Então vamos ao texto:
Que jeito posso dar Nisso?
Prefácio I e II
O QUARTO DO OESTE
Aprox. 1609-1661
Chin foi um grande comentador da peça Wang Shihfu, O QUARTO DO OESTE. Figurou entre os primeiros a considerarem a ficção e o drama como literatura em pé de igualdade com os clássicos. Os dois prefácios que escreveu intitulavam-se "Lamentação pelos Antigos" e "Um Presente para a Posteridade". Tentei conservar a deliberada repetição de certas frases como uma característica do estilo de Chin.
I
Alguém talvez me pergunte por que motivo resolvi fazer um comentário sobre o QUARTO DO OESTE e publicá-lo. Posso dizer apenas: "Nem eu mesmo sei bem. simplesmente, tive de fazê-lo".
Eras se passaram desde que a vida principiou no universo, e meses e anos sibilaram e se desvaneceram como o fulgurar de um relâmpago ou nuvens a se dissolverem, a passagem de um furacão ou o fluir das águas Neste mês e ano, há este eu temporário que, também, passará como o fulgurar de um relâmpago ou nuvens a se dissolverem a passagem de um furacão ou o fluir das águas. Contudo, e afortunadamente, aqui está para o presente este eu, o que suscita a pergunta: Como vai este eu presente empregar o seu tempo? Pensei em fazer alguma coisa, mas ocorreu-me também o pensamento de que não sei se serei capaz de fazê-la e, mesmo que a faça, essa alguma coisa que eu tiver realizado também passará como o fulgurar de um relâmpago ou nuvens a se dissolverem, a passagem de um furacão ou o fluir das águas. Ora, se desejo fazer alguma coisa e sei de antemão que aquilo que fizer passará, não será inútil, então, o que eu fizer? Chegamos, assim, ao desesperançado dilema entre o desejo de que o eu presente faça alguma coisa e o conhecimento de que aquilo que eu fizer passará daqui a pouco. Na verdade, que jeito posso dar nisso?
Não sabiam disso também os antigos? Incontáveis pessoas de antigamente estiveram de pé ou se sentaram neste lugar em que estou e pé ou sentado, agora. Não sabiam, secretamente, que um dia partiriam e alguém aqui estaria para tomar seu lugar? Sabiam que não podiam dar jeito nisso, aceitaram-no e ficaram quietas.
Não posso, em razão disso, evitar um sentimento de insatisfação para com a levianidade do universo. Nunca pedi para vir a esta vida. Deveria ter sido trazido a esta vida para viver eternamente, ou não ser trazido de modo algum. Não houve razão para que eu viesse a esta vida. Não houve para que aquilo que veio a esta vida se tornasse este eu, e não há razão para que o eu que veio a esta vida não seja feito para viver eternamente, sendo além do mais dotado de sentimento e consciência para lastimá-lo. Ai! Não sei onde vivem os imortais nem se podem retornar à vida. Mas, mesmo se eu soubesse onde vivem, ainda que pudessem retornar à vida, não se juntariam a mim nesta lamentação pelo universo?
Tenho suspeitas de que os antigos sabiam disso; mais ainda, sendo mais inteligentes do que eu, sabiam que o universo não era realmente leviano mas, também, não podia o universo dar jeito algum nisso. Realmente, se não tivesse de haver vida, não haveria este universo; como, porém, há este universo, tem de haver vida. Isto é perfeitamente verdadeiro, mas seria injusto dizer que, visto o universo dar vida, teve ele, conseqüentemente, a decisão de trazer à vida este eu particular. É que o universo simplesmente dá vida a toda a criação, desconhecendo quem ou o que o criou, e as criaturas não podem conhecer quem ou o que cada uma é. Se houver certeza de ser eu aquilo que hoje vive, então é igualmente certo que aquilo que nascerá amanhã será não-eu. Ao mesmo tempo, o não-eu que nascerá amanhã considerar-se-á como verdadeiramente eu. Isto confundiria o próprio universo, e não podemos saber de quem é a culpa.
Ora, se o universo não me trouxe deliberadamente à vida, mas deu vida a algo que acontece ser eu, então tudo quanto posso fazer será apenas caminhar para diante. Visto como o universo nunca premeditou dar à vida a este eu, então tudo quanto este eu poderá fazer será deixar que tudo passe como o fulgurar de um relâmpago ou nuvens a se dissolverem, a passagem de um furacão ou o fluir das águas. E como nada podemos fazer a respeito de nossa vinda e partida, também nada é possível fazer a respeito deste breve intervalo em que o eu temporário existe, exceto encontrar diversões temporárias para ocupar o tempo, quando for difícil achar diversões autênticas...
Então, pensa-se assim: é bem verdade que o que nasceu antes de mim era não-eu e o que nascerá depois de mim será também não-eu. Portanto, o que existe agora e é considerado como eu pode não ser realmente eu. Se o que é eu não é realmente eu, então não devo incomodar-me em imaginar que jeito dar nisso, mas não há igualmente razão para que não imagine que jeito dar nisso. É ainda possível esperar que este eu seja real e, portanto, não estarei a perder seu tempo. Por outro lado, sabendo-se que o eu não é realmente eu, por que não deixá-lo perder tempo e perdê-lo completamente? Nesse caso, é o não-eu que perde o seu próprio tempo, e não o eu quem o perde. Pode-se ainda perder o tempo de modo mais completo pensando que esse tempo não deve ser perdido, mas cuidadosamente aprestado e utilizado para alguma boa finalidade. Mas, mesmo assim, pode ser o não-eu quem venha a perder completamente o seu próprio tempo pensando em não o perder. Pode-se ir ao ponto de concentrar as energias para criar algo que valha a pena e que possa durar para a eternidade, perdendo assim completamente o tempo completamente perdido. Contudo, a perda completa do tempo completamente perdido será realizada pelo não-eu, e não por mim. Se assim é, pode-se muito bem, igualmente, deixar-me perder o tempo do não-eu. Posso malbaratar as energias do não-eu para eu próprio prazer. Posso olhar para a mão esquerda do não-eu como sendo a minha mão esquerda e bater na barriga do não-eu, ou olhar a mão direita do não-eu como sendo a minha mão direita e coçar com o dedo a barba do não eu...