formas é natural que cada forma possua propriedades diversas - Assim que o corpo possua propriedades que não se acham presentes no órgão ou no tecido. 

Naturalmente que há algumas propriedades comuns a todo fenômeno vivo. Como certamente há propriedades diversas na célula, no tecido, no órgão e no corpo - Pois unidade não significa identidade. Por isso dizemos que o agregado tecido difere da unidade particular célula na medida em que apresenta atributos ou propriedades diversas. Pois só pode apresentar propriedades novas e diversas na medida em que sua estrutura difere da unidade particular.

Observe que toda essa comparação estabelecida pelos positivistas em torno de fenômenos biológicos está totalmente equivocada.

Pois o considerar o corpo humano em sua totalidade como agregado de agregados - Cujo elemento mínimo seria a célula! - não reverte a Biologia, a medicina ou a realidade em citologia. Um corpo mais desenvolvido olha, ouve e fala. O corpo ouve, fala, olha, pensa, etc por meio dos tecidos e células. Há tecido apto para ativar a audição. Posso dizer no entanto que esse tecido ouve ou que células olhem ou falem - Mesmo quando pertencentes a tecidos relacionados com a visão ou a fala posso eu dizer que tais células enxergam ou falam...  O caso é que as células não possuem sistema nervoso central... E nossos corpos o possuem... E pensam...

Percebe como sendo formado por células ou sendo um agregado de tecidos o corpo não é irredutível a células ou tecido, por possuir outras propriedades e corresponder a uma estrutura diversa. Como a medicina - a Mesma medicina que reconhece ser um corpo um agregado de células é irredutível a mera citologia...

Diante disto, o quanto podemos afirmar é que a Sociedade, a modo do corpo físico, não é uma fusão de células ou pessoas, e portanto algo essencialmente diverso dos agentes que a compõem. 

Agora se não estamos diante de um novo ente ou fenômeno, produzido por fusão, só nos resta concluir que ligação entre as pessoas, a modo da ligação entre as células, se dá por conexão ou contato. 

Essa percepção é importante porque nos impede de imaginar a Sociedade como algo a parte dos agentes que a compõem ou como um organismo essencialmente distinto deles. 

E no entanto ela, a Sociedade ou melhor as diversas Sociedades, da mais elementar a mais difusa, apresentam propriedades que não se encontram nos agentes.

Impõem-se aqui outra pergunta ou questionamento, muito comum nos compêndios de Sociologia.

A qual é posta nos seguintes termos.

Se a Sociedade ou as Sociedades apresentam propriedades com que não nos deparamos nos agentes que a compõem é justamente porque a natureza do agente e da Sociedade são distintas. 

Claro que há alguma diferença entre os agentes e a Sociedade.

Será no entanto uma diferença essencial ou ontológica, no sentido de que a Sociedade seja algo totalmente diversa dos agentes ou alguma outra coisa ou apenas um estado diverso apresentado pelos agentes.

Teríamos assim o indivíduo hipoteticamente isolado do corpo social ou num Estado pré social (Quiçá ante histórico ou primitivo!) - Veremos que o homem não social, em qualquer momento histórico, é uma ilusão - e o humano em Estado social tal como o conhecemos. 

Ocioso dizer que o 'social' precede a própria existência do fenômeno humano. Porquanto nossa espécie aparece já num contexto social ou num contexto social pré humano legado por outras espécies de primatas. 

Jamais houve Homo ou Homo Sapiens a parte de uma organização social, exceto se confundamos, maliciosamente, a Sociedade com o Estado.

O homem de Rousseau, bem se vê, é um ser imaginário, se, como se pensa ou crê, postulou a existência de indivíduos isolados ou separados uns dos outros antes de um contrato que tenha dado origem ao grupo social mais primário. Rousseau só cessa de ser perfeito idiota caso consideremos que seu contrato da origem ao Estado ou a Sociedade política...

Podemos portanto supor ou presumir que a questão sequer toque a forma ou a estrutura do conjunto ou grupo social mas apenas AO MODO E EXTENSÃO DO CONVÍVIO: As Sociedades apresentam propriedades diversas entre si e ausentes no 'indivíduo' conforme o contato seja mais íntimo ou mais extenso. 

Então não temos porque imaginar uma transformação essencial.

Nem por isso fica a Sociedade sendo irrelevante e menos ainda a Sociologia, pelo simples fato de que apresenta propriedades com as quais não nos deparamos nos humanos que tentam, em certa medida, viver a parte delas. 

A conclusão aqui já foi antecipada pelos sociologistas de Comte e também de Durkheim, este por sinal um homem de grande mérito. Tinham esses autores - Sobretudo o segundo em sua acirrada polêmica travada com Gabriel Tarde.- receio de que caso a Sociedade não formasse um ser essencialmente diverso dos seres que a compõem, reverteria a algum tipo de Psicologia, marcadamente em Psicologia social. E esse temor, mais ou menos fundamentado no século XIX, refletiu em toda essa construção, no sentido de afirmar-se que a Sociedade constituía um organismo totalmente a parte de seus agentes pessoais. 

Bom bater nessa tecla, sobre os estragos feitos pela Ideologia positivista no campo dos conhecimentos humanos ou das humanidades - Cujo valor científico e objetivo contínua sendo negado por seus janízaros até nossos dias > Mais de século após a morte de Wilhelm Dilthey (Esse gigante do Espírito!!!). O epílogo dessa invasão da psicologia pela Ideologia materialista (Sob o termo de positivismo ou ciência.) foi essa pasmaceira chamada Behaviorismo > De Watson e Skinner até G Roth  e o queridinho dos ateístas (Dalkins, Denett, etc) S Pinker. 

Certo é que a destruição ou negação da mente equivale a destruição ou suicídio da Psicologia, pela simples negação de seu objeto de estudos, que é a mente (cf Fechner, Wundt, etc). Caindo a psicologia nos domínios da Biologia e revertendo a Psiquiatria. Pois tudo no Behaviorismo conduz a Psiquiatrismo...

Outro o caso dos sociologistas, os quais sempre temeram que admitido qualquer nível de influência da pessoa não diretamente associada na 'engrenagem' social ou como se queira, nos fatos ou fenômenos sociais, ficava comprometida a própria Sociologia. 

E no entanto essa mesma pessoa capaz de interagir com o construto social e de altera-lo é ela mesma, grande parte, resultado de interações sociais e um ente social e não um indivíduo isolado, porquanto a existência de um indivíduo isolado, que nada deva ao grupo social, é um ente abstrato e ilusório. 

Perceba-se o óbvio - A Sociedade ou o grupo social plasma a condição de todos os seres humanos e todo ser humano é em parte resultado de interações sociais diretas e indiretas. Por outro lado algumas pessoas, satisfazendo certas condições sociais dadas e externas a sim, são capazes de alterar essas condições ou de interferir na dinâmica social. E é justamente essa intervenção ativa de alguns humanos que altera as estruturas sociais, as quais doutra forma sendo externas, formais e mecânicas seriam fixas, constantes e irreformáveis - A exemplo das reações físicas e químicas. A Sociedade se transforma justamente porque não é engrenagem fechada e impermeável a ação humana.

Por mais que atribuamos esta ou aquela propriedade específica aos diversos grupos sociais seria absurdo admitir que os grupos sociais possam alterar a própria dinâmica ou transformar a si mesmos, impondo novos sentidos, a parte dos agentes que lhes conferem existência. 

A Psicologia social caberá investigar o quanto o fenômeno humano recebe do corpo social. A Sociologia Pessoal como e em que condições um agente humano qualquer é capaz de alterar a dinâmica social e a Sociologia examinar as propriedades dos grupos ou fatos sociais em si mesmos bem como a estrutura dos grupos citados.

Tais as reflexões que me foram suscitadas pela leitura de Ortega Y Gasset.





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