sábado, 12 de maio de 2018

Progressos do imbecilismo contemporâneo

Como não sou partidário de um evolucionismo linear como Marx, Spencer, Comte, etc mas do um evolucionismo em 'aspiral' formulado por V G Childe, o qual considera a possibilidade de crises, recuos civilizacionais, declínios provisórios, etc não me assusto face a atual crise nem perco a esperança. Também o homem evolui ou progride enquanto tal, embora hajam crises, como a da adolescência, analisada com propriedade por Erickson. Homens e Sociedades, e Civilizações conhecem crises, mas as crises podem ser superadas, dentro de um quadro geral positivo.

A História conheceu já crises intensas - O primeiro período intermediário no Antigo Egito pós Fiops ou Pepi II, A destruição do império acadiano pelos gútios, A destruição da civilização minóica pela explosão de Santorini, a destruição da civilização Micenica pelos Dórios, O conflito entre epígonos e diádocos após a morte de Alexandre e por fim a queda do Império romano, a mais pavorosa de todas... e que pois fim a Idade Antiga.

Posteriormente repetiram-se novas e sucessivas crises, das quais a primeira foi a reforma protestante seguida pelas revoluções inglesa, francesa e russa, pela ascensão das diversas culturas de morte como o fascismo, o nazismo, o comunismo, o neo liberalismo, o anarco individualismo... pela afirmação de ideologias aberrantes como o ceticismo crasso, o relativismo, o subjetivismo, o positivismo... pelo assaque do islamismo, do pentecostalismo,do fetichismo, etc... pelo sucesso de diversas formas de alienação...

Eis onde chegamos...

A experiencialidade é contestada, o apanágio da razão ridicularizado, a Filosofia desmerecida (o ceticismo é a negação de toda Filosofia desde os tempos de Pirro de Elis cf 'Os céticos gregos' por Victor Brochard), o conhecimento científico endeusado por uns ou negado por outros, a religiosidade ética repudiada, a Ética natural ignorada, o humanismo vilipendiado, o estudo minimizado, as normas objetivas da produção artística postas de lado, o valor da vida humana relativizado, os direitos escarnecidos, a justiça apresentada como utópica, o quietismo louvado, a violência canonizada, o egoísmo promovido, o irracionalismo encarecido sob todas as formas, os preconceitos mais obscuros santificados, os extremos abraços com fervor, a cultura mal compreendida, todas as tradições desafiadas, toda mudança ou variação condenada... e por ai vai...

É como se todos os fundamentos da Civilização estalassem, ruíssem e viessem abaixo.

Diante disto, apenas para distrair-me, após ter assistido - como faço amiúde - mais um documentário arqueológico, desta vez sobre o antigo Egito, ou melhor, sobre a Esfinge, as pirâmides, os obeliscos e a origem de tais monumentos, fui, maroto que sou, espiar os Cocomentários...

Li algumas centenas, um mais medonho do que o outro e ouso reproduzir alguns:

Esse arqueólogo não sabe nada...

Um mistificador...

Charlatão...

Pirâmides são túmulos, onde já se viu???

Os antigos egípcios construíram as pirâmides, esse homem tá de brincadeira?

Como sempre ocultando os extraterrestres...

E a civilização Atlante, por que não disse nada sobre ela?

Alavancas e roldanas uma ova, aquilo só podia ser erguido mesmo com tecnologia de ponta vinda de outros planetas.

Quem não sabe que os egipcios ergueram tais pedras com o Mana ou com encantamentos?

Deveriam ter lido Sichtin.

Não me enganam porque li os deuses do Daniken

etc, etc, etc

99% dos cocomentários iram por este caminho ou linha de desracioncínio, chegando a vulgaridade e ao xingamento.

Pesquisadores de campo nada sabem... são imbecis, otários, idiotas, toscos, etc

Os comentaristas virtuais, muitos dos quais jamais puseram seus pés no Egito, na Suméria, na Grécia, na Itália ou na América central, sabem absolutamente tudo, porque leram a 'verdade' nas obras do Sichtin, do Daniken, do Churchward, do Braghine e de outros místicos e visionários que jamais provaram ou demonstraram suas opiniões ou crenças.

As pessoas repetem o que leram em livros escritos por charlatães, místicos, visionários, etc - os quais por sinal estão cheios de erros escabrosos - e negam-se peremptoriamente a aceitar pesquisas de campo ou estudos realizados seriamente profissionais!!! Para essa gente que vive repetindo baboseiras nada significa analisar a composição química de uma pedra, comparando-a com a composição química de outra, analisar a composição da terra, o fluxo das marés, o pólen, datar carbono 14, medir ossos, escavar tumbas e tempos, decifrar inscrições ou seja, realizar um trabalho verdadeiramente experimental. Elas simplesmente não compreendem o alcance disto tudo, dos materiais, dos fatos, da concretude... e dão preferência a suas crenças queridas...

E no entanto ciência história ou arqueológica não se faz com delírios, comunicações, visões, boatos, diz que me diz, etc mas com material coletado em campo e devidamente analisado.

É com fragmentos de restos de comida, pedaços de ossos, DNA, ruínas, cacos de cerâmica, etc que se faz a História real, quase sempre prosaicas para muitos...

É com fotos, gravações, satélites, etc que se faz a melhor geografia.

É com fósseis que se faz a melhor Biologia...

Não com bíblias, não com publicações sensacionalistas, não com afirmações gratuitas, não com suposições absurdas, etc

Ajuntem-se aos esotéricos ou místicos os criacionistas, os terraplanistas e os geocentristas e o 'samba do crioulo doido' estará completo!!!

Leram em seus livros sagrados, em seus almanaques, em seus manuais e esta lido; portanto não há qualquer necessidade de paleontólogos, arqueólogos, exploradores... enfim de pesquisa. Pois eles já foram, antecipadamente, informados sobre todas as coisas por meio de 'publicações'...

Talvez essas pessoas acreditem ou julguem que todo conhecimento foi ou é produzido por livros...

Quando é produzido por escavações, explorações, estudo de campo, analise de materiais, enfim de pesquisa ou de trabalho duro. Conhecimento não cai sobre a cabeça do historiador como chuva, não lhe entra nos miolos por osmose, não é produzido por mágica, mas, fruto do trabalho duro, perseverante e paciente... Tudo para que depois, um leigo arrogante e presunçoso venha questiona-lo, fundamentado não em evidências materiais, mas nas obras de Deniken, no antigo testamento ou mesmo numa comunicação espiritual ou psicografia... O cúmulo do absurdo.

O conhecimento do concreto é fruto da observação e da pesquisa de campo, os livros só servem para divulgar, jamais para produzir o conhecimento.

Ah mas o Daniken fundamentou sua interpretação em diversos monumentos. Monumentos que ele mesmo não encontrou ou escavou por não ser arqueólogo, mesmo amador como por exemplo Scheleimann ou Isidoro Falchi... Monumentos cuja autenticidade ou genuinidade ele não pode certificar por não ser arqueólogo... Por isso quando sua interpretação choca-se com a daqueles que escavaram tais monumentos ou estudaram-nos durante anos a fio, claro que fico com a interpretação destes... e não com a dele, uma vez que nada produziu de relevante ou nada encontrou. Tanto pior para um Sichtin ou para um Curchward, o qual declarou, como o fundador dos Mórmons, Joseph Smith, ter encontrado os arquivos de Shambala ou Lemúria, sem no entanto jamais os ter mostrado ou dado a público, exigindo fé...

Ora se você quer ter fé no Churchward ou no Sichtin, tenha fé, é um direito seu. Só não venha apresentar sua fé como ciência ou como algo concreto ou o que é pior ainda, exigir que tenhamos a mesma fé, negando assim o produto da experiência... Pois aqui sua atitude não se diferencia em nada da dos criacionistas com sua Torá ou seu Gênesis, da dos geocentristas ou da dos terraplanistas... Você apenas trocou de livro, mas o princípio é o mesmo: Livros, fé em livros, etc Nós temos um princípio mais seguro, o princípio concreto, da pesquisa de campo, da escavação, da análise de materiais, da tradução de inscrições deixadas pelos antigos, etc o que inspira uma confiança muito maior e induz a certeza absoluta.

Não creio na Batalha de Megiddo. Leio sua descrição nos painéis mandados gravrar por Tutmosis, o grande e estou a par das escavações realizadas no local... Não creio na Batalha de Kadesh, estou a par não apenas do relato mandado compor por Ramsés II, mas também do que fora redigido por ordem de Supililiuma, rei dos Hititas... Não se trata aqui de coisas sonhadas, ouvidas, escritas, etc mas de relatos de primeira mão confirmados por vestígios materiais.

Assim quando se diz que os antigos egipcios valeram-se de gruas, rodas, roldanas, rampas, fogo, talhadeiras de pedra e bronze, barcos, etc para extrair pedras, transplanta-las e grava-las; resultando de tais esforços as pirâmides ou a esfinge, temos elementos materiais ou vestígios que comprovam-no cabalmente; parte dos quais foram novamente testados, em nossa época, pelos arqueólogos, e com sucesso. Temos pinturas que representam tais esforços. Temos maquetes encontradas em túmulos de construtores. Temos ferramentas encontradas. Temos a análise de restos... Evidência de sobra!

Não há portanto qualquer necessidade de atribuir-se a construção de tais monumentos a atlantes ou Ets...

Basta aplicar a navalha de Ockam para deduzir que os Egípcios tudo fizeram e concluir pela genialidade de nossos ancestrais...

Fascinante é concluir que tais monumentos colossais foram feitos por homens como nós há cerca de cinquenta séculos.

Durante muito tempo acreditou-se que tais templos e túmulos haviam sido edificados a chibatadas por uma multidão de escravos. Hoje se sabe que foram edificados por uma multidão de trabalhadores livres, unidos pelo entusiasmo religioso ou pela fé... Coisa que hoje já não se sucede. Temos dificuldade para unir uma multidão colossal em nome de qualquer coisa... Portanto não podemos crer que os antigos tenham sido capazes de faze-lo, e nosso ceticismo falseia a realidade histórica e nos envenena.

A questão aqui não é encarar os incas ou os egipcios como incapazes, no sentido de que fossem culturas inferiores... É mais profunda e diz respeito a nós mesmos como espécie ou humanidade.

O homem contemporâneo, que parte de uma antropologia negativa, é cético, ao menos quanto a si mesmo e suas possibilidades. Ele não vê a si mesmo como capaz de erguer as pirâmides de Gizé ou de traçar as linhas de Nazca porque não vê a si mesmo como alguém capaz de conhecer por meio de seus sentidos, porque não encara a si mesmo como alguém capaz de raciocinar com propriedade e enfim porque não acredita em sua capacidade para atingir a perfeição ética ou moral...

Os antigos gregos, a exceção dos pirronianos, que importaram seu ceticismo ou pessimismo volitivo da antiga Índia (i é do Budismo), não tinham maiores dificuldades para admitir que os antigos egipcios haviam esculpido a grande esfinge ou construído as pirâmides e certamente encarariam as linhas de Nazca como produto natural da atividade humana. Nós no entanto fomos envenenados pela doutrina maniqueista ou agostiniana do pecado original i é da corrupção total da natureza e portanto de nossa fragilidade. Desde Agostinho a cristandade latina assentou a incapacidade ou a fragilidade humana como dogma inquestionável. E Lutero e Calvino manifestaram-se para reafirmar com mais intensidade ainda essa antropologia pessimista...

Via de regra a sociedade latina secularizou ou deixou de crer em tais tolices ou mitos desde o século XVIII. No entanto, a guize de repeti-los por mais de mil anos, lá ficaram seus resíduos envenenando a cultura... E fazendo-nos duvidar de nós mesmo, de nossa capacidade e da capacidade de nossos ancestrais. Nossos ancestrais no entanto, não duvidavam de si mesmos... E por isso, inspirados por outro tipo de antropologia - natural e positiva - construíram muralhas ciclópicas, pirâmides colossais, dolmens e menires, linhas e terraços de cultura... rivalizando uma com a outra.

Parte dessas construções atravessou os tempos e chegaram até nós. Do contrário negaríamos que tivessem sido feitas... Negar a existência dos terraços de cultura do Peru, da muralha da China ou da Esfinge não podemos. Neste caso fazer o que se estamos convencidos de nossa própria incapacidade??? Atribuí-las ou a supostos poderes sobrenaturais suscitados pela magia, como o mana... ou a civilizações imaginárias, como a Atlântida ou a Lemúria (cuja tecnologia era muito superior a nossa)... ou o que é ainda pior, a alienígenas ou extra terrestres, os quais teriam vindo de Órion ou das Pleíades e atravessado o universo com o propósito de amontoar pedras diante de nossos primitivos ancestrais, demonstrar um poder imenso e ser cultuados ou aplaudidos por eles...

Quem não vê que tais extra terrestres, supostamente tão evoluídos equivaleriam aqueles dentre nós que se embrenhassem no seio inóspito das mais distantes florestas com o objetivo de construir uns muros ou empilhas umas pedras para ser reverenciados pelos gorilas, chimpanzés ou orangotangos... Nós no entanto, mesmo sendo tão pouco evoluídos, não buscamos tão estranha glória. Neste caso por que seres tão evoluídos quanto os habitantes de Órion haveriam de busca-la, a saber, de buscar reverências e aplausos nesta nossa terra??? Chega a ser bizarro!

No entanto a humanidade prefere apegar-se a ideia absurda de um deus interventor nos moldes fetichistas, de Ets, de Atlantes, reptilianos, iluminatis, etc a admitir que nós seres humanos somos produtos de um lento processo evolutivo - certamente concebido por uma inteligência suprema - que a terra é esférica e gira em torno do Sol, que nossos ancestrais ergueram pirâmides e traçaram linhas tão colossais quando as de Nazca, etc

Talvez parte dessas pessoas acredite que uma História feita apenas por humanos numa terra esférica que gire em torno de um Sol inserido numa galáxia colossal - dentre as bilhões de galáxias que compõem este universo - seja demasiado enfadonha...

Todavia caso paremos um pouco para refletir talvez cheguemos a conclusão de que o fato da vida unicelular surgida neste planeta há alguns Bilhões de anos ter se desenvolvido a ponto de favorecer a manifestação de uma inteligência capaz de planejar e executar tão grandes projetos - Como as pirâmides, a grande muralha da China ou as linhas de Nazca (Em que pese a tecnologia disponível e o esforço necessário) seja uma dos acontecimentos mais significativos do universo. Será que negando nossa capacidade e nosso histórico evolutivo não estamos eliminando o mais fascinante de todos os mistérios, o mistério de nós mesmos??? Seja como for não acredito que os antigos egipcios ou peruanos acolheriam bem as nossas negações e o nosso ceticismo, fruto de uma mentalidade eurocêntrica ou melhor dizendo modernista, segundo a qual nossos ancestrais jamais poderiam ter feito algo melhor ou mais interessante do que nós mesmos, decadentes filhos do século XXI d C...




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