terça-feira, 13 de outubro de 2015

Uma réplica ao sr. Domingos acerca do abstencionismo







Em seu post intitulado Problemas em torno do anarquismo: anarquismo, socialismo e individualismo II o professor Domingos que é um dos escritores deste blog ataca o abstencionismo e propõe que a melhor forma de mudar o sistema viciado é mantê-lo, tese interessante, tão interessante quanto a dos marxistas que fazem a revolução, tomam o Estado, reproduzem o Estado burguês para que este um dia se torne comunista, isto é, uma sociedade sem classes. Não vou analisar o texto por inteiro mas apenas as partes mais significativas.

Segundo o professor Domingos:

"Só podemos admitir a viabilidade da democracia liberal ou burguesa COM O OBJETIVO DE TRANSFORMA-LA, DE AMPLIA-LA, DE APROFUNDA-LA; ENFIM DE TORNA-LA DIRETA OU POPULAR. Os sociais democratas não tiveram diante de si tal perspectiva, não lutaram por este ideal, não conceberam esta ideia ou possibilidade e por isso cometeram o equívoco fatal de conformarem-se com este padrão viciado. Tal não é de modo algum a nossa perspectiva".

Essa tese é muito parecida com a dos marxistas que falam da ditadura do proletariado, vamos governar o povo com mão de ferro e à medida que o socialismo se expandir a fase de transição que é a ditadura do proletariado cairá magicamente sozinha. A história está repleta de exemplos que o sistema representativo não funciona ou pelo menos não funciona como deveria funcionar e acreditar nesse sistema e querer perpetuá-lo é uma ilusão. Proudhon  que era anarquista tentou fazer conqistas no congresso, foi parlamentar e falhou miseravelmente.

Sobre as leis ele escreveu: O governo, portanto, deverá fazer leis, isto é, impor-se a si mesmo limites; porque tudo o que é regra para o cidadão torna-se limite para o príncipe. Ele fará tantas leis que chocará interesses; e, visto que os interesses são inumeráveis, que as relações nascentes umas das outras se multiplicam ao infinito, que o antagonismo não tem fim, a legislação deverá funcionar sem parar. As leis, os decretos, os editais, as ordens, as decisões cairão em abundância sobre o pobre povo. Ao cabo de algum tempo, o solo político será coberto por uma camada de papel que os geólogos não terão senão que registrar sob o nome de formação “papesóica”, nas revoluções do globo. A Convenção, em três anos, um mês e quatro dias, vomitou 11.600 leis e decretos; a Constituinte e o Legislativo não produziram muito menos; o Império e os governos posteriores trabalharam do mesmo modo. Atualmente, o Bulletin des Lois contém, diz-se, mais de 50 mil; se nossos representantes cumprissem seu dever, esta cifra enorme seria logo duplicada. Acreditais que o povo, e o próprio governo, conserva sua razão nesta balbúrdia?

Acerca desse governo defendido pelo sr. Domingos, Kropotkin escreveu:

"Os defeitos das Assembléias representativas não nos causarão estranheza, se refletirmos um momento apenas sobre a maneira como elas se recrutam e como funcionam.

Será preciso que eu descreva aqui o quadro, tão pungente, tão profundamente repugnante, e que nós todos conhecemos, – o quadro das eleições? Na burguesa Inglaterra e na democrática Suíça, na França como nos Estados Unidos, na Alemanha como na República Argentina, não é essa triste comédia em toda parte a mesma?

É preciso contar como os agentes e as comissões eleitorais “forjam, arrumam” uma eleição (verdadeira gíria de larápios), espalhando para um lado e para o outro, promessas políticas nos comícios; como eles penetram nas famílias, adulando a mãe, o filho, acariciando se for preciso o cão asmático ou o gato do “eleitor”? como eles se espalham pelos bares, convertem os eleitores e atraem os mais calados abrindo com eles discussões, como esses burlões que vos arrastam ao “jogo da vermelhinha”? como o candidato, depois de se ter feito desejar, aparece enfim no meio dos seus “queridos eleitores”, com um sorriso benevolente, o olhar modesto, a voz melíflua, – tal qual como velha megera que aluga quartos em Londres, ao procurar enredar um locatário com o seu doce sorriso e os seus olhares angélicos? É preciso enumerar os programas mentirosos – todos mentiosos – sejam eles oportunistas ou socialistas-revolucionários, nos quais o próprio candidato, por pouco inteligente que seja e por pouco que conheça a Câmara, acredita tanto como acredita nas predicações do “Mensageiro Coxo” e que ele defende com entusiasmo uma verbosidade, uma entoação de voz, um sentimento dignos de um doido ou de um ator de feira? Não é debalde que a comédia popular se não limita a fazer Bertrand e de Robert Macaire simples burlões e lhes acrescenta a essas excelentes qualidades a de “representantes do povo” à busca de votos e de lenços para roubarem".
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Kropotkin continua a surrar impiedosamente essa "democracia maravilhosa" tão querida pelo sr. Domingos:

"Transformai o sistema eleitoral como quiserdes: substitui o escrutínio por pequenos círculos, pelo escrutínio de lista, fazei as eleições em dois graus como na Suíça (eu falo das reuniões preparatórias) modificai-o quando puderdes, aplicai o sistema nas melhores condições de igualdade, – talhai e retalhai os colégios eleitorais – o vício intrínseco da instituição não terá com isso desaparecido. Aquele que souber conseguir a metade dos sufrágios (salvo muito raras exceções, nos partidos perseguidos), será sempre nulo, sem convicções – o homem que sabe contentar toda a gente".


Sobre Proudhon parlamentar escreveu Kropotkin:

"Pobre Proudhon, eu calculo os seus dissabores quando teve a ingenuidade infantil, de entrar na Assembléia, de estudar a fundo cada uma das questões como ordem do dia. Levava ã tribuna algarismos, idéias – nem sequer o escutavam. As questões resolveram-se todas antes da sessão, por esta simples consideração: é útil, é prejudicial ao nosso partido? A contagem de votos está feita: os submissos são registrados, contados cuidadosamente. Os discursos não se pronunciam senão para efeito teatral; não se escutam senão quando têm valor artístico ou se prestam ao escândalo. Os ingênuos imaginam que Roumenstan, arrebatou a Câmara com a sua eloqüência, e Roumenstan no fim da sessão, estuda com os seus amigos a maneira como poderá realizar as promessas feitas para caçar os votos. A sua eloqüência não era mais do que uma cantata de ocasião, composta e pronunciada para divertir a galeria, para manter a sua popularidade com algumas frases empoladas". 4  

Isso para não falar de outros anarquistas e/ou abstencionistas que tem alertado contra o sufrágio universal desde o século XIX. Os socialistas autoritários acusam os abstencionistas de traidores, de fazer o jogo da direita mas essa tática é velha. No fim das contas quem faz o jogo da direita é sempre a esquerda, esquerda essa que se metamorfoseia na direita. Eu mesmo tornei-me abstencionista depois das eleições de 2014. Desde que o PT é situação tenho votado no PT para a presidência da república e no PSOL  para candidatos à senadores e deputados federais e estaduais. Depois que a Dilma Rousseff escolheu Joaquim Levy para ser ministro da fazenda e Kátia Abreu para ministra da agricultura deixei de acreditar no  PT e no sistema representativo. Não votei no PT para esse partido agir como o PSDB.  Isso para não falar no governo de austeridade do PT com seus cortes, com ideias de criar e arrecadar mais impostos. Desse modo o PT revela-se mais um partido mais do mesmo e nesse quesito chega a ser pior do que os partidos da direita pois a direita não engana quanto à sua proposta e o PT enganou seus eleitores. O que levou-me ao abstencionismo não foi tanto as leituras anarquistas mas a prática canalha do PT assim como a cegueira dos partidários do Lula & cia. 

Domingos escreve em seu post: 

"Se os libertários e os socialistas retirarem-se da via institucional ela só poderá ser ocupada pelos totalitários e capitalistas. Agora que proveito resultará disto??? Como queixar-se das igrejas, parlamentos, sindicatos e escolas que nós homens virtuosos abandonamos? Com denunciar o pecado das igrejas, a infidelidade dos parlamentos, a imoralidade dos sindicatos, a condição totalitária de nossas escolas se não estamos lá combatendo tais vícios". 

O Brasil elegeu dois presidentes do PT e o que mudou? O Brasil elegeu senadores e deputados do PT e o que mudou? Para os pobres não muita coisa e o PT só está no poder porque teve que curvar-se ao capital, não foi o povo que elegeu o PT foi o dinheiro dos investidores e o poder do marketing advindo de muita grana. Depois de 4 governos petistas acreditar que o Brasil vai tornar-se socialista pelas vias da representatividade é de duas uma ou loucura ou burrice.  Ademais o sr. Domingos acredita que democracia é ir em sua seção eleitoral a cada dois anos e votar. Anarquistas, autonomistas e abstencionistas em geral fazem política além do voto. A verdadeira política independe de governo mas é muito mais  fácil eleger líderes e ficar com a consciência tranquila do dever tranquilo. O sr. Domingos pensa que a democracia representativa pode ser transformada na verdade é ao contrário que acontece, quem dela participa é que é transformado, veja o PT dos anos 1980 e veja o PT de hoje. 

Para justificar sua paixão pela "democracia representativa" ele cita Platão:

Não posso deixar de concordar com Platão: "Se você sendo bom retira-se da vida política não deve reclamar que a vida política esteja má. Se os virtuosos retiram-se da arena política como evitar que seja ocupada pelos viciosos? Se você é bom entre na vida política e torne-a boa."

Os anarquistas e os abstencionistas ao deixarem de votar não se retiraram da vida política, não, eles fazem política de outra forma. A abstenção é uma forma de política é a não aceitação de um sistema que não funciona, que não atende e nem atenderá as demandas populares, tudo não passa de encenação, farsa. 

Domingos afirma:

Cuida talvez que as instituições que condena e abandona nada signifiquem ou produzam. No entanto tais instituições continuam a influenciar poderosamente as vidas das pessoas para mal ou para bem. Querendo ou não os parlamentos produzem leis e as leis afetam as vidas de milhões e milhões de seres humanos. O anarquismo abstencionista 'encara' as instituições como se não existissem, convencido de que o mundo seria bem melhor sem elas. Problema é que esta vontade ou desejo não faz com que as instituições deixem de existir e de operar.

Com votos ou sem votos as leis vão continuar sendo feitas mesmo a contragosto do povo pobre, pois os parlamentares não estão lá para representar os interesses do povo mas sim os interesses de seus partidos e seus próprios interesses. 

Para arrematar o sr. Domingos afirma que o abstencionismo é um dogma anarquista, não, não é dogma e essa sua afirmação é risível, não votar é princípio de coerência, pois se voto eu aceito o Estado, suas leis, aceito que legislem em meu nome, que me representem sem me representar. O anarquismo não tem dogmas mas tem princípios como qualquer instituição/ideologia. Por afirmar a liberdade isso implica que o anarquista deve deixar todo mundo fazer o que quiser como por exemplo: matar, roubar, estuprar, enganar? O que o anarquismo propõe é a liberdade para todos e a liberdade para todos implica em opressão para ninguém nem mais nem menos. 

Notas:

1. PROUDHON, Pierre Joseph. A propriedade é um roubo e outros escritos anarquistas.
2. KROPOTKIN, Piotr. O Governo representativo.
3. KROPOTKIN, Piotr. O Governo representativo.
4. KROPOTKIN, Piotr.   O governo representativo.


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