quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Fundamentos filosóficos do direito animal.






Tantos quantos acompanham nossas postagens e publicações sabem que desconfiamos da violência.

Eis porque temos insistido tanto em propor soluções políticas - institucionais e não institucionais - para os problemas que acometem a sociedade.

A paz no entanto conhece limites.

Sob pena de não ser digna.

Assim situações de extrema injustiça e de violação de direitos podem não compensar a paz.

Pois seria uma paz viciada e criminosa.

Um tipo de paz que não queremos nem desejamos.

A paz porque aspiramos é aquela cujas mãos tocam a justiça e que pela mão da justiça é tocada.

E isto nos leva fatalmente a polêmica suscitada pela invasão do Instituto Royal por certo grupo de ativistas simpático a ações violentas.

Penso que o amigo leitor já esteja a par do que aconteceu... refiro-me a libertação dos beagles.

Uma centena de cãezinhos que estavam sendo empregados como cobaias no referido instituto.

Em diversos países europeus a lei veda o uso de animais em testes ou experiências de laboratório.

Não é por acaso que a Europa foi, é e será - até que o Islan toma posse dela - o centro do mundo civilizado e a vanguarda das luzes....

Aqui no entanto, nos trópicos, como na grande República 'capetalista' do Norte tais testes são permitidos por lei.

Quando não há outra alternativa, dispõe a lei deste país, os animais podem ser torturados em nome do progresso científico, alias, algo bem ao sabor da mística positivista/cientificista.

Assiste pois ao Instituto Royal e a agremiações congêneres, o 'direito' de provocar situações de dor e sofrimento em cães, cavalos, gatos, ratos, coelhos, etc em nome da beleza... tendo em vista a fabricação de loções, sabonetes, perfumes, etc

É sem saber que a maior parte de nós bezunta-se com sangue e cheira a carniça.

Eis porque ao adentrarem no referido instituto depararam-se os jovens 'baderneiros' com uma situação calamitosa: luzes acesas (era noite e animais tem mais dificuldade para dormir com as luzes acesas), fezes espalhadas por todos os lados, animais sonolentos ou aterrorizados, mutilações, feridas e até mesmo cadáveres congelados: tudo em nome da deusa ciência e do deus mercado...

Perséfone, Erébo, terror... dir-se-ia que descemos ao mítico inferno, ao inferno animal... inferno criado não por demônios, mas por seres humanos, alguns dos quais até devem ir a cultos, missas e outros ofícios religiosos após cumprirem suas funções de carrascos...

A alguns ainda não dói a consciência: os animais não tem alma, dizem uns... é o destino do homem reinar sobre eles, dizem outros...

Tais pessoas jamais conviveram com os animais e sequer tiveram a oportunidade de ler as centenas ou milhares de pesquisas sobre comportamento animal publicadas nas últimas décadas.

Do contrário estariam todas diante do dilema de Voltaire: ou nenhum de nós (homens e animais) é imortal ou todos somos imortais... quanto a mim, como Cristão Ortodoxo, estou convencido de que a imortalidade dos animais não faz qualquer agravo a Deus...

Por outro lado a ideia de que seres meramente mortais pudessem ser impunemente torturados parece-nos vulgar, grosseira e absurda, afinal não há qualquer ilação entre os termos.

Pelo simples fato de disporem duma única existência com tanto mais serenidade dela deveriam fruir...

Deixemos porém de lado esta problemática que só é problemática para as almas mais rudes. E não para os cientistas, cuja maior parte parece dar por certa a mortalidade da alma e por falaciosa - aqui estamos de acordo - a narrativa do gênesis a respeito da soberania ou da excelência humana.

Com ou sem Deus ou alma os corajosos jovens executaram uma ação louvável e resgataram uma centena de cães daquele inferno em que jaziam sem que tivessem feito qualquer coisa errada...

Aqui a violência posta a favor da vida, da justiça, da ética, etc é digna de aplausos e encômios como dignas de aplausos foram as ações de violência implementadas por nossos antepassados abolicionistas contra a propriedade escravocrática, em que pese o amparo legal de que esta desfrutava.

Basta dizer que os abolicionistas do segundo Império eram todos foras da lei na medida em que facilitavam a fuga do elemento servil, ocultavam-no ou invadiam fazendas.

A civilização no entanto veio a mostrar quem é que estava não fora da lei mas fora da justiça e da ética: os escravocratas que serviam-se do aparato legal tendo em vista a preservação de seus interesses econômicos.

Alias é da ética e da justiça estarem postas fora da lei e submetidas a punição.

Assim a condição dos primeiros católicos sob o regime do Império Romano até a promulgação do Édito de Milão por Constantino César. Durante todo este tempo nossos nobres antepassados os mártires foram tidos em conta de criminosos e foras da lei porque opuzeram-se escravidão e as guerras e postara-se ao lado dos fracos e oprimidos.

Assim aqueles poucos heróis que opuzeram-se a abominação nazista, pois contava o nazismo com o amparo da lei enquanto submetia seres 'inferiores' como ciganos, judeus, deficientes, etc a torturas e testes em nome da ciência médica. A qual conheceu um enorme impulso por obra e graça destes algozes da humanidade como Mengele...

De fato há quem negue aos animais acesso ao direito pelo simples fato de não poderem revindica-lo.

Pura falacia.

Do contrário crianças demasiado pequenas, deficientes mentais e idosos atingidos pela decrepitude - e esta era a lógica coerente dos nazis - tampouco fariam jus a ele...

Logo fazer jus ao direito não equivale a poder revindica-lo. O direito prevalece, não caduca, mesmo quando não seja solicitado pela parte... pois nela esta enquanto elemento constituinte.

O direito esta no ser como qualquer outro atributo.

Por isso Ihering declara que aquele que sofre submisso um ato de injustiça peca contra sua própria condição.

Basta que experimentemos o desconforto da dor e que os animais o experimentem do mesmo modo para que a justiça e a injustiça sejam caracterizadas pelo elemento racional.

Imaginaram os cientificistas - geralmente submissos aos interesses do mercado - herdeiros da mística comteana, que libertos do jugo da fé poderiam executar tudo quanto quisessem e que a ciência não conheceriam quaisquer limites.

Ignorando o pensamento clássico inaugurado pelos antigos gregos eles sequer contavam com a possibilidade duma Ética puramente natural, naturalista ou filosófica...

Eis porque - declaram eles a respeito daqueles que não admitem a utilização de animais em testes de laboratório - não passamos de ignorantes em matéria de metodologia científica (leia-se biológica?!?)

Como todavia, tudo quanto seja gratuitamente afirmado pode ser gratuitamente negado diremos -  com Carl Sagan - que a maioria dos cientistas é supinamente ignorante em matéria de filosofia...

Daí a afirmação - feita pela maior parte deles - daquela ciência sem consciência tão criticada por Sócrates.

Da ciência que se vende ao racismo, da ciência que se vende a guerra, da ciência que compactua com a injustiça.... da ciência que se prostitui e se põe a serviço do mercado quando deveria por-se a serviço da promoção humana ou da vida.

Aspirando por emancipar-se de quaisquer limites torna-se a ciência não só desumana mas fria e cruel; tão fria e cruel quanto as supostas leis de mercado as quais costuma servir.

Não constitui pois vergonha alguma para a Filosofia ter servido a teologia como criada durante toda idade Média se em pleno século XXI a ciência ainda se presta ao papel desengonçado de serviçal da economia.

Manifestemos agora e revelemos toda miséria contida no argumento dos cientificistas:

Testes com animais são necessários ao progresso científico.

Caso não façamos tais testes remédios, tratamentos, terapias, etc levarão mais tempo para serem descobertos.

Logo tais testes são lícitos.

São lícitos porque necessários.

É a lógica de Maquiavel: os fins justificam os meios...

No entanto caso - a exemplo dos nazistas - fizessemos testes com seres humanos os mesmos medicamentos e terapias levariam bem menos tempo para serem descobertos...

Logo...

Empreguemos seres humanos em testes de laboratórios. Pois é necessário, logo lícito...

Aqui atalha nosso cientista (via de regra incrédulo ou mesmo materialista ou ateu): Tal não é possível por uma questão DE ÉTICA...

???

Mas que questão de ética se cientificamente falando o homem não pode ser considerado superior a qualquer forma de vida???

Que Ética é esta e em que se baseia???

Que os fanáticos religiosos construam uma ética da diferença ou da superioridade humana baseado em seus mitos e fábulas compreende-se muito bem...

Que os cientistas endossem este tipo de ética implica clamoroso absurdo.

Pois para a ciência todas as formas de vida são iguais e o homem um animal como outro qualquer.

Portanto não se trata duma questão de ética ou de justiça mas muito pelo contrário trata-se duma questão de vontade e interesse; puro e simples pragmatismo oportunista.

Fazemos testes com animais porque podemos ou seja porque somos mais poderosos do que eles, o que nos remete ao super homem de Nietzsche... fazemos testes com animais porque é conveniente ou porque queremos.

Então se trata apenas de querer e de poder.

Aqui devemos pontuar e declarar que o querer e o poder não constituem bom fundamento para a ética.

Pois justificariam todas as taras e crimes perpetrados pela espécie humana como já justificou a escravidão, as inquisições, as guerras e os campos de concentração.

Os poderosos quiseram, promulgaram as leis, decretaram o que era necessário... e milhões de milhões perderam suas vidas.

Já aludimos aqueles que não gostam de coelhos ou de ratos...

Advertindo que o gosto não pode ser encarado como critério de justiça ou fundamento ético.

Do contrário cada um de nós poderia torturar seus desafetos, seus parentes e vizinhos tal e qual o instituto royal fez com os beagles.

Não se trata de gostar ou não gostar de cães ou de gatos, de poder ou de querer... mas de questionar se a ação de submete-los aos tais testes é justa ou injusta, nem mais nem menos.

Pois a justiça - e não o querer ou o poder - é que deve servir de base a República que aspiramos por construir.

O critério do querer, do poder ou das razões de estado bem serviram a um Diocleciano, a um Gengis Kan, a um Tamerlão, a um Luis XIV, a um Hitler ou a um Bush; segundo as teorias estatólatras de Lutero, Maquiavel, Bossuet, Kelsen, e doutros tantos lacaios de tiranos.

Uma vez que ser vivo algum, aspira pela dor ou pelo desconforto e que os animais sentem-se internamente molestados por tais testes devemos considerar que sob alegação alguma seja lícito emprega-los como cobaias em tais testes e que tal prática constitua crime e mereça punição.

Admitido que os cientistas e empresários prevalecessem-se dos animais porque não são capazes de se defender é perfeitamente legítimo concluir que torturariam crianças caso tal não fosse vedado por lei.

Portanto se o progresso científico tiver de ser retardado pelas exigências da ética e da justiça que o seja.

Ou lancemos a ética para longe de nossas vistas e corações e tornemos ao nazismo.

Se não há meios que sejam justos ou moralmente lícitos é tarefa da ciência descobri-los.

Temo que na Era de tecnologia os animais continuem a ser imolados nos altares da ciência por pura e simples questão de economia ou de contenção de gastos e maximação de lucros. Na medida em que os empresários não estão convencidos de que esta na hora de investir tendo em vista a obtenção de outros tipos de solução...

O papel da sociedade é justamente este: de convencer os empresários e seus lacaios cientificistas a respeito da injustiça embutida em seus argumentos... e de que não esta mais disposta a tolerar tais crimes.

É necessário recorrer a militância e ao engajamento político tendo em vista a revogação da lei iniqua que autoriza os laboratórios a seviciar animais. Mas também é necessário recorrer a ações concretas tendo em vista a libertação das vítimas, mesmo que sejam violentas, pois trata-se da vida e da dignidade; bens que não podem ser agravados sob quaisquer pretextos.

Com ou sem o apoio da lei é necessário implementar a libertação animal.

Só assim honraremos as memórias de nossos nobres ancestrais que combateram pela liberdade contra a chaga da escravidão.

Uma excelente estratégia é exigir que o rótulo de cada produto especifique se o laboratório ou empresa em questão emprega animais em testes e dar preferência as marcas que não torturam animais.

Nos meios virtuais de comunicação já se dispõe de algum material nesse sentido.

Informe seus amigos virtuais, conscientize, oriente...

Pois todas as vezes que adquirimos um produto ecologicamente incorreto estamos patrocinando o desmatamento, a poluição, o sofrimento animal; e nos tornando co responsáveis pela barbaria.

Quanto aqueles que comparam tais testes com a morte dos bois cuja carne consumimos é necessário dizer que atualmente a maior parte dos frigoríficos adotou o abate humanitário. Isto que dizer que os animais sãop mortos quase que instantaneamente com uma pancada na cabeça e não sangrados, cortados vivos ou torturados até a morte...

Outro é o caso dos animais que são mantidos vivos por meses ou até anos nos laboratórios e sucessivamente submetidos a diversos testes de natureza dolorosa. Neste caso é de supor que preferissem a morte como qualquer um de nós ou que recorressem ao suicídio caso fosse possível.










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