sexta-feira, 30 de março de 2012

Visita à favela e considerações sociológicas




No último domingo fui à favela visitar um parente idoso, mas não é sobre isso que vou discorrer, mas sobre os problemas do lugar.

A favela é produto humano, para ser mais preciso é um produto das relações econômicas, das injustas relações econômicas, é um lugar mas não é um lugar natural assim como a área nobre de uma cidade também não é, ambos os lugares foram transformados pelo ser humano através das relações de produção, trata-se então de uma segunda natureza.

Mas como as relações de produção capitalista podem criar lugares assim? Simples, através da exploração econômica, quando o homem se torna o lobo de outro homem, homo homini lupus. Os operários, os trabalhadores em geral recebem salários baixos por causa da mais-valia. Os trabalhadores trabalham mais tempo ou produzem mais sem que haja aumento no salário. Com salários baixos eles podem apenas sobreviver com o básico para continuarem trabalhando para seus patrões. É evidente que os salários dos trabalhadores pouco qualificados são baixos porque existe muita mão de obra para poucos empregos e aí surge a lei da oferta e da procura, excesso de mão de obra, muita gente querendo trabalhar e não há empregos para todos, claro que isso agrada aos patrões que podem ditar o valor do salário a ser recebido por seus escravos empregados e quando existe um excedente de mão de obra que fica desempregada chamamos esse excedente de exército industrial de reserva. Essa gente que recebe salários indignos pode apenas sobreviver, os desempregados tem que arrumar subempregos, os famosos "bicos", sobreviver dos benefícios como o bolsa família ou entrar para o serviço do Estado paralelo, isto é, o tráfico de entorpecentes.

Se as pessoas mal remuneradas e desempregadas mal podem se alimentar, mal podem se vestir como poderão ter casas? Como poderão pagar aluguéis? Por não conseguir pagar aluguéis acabam por invadir os mangues, terrenos abandonados, etc... Não porque gostem disso, mas porque precisam sobreviver. Esse grupo de trabalhadores, desempregados e marginalizados vão para esses lugares e aí começam as favelas: barracos amontoados uns em cima de outros, palafitas e toda sorte de construções precárias sem quaisquer mínimas infra-estruturas, com os famosos gatos e a total desasistência do Estado que muitas vezes não garante sequer o saneamento básico.

Esses lugares são verdadeiros infernos, onde faltam muitas coisas. Não há privacidade, não há segurança, pode ocorrer um incêndio, uma ripa apodrece e a ponte fica instável com o risco de quebrar. Triste não? Esses lugares produzem seres humanos brutalizados, fracos, doentes físicos e mentais, revoltados, analfabetos ou gente de baixa instrução, daí Marx dizer com certa razão que "não é a consciência dos homens que determina sua existência, mas é a sua existência social que determina sua consciência". (Teses sobre Feuerbach) Evidente que não podemos ser deterministas, por isso, acredito que seja um condicionamento e não necessariamente um determinismo econômico, mas é o que ocorre de fato. 

Quem mora na favela tem que ter muita esperança ou muito desespero, quem tem muita esperança se apega à fé cega e ingressa numa igreja milagreira que satisfaça suas aspirações, que entorpeça essa gente pobre e a faça esquecer por um momento sua realidade. Daí que nas favelas abundam seitas pentecostais para todos os gostos, uma em frente da outra, uma ao lado da outra, em cada esquina e por toda a favela. No meio da favela não há centros espíritas, pois essa religião não é milagreira e só pessoas com certo nível intelectual são capazes ade assimilar sua doutrina. Também não se encontram capelas católicas romanas, até porque não temos mais padres operários e a igreja romana (com poucas exceções) não conta  com padres e leigos interessados em ajudar os favelados. Então os favelados se apegam à fé cega na esperança de que servindo Jeová dos exércitos, este lhes faça mercês:  dando empregos, oportunidades, melhores salários, pois como diz um versículo bíblico, (infelizmente muito mal interpretado) Deus é fiel! Sim, esta parcela de moradores das favelas tem que se apegar a Deus e aos milagres, pois é só com isso que podem contar, pois eles não tem acesso à saúde, à educação e nem à segurança, então sua fé nas  seitas neopentecostais faz às vezes do Estado. Por outro lado, quem não tem esperança, tem desespero e o desespero faz com que essa outra parcela dos moradores das favelas entrem para o mundo do crime, porque no fundo, eles sabem que sem estudo e no lugar onde moram nunca serão ninguém, então porque se iludir se a realidade não vai mudar? É aí que passam a ser revoltar com suas condições, ter ódio e considerar as pessoas como objetos descartáveis, daí, não custa muito pegar um revólver e matar alguém por uns míseros reais. Consideram as pessoas como lixo, porque a sociedade lhes ensinou isso, pois sempre foram tratados como lixo e o que eles fazem outra coisa não é do que reproduzir a ideologia da sociedade capitalista: o importante não é ser mas ter. 
Não é fácil encarar a realidade num lugar que cheira mal, as ruas não são asfaltadas, os barracos caem aos pedaços e você tem ao redor pessoas feias, feias sim, porque maltratadas e maltratadas porque não tem dinheiro para se vestir bem e cuidar da aparência. Talvez seja por isso, que muitos jovens usem drogas nas favelas para tentar fugir de suas tristes realidades. 

Os comunistas costumam dizer que essas pessoas são imediatistas e não tem uma visão para o futuro, isso quando não dizem que os favelados desempregados, traficantes, bandidos, prostitutas são  o lupemproletariado. Mas ajudar que é bom, nada. São ótimos críticos e talvez ótimos leitores de Marx e nada mais. 

Os padres e fiéis romanos reacionários dizem que eles tem que se conformar com a vida porque essa é a "vontade de Deus" que ele assim estabeleceu "em sua sabedoria", que nós "não podemos entender seus desígnios" e que "a revolta é contra Deus e se continuar nessa revolta depois da morte ainda vai queimar no inferno, mas caso se resigne Deus lhe dará um prêmio imorredouro". 

Os ateus liberais e "humanistas" que são a favor do aborto em nome da humanidade, pouco ou nada se preocupam com os favelados, se acham muito confortáveis em seu ateísmo de classe média b, e geralmente criticam essa religiosidade doentia dos favelados, criticam o efeito mas não abordam à causa. Queria ver se esses ateus conseguiriam viver em seu racionalismo dentro de uma favela sem ter uma perspectiva de vida, sem um amanhã melhor... ou se cometeriam suicídio, pois se Deus não existe e a situação não vai melhorar para que prolongar a dor da existência? Ora, o problema dessa fé cega é um só: a ausência do Estado. Então ao invés de ensinar pessoas como essas que Deus não existe, deveriam ajudar a erradicar as favelas, lutando por uma justa distribuição de renda.

Os políticos se aproveitam dos favelados para darem cestas básicas, materiais de construção, camisas de futebol para times de várzeas e outras quinquilharias, sempre nos anos eleitoreiros, e claro esse povo vota neles, porque ao menos eles "fizeram alguma coisa". 

Uma última questão, uma vez que me estendi mais do que devia neste texto, por que as favelas geralmente são longe dos centros urbanos? Para que eles (os favelados) "não contaminem" a "boa sociedade", para que sua realidade não seja conhecida, e para que não tenham como reivindicar seus direitos nas câmaras e prefeituras. 

A favela é fruto do capitalismo, do egoísmo e das desigualdades, se alguém diz o contrário que prove ao invés de mergulhar em delírios idealistas que não explicam a realidade.


sexta-feira, 23 de março de 2012

Carta a Sam Harris






Caro Sam Harris acabei de ler o seu livro Carta a uma nação cristã e realmente você argumenta muito melhor que o seu colega de profissão Richard Dawkins, autor de Deus um delírio. Richard Dawkins disse no prefácio do seu livro que você nunca erra o alvo, e li o livro com a curiosidade de saber se isso é verdade ou se isso era apenas mais um dogma do sr. Dawkins. Não vou me deter naquilo que concordo pois isso seria mera repetição e reprodução de ideias pura e simples.

Sam não sei se foi por ignorância ou por malícia mas você disse que Jesus era a favor da escravidão e você cita Paulo para confirmar isso e afirmou que Jesus nunca se pronunciou contra a escravidão. Qualquer pessoa que leia os Evangelhos independente de crer ou descrer sabe que Jesus nunca apoiou a escravidão, pois o mesmo disse: "Fazei aos homens o que desejais que eles vos façam", "Eu não vim para ser servido mas para servir", "Quando orardes dizei Pai-nosso" e se isso não basta atente para Nietzsche, o filósofo afirmou que a revolta dos escravos, começada por Jesus, conquistara então a vitória. Afirmar que Jesus era a favor da escravidão ou é cegueira ou maldade, prefiro crer que seja cegueira, pois como disse Paulo apóstolo: (I Cor 13) "A caridade tudo crê".


Você disse de forma obscura preferir os crentes que levam tudo ao pé da letra do que os cristãos liberais, inclusive insinuou nas entrelinhas que os cristãos moderados e liberais não são sinceros por não crerem na Bíblia ipsis litteris. Claro, eu entendo seu pensamento, afinal você sabe que os cristãos liberais não são inimigos da ciência e isso lhe irrita, porque você quer divorciar a religião da ciência da mesma maneira que o Dawkins. Ora, é mais fácil debater com fanáticos, porque estes negam a ciência e não sabem argumentar, e, aqueles crentes sinceros que você refuta podem engrossar a fila do exército ateístico. 


Você que é cientificista é o pior dos metafísicos quando diz que o ateísmo não é uma filosofia nem um modo de ser e que esse termo não deveria existir da mesma forma que não existe o termo não-astrólogo, que o ateísmo é o óbvio. Sam, se o ateísmo é tão óbvio como você afirma, explique-me o fato de serem agnósticos Darwin, Thomas Huxley, Stuart Mill, Stephen Jay Gould entre outros? 


Você diz que os cientistas são humildes ao aceitar que não podem conhecer tudo, o que não vale para você, pois nega a existência de deus, e quem nega, não tem dúvidas, está convencido de uma verdade: "deus não existe", tão dogmático contra os teístas que você tanto gosta de atacar. E mesmo porque Sam Harris o objeto da ciência não é o imaterial, mas o material. E, se fôssemos falar de coisas que não existem no mundo real eu pediria para você provar a existência da lógica e matemática que são disciplinas totalmente metafísicas e abstratas e por serem assim elas não existem?


Quando você tenta rebater os argumentos de que Stálin, Mao, Pol Pot e Kim Jon Il não eram ateus, disse que o ditador da Coréia queria sempre suas camas a 500 metros acima do nível do mar, portanto não podia ser ateu. Hã? Como é que é? Também disse que gente como Stálin e outros do mesmo jaez não poderiam ser ateus porque tinham uma ideologia e essa ideologia funcionava como religião. Ou isso é um ato falho seu, afirmando ser o ateísmo uma religião ou você mente quando diz que ateus são melhores do que cristãos, todavia sua argumentação é falha. 


Por fim, você errou o alvo e sua retórica não passa de metafísica barata, ciência não é ateísmo nem ateísmo é ciência mas são cosmovisões, ao querer tornar a ciência como fruto do ateísmo você deixa o campo do empirismo e cai no idealismo, pois você não tem como provar que o ateísmo é uma ciência ou que a ciência não pode caminhar com o sentimento religioso. 







sábado, 17 de março de 2012

Santo capitalismo, Batman!

Vi essa charge no facebook e achei interessante compartilhar com os leitores deste blog, para refletir.


sexta-feira, 2 de março de 2012

A educação em Praia Grande



Após quase um mês trabalhando como professor na escola municipal Professora Maria Clotilde Lopes Comitre Rigo, avisei hoje a diretora que eu estava deixando as aulas, depois me despedi dos ex-colegas de trabalho e me dirigi à SEDUC de Praia Grande e fiz minha recisão de contrato como vocês podem ver logo acima.

Mas ninguém exonera nem pede recisão de contrato sem um motivo (princípio da razão suficiente: todo efeito tem uma causa). O meu motivo foi, ou melhor meus motivos foram a impunidade, a negligência e a má educação da clientela praiagrandense. Um aluno, se é que pode ser chamado de aluno, de um nono ano já vinha atrapalhando minha abordagem pedagógica desde os primeiros dias de aula. Como existem regras de convivência da unidade escolar que é a mesma em toda a rede de ensino municipal, é proibido usar boné em sala de aula, proibido usar celular ou quaisquer aparelhos eletrônicos e os professores são obrigados a fiscalizar isso. Desde o primeiro dia eu proibia o uso de quaisquer aparelhos eletrônicos dentro da sala de aula assim como o uso de boné. Mas um desses "alunos" além de ser mal-educado é também um desajustado às boas normas de convivência na sociedade, uma espécie de "bad boy". Uma vez pedi que desligasse o celular, então essa criatura disse: "peraí, tô ligando".
- Me dá o celular.
- Não vou dar ( e escondia o aparelho).
Então comecei a ler as regras de convivência da escola e ele disse
- Já sei, não precisa ficar falando.
- Me entrega o aparelho que eu te devolvo no fim da aula.
- Não vou entregar.
- Se eu chamar a inspetora ela vai tomar o seu aparelho e levá-lo para a diretora.
O sujeitinho deu de ombros, pedi a um aluno que chamasse a inspetora, quando ela chegou narrei-lhe o ocorrido e ela pediu que o desrespeitador das normas de convívio lhe entregasse o aparelho, ele não entregou nem para a inspetora, uma senhorinha de idade, muito simpática. Então a inspetora me instruiu sobre o que deveria ser feito, disse que eu deveria fazer a ocorrência dos atos desrespeitosos e da insubordinação do sujeito, foi o que fiz, mas ele disse que não tinha medo daquelas folhas pois já tinha levado várias ocorrências e nunca aconteceu nada e disse que não tinha medo da diretora.
Outros dias que eu dei aulas as mesmas falas (as dele e as minhas) se repetiram como se fosse uma espécie de eterno retorno. Cada vez que eu aparecia na sala de aula que ele estava não para estudar é claro, mas para "causar", ele se tornava mais arrogante e mais petulante na mesma medida em que é ignorante, pois os professoras me disseram que ele não sabe nada nem de matemática nem de língua portuguesa.
Esta semana ainda eu estava em outra sala, sala em que a namoradinha dele estuda, não é que o tal invadiu a sala sem pedir licença, agiu como se estivesse dentro da casa dele. Eu nem quis advertí-lo porque já tinha percebido que se trata de potencial psicopata. E por falar em psicopatia, minhas ex-alunas praiagrandenses disseram-me no dia seguinte após esse incidente que ele havia batido em sua própria namorada dentro da escola, fora o que a diretora, e os professores me contaram a respeito desse exú.
Ontem quando eu tive aula com esse frango de macumba ele me mandou calar a boca na sala de aula, sua lógica foi a seguinte a aula dura uma hora, já era 16:02 e eu continuava a explicar um texto quando o espírito de porco começou a gritar: "cala a boca, vai embora, sai, sai, sai, vaza, sai sai". Eu falei pra ele que a aula termina quando o professor sai da sala de aula e não quando ele quer. O sujeito me aborreceu tanto que senti vontade de esmurrá-lo e tive que me afastar o mais distante que eu pude para não chegar as vias de fato com um sujeito que não vale a pena se sujar. Comuniquei a senhora diretora que apenas conversou com ele, mas não tomou nenhuma providência, então tomei eu as providências cabíveis, eu pedi minha recisão de contrato. Porque se vocês não sabem Praia Grande está com falta de professores de geografia, são mais de 60 aulas na rede para serem preenchidas (segundo a rádio peão, isto é, segundo os professores  que tem contatos com outros colegas) e não tem professores de geografia nem mesmo os ruins. E os bons que eles conseguem  não tratam bem, não dão o devido apoio...
Mas exoneração e recisão de contrato é uma coisa muito comum em Praia Grande e mais fácil recindir contrato e exonerar do que ser contratado e/ou efetivado.

Praia Grande é um município que paga bem aos professores todavia os professores tem que se sujeitar a todo tipo de humilhação e pressão. Eu recindi meu contrato como uma forma de protesto, porque não admito ser pisado por um ser boçal; recindi meu contrato porque eu sei o meu valor e o dinheiro não é o mais importante na minha vida; recendi meu contrato porque não tive o respaldo da direção para punir o infrator, e não punindo esse infrator, ele continuará a fazer as mesmas coisas e os professores estarão de mãos amarradas.  Infelizmente grande parte da rede age assim com os professores, razão pela qual muitos professores fogem de Praia Grande assim como o diabo foge da cruz, e eu também fugi.