Acabo de ler o primeiro artigo de Kirk, o qual é dado por muitos como Católico e assim acatado. Claro que tenho de critica-lo sob o ponto de vista do Catolicismo, o qual possui uma Ética encarnada, e assim uma doutrina social bastante exata. Por isso antes de ler o dito artigo examinei o 'índice onomástico' ( Í Remissivo p 474) da Política da prudência 2014. Se Kirk foi de fato Católico é para espantar seu desprezo pelos autores autenticamente Católicos - Crane Brinton, Hugues, A Weber... dentre outros, alistam mais referências Católicas do que ele... Nem sequer uma menção a Leão XIII. Total ausência dos Antigos Padres, dos escolásticos - como Aquino - dos prolíficos salmanticenses - assim Suarez - e obviamente dos Católicos sociais... Afinal tudo aqui inspira ideais e princípios que parte do Sagrado, aos quais o sr Kirk fará uma série de apelações artificiosas e inconsistentes.
Mas antes que me esqueça deixem-me apresentar-me. Não sou conservador porque não aprecio o termo relativo e indefinido 'conservador'. Sou daqueles paradoxais 'revolucionários reacionários' descritos por Nisbet ou daqueles que querem mudar radicalmente a sociedade atual ou contemporânea, ocidental, americanizante e americanizada, tomando por base não um futuro hipotético, fantasioso e imaginário, mas o passado, inda que não seja necessariamente tradicional. Pois também as tradições, como tudo que é humano. deve ser criticada, seja por parte da fé, da razão ou da ética, que é um tipo ideal. Gosto portanto de apresentar-me como um reacionário, aos modos lúcidos de um N Berdiaeff, o qual me parece muito mais prudente e profundo do que Burke, ao apresentar a Revolução francesa e todas as outras que a ela se seguiram como efeitos de um processo social degenerativo por assim dizer crônico e fatal, o qual devemos evitar a longo prazo ou sofrer pacientemente, mantendo-se numa justa neutralidade.
Aqui o gênio russo ou latino depurado daquele idealismo alemão assumido por não poucos ingleses e N americanos, o qual pressupunha, leviana ou ingenuamente serem as Revoluções causadas pelo poder extraordinário de algum ou de alguns indivíduos desordeiros. Enquanto refletem sempre, seríssimos problemas sociais, captados e explorados por tais inteligências. Doutro modo, numa Sociedade bem constituída e sadia os esforços de tais inteligencias seriam totalmente inócuos. As sementes da Revolução só germinam em solo propício, no bojo de.sérias patologias sociais. Eis o que Berdiaeff percebeu.
Então Revoluções pedem contra revoluções antecipadas, ou profilaxia. Podem ser evitadas por meios de sábias reformas, jamais debeladas a posteriori e as contra revoluções caturras, suscitadas por tradicionalistas ou conservadores impenitentes sempre estarão fadadas ao fracasso e a ruína. Há coisas que merecem ser conservadas indefinidamente. Não tudo...
Vejam Burke, fala, fala e fala... escreve, escreve e escreve contra a malsinada Revolução francesa. A qual deseja bloquear ou paralisar utopicamente. Ora nós que ainda respiramos os ares sãos da contra reforma e da medievalidade pura e sem mistura, incontaminada... sabemos que o buraco é bem mais embaixo que a Rev francesa já havia sido posta em marcha pelo liberalismo econômico ou fisiocraticismo, bem como pela o nova ordem absolutista, a qual em comunhão com a burguesia, havia iniciado a dissolução da ordem precedente. Que dizer então da reforma?
Mesmo sem endossar as teses radicais de Gaxotte e do Pe Delassus temos de declarar que ao menos quanto os métodos jacobinos ou violentos, todas as Revs ulteriores reportam a Reforma protestante. Nem é menos verdade que da subversão da ordem espiritual vigente, os campônios anabatistas do Sul da Alemanha deduziram certas reformas ou transformações sociais, incoerentemente descartadas por Martinho Lutero. A petição no entanto ali ficou... Enquanto a curiosa reforma cai nos braços do estado vindo, em todas as partes a fomentar o absolutismo e o capitalismo. Desde então, ficou a antiga Sociedade - das comunidades - inexoravelmente condenada a uma morte lenta. Desgastaram-na-a, tanto na França quanto na Inglaterra o absolutismo centralizador e o mercado em ascenção. Destarte, quando desabou a rev francesa havia apenas uma espécie de casca ou de aparência do passado, envolvendo entidades mortas ou moribundas. A Rev francesa limitou-se a empurrar um cadáver a sepultura ou a derrubar uma palhoça desprovida de fundamentos. O trabalho de demolição já havia sido feito por três fatores organicamente relacionados e conjugados: A reforma, o absolutismo/nacionalismo e o capitalismo emergente.
Sendo assim, se nos devemos situar antes dessa Reforma, conservar o que? O protestantismo? Os nacionalismos? O Capitalismo? Este caos de culturas de morte? A troco de que?
Observe-se então, quanto ao conservadorismo, o mesmo que Kirk aplica a Ideologia. É um vocábulo ambiguo, relativo e insuficiente... Pois o objeto da conservação deve ser sempre situado no tempo e no espaço? Que modelo social você deseja conservar? O atual ou o de hoje? Então esta vinculado aqueles fenômenos que levaram a Rev Francesa que você condena: Protestantismo, Absolutismo/nacionalismo e Capitalismo... Se é isto que quer conservar como deplorar a Rev francesa e fugir a uma Rev comunista ou anarquista? Acha que pode brincar com tais forças ou parar levianamente o fluxo? Os girondinos tentaram e falharam...
Na atual sociedade degenerada, fruto do protestantismo, do nacionalismo e do capitalismo em comunhão com o ateísmo, o fanatismo, o ceticismo, o relativismo, o subjetivismo, etc não vejo nada muito digno de ser conservado e legado a posteridade. Somos decadência ou fim, como suspeitavam Spengler, Huizinga, Toynbee, etc mas temos em nossa experiencialidade história, anti corpos e vacinas.
Temos de varrer este mundo pela base e retroceder a Reforma com seu veneno individualista. Temos de retroceder o nacionalismo totalitário e o capitalismo acima de tudo. E não nos podemos enganar. Então temos de ser anti conservadores, temos de ser reacionários. Mesmo quando afirmamos o liberalismo político ou o progressismo em matéria de costumes e sexualidade, reporta-mo-nos a Grécia ou ao Evangelho e nossas fontes do futuro estão lá no passado.
Por isso não podemos caminha com Kirk e com suas ideologias subjacentes.
Antes de tudo a primeira delas - O prudencialismo, enquanto simples pragmatismo derivado da tradição ou do que chamamos senso comum. Em oposição a uma reflexão ou planejamento racional... Kirk ao escudar-se no pragmatismo de James, toma por protetor um filho do ceticismo, assim duas ideologias nada saudáveis. Como Gray e todos os outros ele desconfia do aparato racional... Como Hayek aproxima-se de Kant ou mesmo de Hume... Atira-se a corrente do irracionalismo e só enxerga um concorrente digno: A religião... Não o Catolicismo, encarnado e na posse de um certo sentido imanente. Por via de Agostinho talvez nosso homem encontra o luteranismo, relacionando a salvação com a graça, mas omitindo as obras, conforme já assinalado com propriedade por Maritain e Mellawace numa perspectiva social. Chega assim a Plotino e a um falso Cristianismo, desvinculado do mundo material e sensível e que só se realiza no céu ou no além. Como o espírito descarnado do protestantismo, Kirk e seus guias, seguem na contra mão da encarnação ou de uma fé ética, que inspira as relações sociais e penetra a atividade política.
Kirk não deseja transformações, que correspondam a uma categoria ideal, que nos possibilite a criticar o real ou o existente e buscar transforma-lo. Conforma-se com o mundo real ou existente e destarte retoma a postura dos céticos como Pirro ou dos positivistas pós Litreé... O mundo deve ser aceito tal qual nos foi dado, conservado e não eticamente aprimorado. Do ponto de vista Católico temos um supremo absurdo. Pois. Em certo sentido, não draconiano ou jacobino, foi o Cristianismo primitivo uma colossal revolução face a uma cultura antiga e tradicional, escravista acima de tudo, mas também machista, infanticida e desumana. O humanismo divino com que o Catolicismo reforçara o socratismo fora para muitos uma novidade preocupante e os pensadores neo platônicos dos primeiros séculos não cessavam de denunciar essa preocupação 'patológica' com o próximo, este sentido social, este culto concreto ao amor e a justiça.
No entanto os vícios do paganismo reverteram. De modo que o Catolicismo Ortodoxo jamais encerrou sua missão a um tempo ética e social em torno de ideias ou conceitos essenciais como a fraternidade, a justiça e a liberdade, os quais encara como princípios éticos inegociáveis.
Digo mais e digo honestamente a Kirk e seus seguidores - Se o Catolicismo a um tempo conformou-se com as mazelas deste mundo, traiu a si mesmo e deixou de consumar sua missão social é absolutamente natural que outros a tenham assumido, inda que não fosse com a mesma pureza. Quem abrir os Evangelhos e le-lo tornar-se-a reformador do mundo, seja aos modos de um Marx ou de um Bakhunin, aos modos de um Kropotkin ou de um Tolstoi. Podemos e devemos criticar certos métodos apenas se buscamos fazer algo.
Por isso não posso compreender o derrotismo ou comodismo de um T S Elliot. A da-lo por epifenômeno psicológico não posso de modo algum da-lo por Católico. O Católico tem sim esperança para este mundo, posto que foi materialmente assumido pelo Verbo através do mistério da Encarnação. E tem sobretudo tem firme esperança neste homem corrigido, santificado e aperfeiçoado por uma graça capacitante.Nossa noção de graça não é a de Lutero, graça formal, exterior e frágil, mas de uma graça que vivifica o coração e torna poderosa a boa vontade. Sequer nos é dado sofrer e chorar com Bernanos, mas lutar e combater com S Basílio, Camilo, João de Deus, Cotolengo, Ozanam, Meignam, De Munn, Keteller, S Weil, Mother Jones, etc com toda esta constelação de heróis ignorada por T S Elliot ou Kirk, os quais não se conformaram com a realidade dada ou pré fabricada.
Onde há opressão, crueldade, injustiça, maldade, intolerância, etc há algo a ser feito. Há trabalho para o Cristão engajado, filho da Ética ou do Evangelho. Dado que o agostinianismo triunfante ou o protestantismo por muito tempo aluiu este ideal Cristão de combate, desviando o Catolicismo defensivo para os domínios da verdade puramente intelectual ou do além, produziu as condições necessárias para que a realidade social se tornasse ainda mais distante dos ideais sagrados. O que suscitou, a falta ou insuficiência de uma reação autenticamente Cristã, uma reação Naturalista, resíduo de uma Ética Crista desfigurada ou naturalizada e
associada a métodos violentos e virulentos. Kirk parece admirar-se ou melindrar-se desta reação secularizada, mas inspirada numa ética Cristã. E em tempo algum se pergunta a respeito de ideais e princípios éticos, no acesso da via racional ou metafísica.
Social ou culturalmente a fé foi sucedida pela razão ou pela metafísica e esta enfim - após Kant - foi sucedida pelo empirismo cientificista pela percepção enfim, até chegarmos ao nihilismo i é a fase em que fé, razão e ciência foram simultaneamente descartadas, devendo o homem, mais do que nunca conformar-se com o dado ou o prosaico. Durante todo este curso os homens situara a fonte da ética no que tinham por estável e os que admitiam, com Sócrates, Platão e Aristóteles, o poder da razão, fizeram dela um padrão de Ética, a um tempo naturalista e a outro essencialista. Gray teve de admitir que o 'erro' ou a busca pela unidade principiará não com a Revelação Cristã ou com a fé, mas com a racionalidade helênica, o que já havia sido enunciado por Alfred Weber. Não se trata apenas de uma secularização do Cristianismo - claro que esta se faz presente em grande número de casos - mas também de nossa herança grega ou clássica. Nietzsche não estava errado ao relacionar Jesus com Sócrates, tampouco Ayn Rand.
Diante disto é perfeitamente compreensível que após a crise da fé e decadência do padrão revelado, tenha a Ética ocidental mergulhado em suas raízes mais remotas i é racionais. Daqui, procede Kirk, procede um sectarismo de fundo místico ou religioso. Também, diremos nós, da Filosofia ou da Ética gregas surgiram diversas escolas rivais, e polêmicas, e debates e discussões sem fim. Mas alguns, a partir de Sorel, tem apelado conscientemente a violência, mesmo a virulência e a crueldade. No entanto existem diversas formas de violência e de crueldade que não fazem verter sangue e estão presentes em todos os tipos de sociedade. A Revolução deles sofre abusos? Que instituição divina ou humana não os sofre. Aspiram transforma a História por outros meios que a educação/formação... Bem isto remonta a Reforma que quase todos aplaudem, bem como a Revolução inglesa, que não foi feita com flores. Ademais por que raios teria o bom Burke aplaudido a Rev Inglesa, levada a cabo por Burgueses contra o episcopado anglicano - denodado defensor das tradições - e vaiado a francesa??? Teria aquela sido feita com flores?
Enfim Kirk parece não perceber que apelar a tradição é ideologia, como o pragmatismo, o ceticismo, o o conformismo, o positivismo... Quer conciliações fáceis, porque lhe faltam princípios sólidos fornecidos pela razão ou mesmo pela fé. Parece confundir propositadamente convicções e discordância com sectarismo. Afeta-o que alguns tentem reformar ou aprimorar as formas sociais através do político??? Terão de ser alteradas por remota inspiração religiosa ou pela educação... Mas se fogem a reformações episódicas como haverão de conjurar os movimentos radicais? O ocultando os problemas ou fingindo que não existem? Feliz o doente que reconhece seu estado e corre ao médico... A pior farsa é a de uma sociedade imutável e fixa. Nem mesmo o antigo Egito ou a antiga China vivenciaram semelhante estado de coisas. Há coisas que devam ser conservadas? Certamente há, ao menos na esfera dos princípios e valores de que emanam os direitos essenciais da pessoa, assim a liberdade, a dignidade e a justiça... Há um progressivismo iconoclasta e indesejável, filho do mesmo relativismo oco? Como nega-lo?
Adotemos portanto, em todos estes nichos, uma via média inspirada numa Ética religiosa ou na Ética essencial da pessoa - inda que naturalmente deduzida - e busquemos aplica-la recorrendo ao elemento comum da razão. Este posicionamento nos conduzirá a um são liberalismo político, a afirmação dos direitos fundamentais da pessoa e a busca pela justiça nos domínios sociais. Ora, nenhuma destas perspectivas: liberdade, policracia, afirmação de direitos, o culto da justiça, a busca por uma paz digna nos afastará de nosso passado mas nos reconciliará em parte com a Idade Média mas sobretudo com a tradição divina i é com a antiguidade Cristã. Destarte não nos alinharemos com Comunistas ou Capitalistas, nem mesmos com os Conservadores ou Anarquistas, mas daremos com soluções próprias, com soluções Católicas, o que Kirk jamais encontrou ou foi capaz de formular, beliscando em prato protestante e devorando migalhas.
Os católicos, inspirados, não determinados ou dominados, por elementos de uma fé revelada e fecundada pelo elemento natural da razão, construirão suas soluções, não se alinharão e nem sempre serão instrumentos manipulados pelo liberalismo econômico, pelo conservadorismo acrítico ou pelo comunismo. Temos de ter visão própria. E de criar cultura própria ou de resgata-la, encarando nosso passado multi secular.
Eis o que tenho a dizer sobre Russel Kirk - Não lhe faltam ideologias subjacentes, as quais nada teem de Católicas, e ele, como tantos outros parece flertar com elementos de origem protestante e assimilar certa dose de veneno americanista.