No último domingo fui à favela visitar um parente idoso, mas não é sobre isso que vou discorrer, mas sobre os problemas do lugar.
A favela é produto humano, para ser mais preciso é um produto das relações econômicas, das injustas relações econômicas, é um lugar mas não é um lugar natural assim como a área nobre de uma cidade também não é, ambos os lugares foram transformados pelo ser humano através das relações de produção, trata-se então de uma segunda natureza.
Mas como as relações de produção capitalista podem criar lugares assim? Simples, através da exploração econômica, quando o homem se torna o lobo de outro homem, homo homini lupus. Os operários, os trabalhadores em geral recebem salários baixos por causa da mais-valia. Os trabalhadores trabalham mais tempo ou produzem mais sem que haja aumento no salário. Com salários baixos eles podem apenas sobreviver com o básico para continuarem trabalhando para seus patrões. É evidente que os salários dos trabalhadores pouco qualificados são baixos porque existe muita mão de obra para poucos empregos e aí surge a lei da oferta e da procura, excesso de mão de obra, muita gente querendo trabalhar e não há empregos para todos, claro que isso agrada aos patrões que podem ditar o valor do salário a ser recebido por seus
Se as pessoas mal remuneradas e desempregadas mal podem se alimentar, mal podem se vestir como poderão ter casas? Como poderão pagar aluguéis? Por não conseguir pagar aluguéis acabam por invadir os mangues, terrenos abandonados, etc... Não porque gostem disso, mas porque precisam sobreviver. Esse grupo de trabalhadores, desempregados e marginalizados vão para esses lugares e aí começam as favelas: barracos amontoados uns em cima de outros, palafitas e toda sorte de construções precárias sem quaisquer mínimas infra-estruturas, com os famosos gatos e a total desasistência do Estado que muitas vezes não garante sequer o saneamento básico.
Esses lugares são verdadeiros infernos, onde faltam muitas coisas. Não há privacidade, não há segurança, pode ocorrer um incêndio, uma ripa apodrece e a ponte fica instável com o risco de quebrar. Triste não? Esses lugares produzem seres humanos brutalizados, fracos, doentes físicos e mentais, revoltados, analfabetos ou gente de baixa instrução, daí Marx dizer com certa razão que "não é a consciência dos homens que determina sua existência, mas é a sua existência social que determina sua consciência". (Teses sobre Feuerbach) Evidente que não podemos ser deterministas, por isso, acredito que seja um condicionamento e não necessariamente um determinismo econômico, mas é o que ocorre de fato.
Quem mora na favela tem que ter muita esperança ou muito desespero, quem tem muita esperança se apega à fé cega e ingressa numa igreja milagreira que satisfaça suas aspirações, que entorpeça essa gente pobre e a faça esquecer por um momento sua realidade. Daí que nas favelas abundam seitas pentecostais para todos os gostos, uma em frente da outra, uma ao lado da outra, em cada esquina e por toda a favela. No meio da favela não há centros espíritas, pois essa religião não é milagreira e só pessoas com certo nível intelectual são capazes ade assimilar sua doutrina. Também não se encontram capelas católicas romanas, até porque não temos mais padres operários e a igreja romana (com poucas exceções) não conta com padres e leigos interessados em ajudar os favelados. Então os favelados se apegam à fé cega na esperança de que servindo Jeová dos exércitos, este lhes faça mercês: dando empregos, oportunidades, melhores salários, pois como diz um versículo bíblico, (infelizmente muito mal interpretado) Deus é fiel! Sim, esta parcela de moradores das favelas tem que se apegar a Deus e aos milagres, pois é só com isso que podem contar, pois eles não tem acesso à saúde, à educação e nem à segurança, então sua fé nas seitas neopentecostais faz às vezes do Estado. Por outro lado, quem não tem esperança, tem desespero e o desespero faz com que essa outra parcela dos moradores das favelas entrem para o mundo do crime, porque no fundo, eles sabem que sem estudo e no lugar onde moram nunca serão ninguém, então porque se iludir se a realidade não vai mudar? É aí que passam a ser revoltar com suas condições, ter ódio e considerar as pessoas como objetos descartáveis, daí, não custa muito pegar um revólver e matar alguém por uns míseros reais. Consideram as pessoas como lixo, porque a sociedade lhes ensinou isso, pois sempre foram tratados como lixo e o que eles fazem outra coisa não é do que reproduzir a ideologia da sociedade capitalista: o importante não é ser mas ter.
Não é fácil encarar a realidade num lugar que cheira mal, as ruas não são asfaltadas, os barracos caem aos pedaços e você tem ao redor pessoas feias, feias sim, porque maltratadas e maltratadas porque não tem dinheiro para se vestir bem e cuidar da aparência. Talvez seja por isso, que muitos jovens usem drogas nas favelas para tentar fugir de suas tristes realidades.
Os comunistas costumam dizer que essas pessoas são imediatistas e não tem uma visão para o futuro, isso quando não dizem que os favelados desempregados, traficantes, bandidos, prostitutas são o lupemproletariado. Mas ajudar que é bom, nada. São ótimos críticos e talvez ótimos leitores de Marx e nada mais.
Os padres e fiéis romanos reacionários dizem que eles tem que se conformar com a vida porque essa é a "vontade de Deus" que ele assim estabeleceu "em sua sabedoria", que nós "não podemos entender seus desígnios" e que "a revolta é contra Deus e se continuar nessa revolta depois da morte ainda vai queimar no inferno, mas caso se resigne Deus lhe dará um prêmio imorredouro".
Os ateus liberais e "humanistas" que são a favor do aborto em nome da humanidade, pouco ou nada se preocupam com os favelados, se acham muito confortáveis em seu ateísmo de classe média b, e geralmente criticam essa religiosidade doentia dos favelados, criticam o efeito mas não abordam à causa. Queria ver se esses ateus conseguiriam viver em seu racionalismo dentro de uma favela sem ter uma perspectiva de vida, sem um amanhã melhor... ou se cometeriam suicídio, pois se Deus não existe e a situação não vai melhorar para que prolongar a dor da existência? Ora, o problema dessa fé cega é um só: a ausência do Estado. Então ao invés de ensinar pessoas como essas que Deus não existe, deveriam ajudar a erradicar as favelas, lutando por uma justa distribuição de renda.
Os políticos se aproveitam dos favelados para darem cestas básicas, materiais de construção, camisas de futebol para times de várzeas e outras quinquilharias, sempre nos anos eleitoreiros, e claro esse povo vota neles, porque ao menos eles "fizeram alguma coisa".
Uma última questão, uma vez que me estendi mais do que devia neste texto, por que as favelas geralmente são longe dos centros urbanos? Para que eles (os favelados) "não contaminem" a "boa sociedade", para que sua realidade não seja conhecida, e para que não tenham como reivindicar seus direitos nas câmaras e prefeituras.
A favela é fruto do capitalismo, do egoísmo e das desigualdades, se alguém diz o contrário que prove ao invés de mergulhar em delírios idealistas que não explicam a realidade.