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terça-feira, 16 de janeiro de 2018

O ateísmo, o agnosticismo, a Kalokagathia e a morte da Estética I


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 "Só é realmente belo o que não serve para nada. Tudo quanto é útil contém certa de fealdade." Theóphile Gautier


É a palavra Aesthetica/estética, que remete ao grego aesthesis (sensação), de origem germânica tendo sido concebida por A G Baumgarten em meados do século XVIII. Querendo designar a sensação relacionada com a contemplação/fruição da beleza.

Já a palavra Kalokagathia, era empregada pelos antigos gregos com o objetivo de expressar seu amor pelo quanto fosse Bom e Belo, naturalmente que o Bom e o Belo deviam ser Verdadeiros. Assim por extensão este vocábulo servia para designar um ideal de Bondade, Beleza e Verdade cultivados pela cultura helênica. Tal o tripé sob o qual repousavam todas as demais virtudes encomiadas pelo divino Sócrates e seu Pupilo Platão. Para nossos nobres e excelentes ancestrais o Bom, o Belo e o Verdadeiro eram como expressões da mesma perfeição divina. Compunham uma unidade que não podia ser fragmentada e que era expressa pela Ética, a Lógica e Estética.

Segundo Platão o ideal mais puro de beleza estaria relacionado com os tipos ideais ou isentos de acidentes, presentes na dimensão das ideias e não com os seres reais a que chamava de cópias. Toda cópia é imperfeita e imperfeita devido aos acidentes que produzem as variações. Neste nosso mundo há diversos tipos, no mundo ideal um tipo apenas. Temos então de remover os acidentes do ser concreto para atingir o ser ideal, e mesmo assim a tarefa não era muito fácil. Seja como for os gregos perseguiram-na...

Não se contentavam com a posse de verdades ou com o verdadeiro apenas e nem podiam conceber uma verdade que fosse feia ou isenta de beleza. Examinaram a si mesmo, olharam para dentro de suas almas e nelas descobriram uma sede perene de beleza. O Resultado disto foi o templo de Diana Efesina, o Partenon, o Fórum romano, o Maiseon Carré... A Vitória de Samotrakia, a Vênus de Melos, a Amazona ferida, o discóbulo, o Apolo Apoximenos e todo um novo mundo de bronze e mármore que revestiu a Hélade.

A música de Tirtaeus e Terpandrous, o estro de Homero, as Odes de Píndaro, as peças de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes; o dealbar de uma nova era!

Aristóteles sempre mais realista e prosaico que seu mestre, determinou estabelecer algumas normas ou regras concretas com relação a realidade da Beleza neste mundo, buscando objetiva-la.  E estabeleceu os critérios da Simetria, da Composição, Ordenação, Proposição e enfim do Equilíbrio. Logrando expressar aquilo que se achava não apenas no interior dos antigos gregos mas de todo ser humano, de toda criatura racional. Pois tudo isto está cheio de racionalidade.

Lamentavelmente após o declínio de Roma assomaram os bárbaros, primeiro ao Ocidente e em seguida aos Oriente, estes capitaneados por Mafoma.

Os belos templos em que a beleza era glorificada tornaram-se pastos das chamas. O Fórum juncou-se de ruínas. As telas e painéis converteram-se em cinzas. A glória de Zeuxis e Polignoto foi aniquilada, os bronzes derretidos e as delicadas estátuas de mármore partidas em pedaços com exceção de algumas poucas. Pois como diz Keneth Clark o homem primitivo, bárbaro e grosseiro em sua rudilidade não podendo dar com o sentido do Belo ou sentindo-se frustrado por não poder produzi-lo sente-se inquieto e incomodado diante dele. A beleza exaspera-o, porque reflete um ideal que como disse Platão, está além deste mundo das concretudes, o único mundo conhecido e amado pelo homem simples. Daí ele atirar-se sobre a obra de arte com um furor iconoclástico e com o objetivo de destruí-la.

Dominado por uma ideia elevada a respeito do bem e por certa noção vigorosa de verdade teve o homem Cristão que aproximar-se da beleza ideal ou da estética as apalpeladas, pois estava a princípio dominado pelos preconceitos da cultura judaica ou sêmita com seu eterno desprezo pela Imanência e consequentemente pelas artes plásticas, as quais jamais soube produzir em larga escala e com competência.

Judaísmo e islamismo, enquanto epifenômenos da cultura semítica mutilaram criminosamente a natureza divina, oferecendo a humanidade supostas verdades dissociadas da Beleza. Temeram que a beleza do mundo pudesse ser representada e por fim reverenciada pelos homens ignorando que a Beleza presente no universo e transplantada as obras de arte é atributo do ser divino. Nem podiam tais crenças insistir a respeito da Beleza presente numa Transcendência absoluta, incorpórea e separada do mundo que produziu. A própria divindade acabou sendo despojada da Beleza. É algo que jao ou ala não contém...

Tristemente o Cristianismo herdou tal vezo do judaísmo... Felizmente, devido ao dogma da Encarnação, que é um sinal da Imanência, não tardou a supera-lo e em 787 desta Era, o Concílio Geral, reunido mais uma vez em Nikaia, sancionou a tradição multi secular (A igreja com afrescos de Dura Europos - 240 desta Era é testemunha preciosa quanto a esta tradição bem como as Catacumbas romanas) do culto as imagens, especialmente das pinturas. Desde então as perspectivas da arte Cristã, em termos de pintura e de alguma escultura, tornaram-se ainda mais sólidas, amplas e profundas e a arte desenvolveu-se mais uma vez. Se bem que a puridade dos princípios estéticos greco romanos se houvesse perdido durante a grande calamidade.

O Renascimento artístico ocidental foi uma tentativa mais ou menos feliz de retomar esse ideal. Formalmente foi bastante feliz pois as obras produzidas por seus mestres são formalmente impecáveis e perfeitas, deliciando os olhos de toda gente sensível. No entanto, separado da tradição bizantina, perdeu seus fundamentos históricos ou concretos, mergulhando num mundo de imaginação e fantasia e laborando em monstruosos anacronismos com seus apóstolos e profetas, e soldados romanos trajados segundo a moda do tempo, i é das Idades média e/ou moderna.

Grosso modo a estética em sua puridade formal e a História só vieram a encontrar-se ao tempo do romantismo (chega a ser paradoxal) pelos fins do décimo oitavo século e ao cabo de praticamente todo século décimo nono, embora ao fim deste século já se prenunciasse o 'modernismo'. Foi um interregno bastante curto o do neo classicismo, perdurando por um século apenas, mas um século deslumbrante. Pois trata-se do século de 'La madaleine' de Paris... Quadra em que a Ortodoxia, o anglicanismo e o papismo recobriram mais uma vez a velha Europa com escrínios de mármore e estátuas de bronze agora dedicados a figuras de carne e osso, como Jesus Cristo, sua piedosa mãe, seus apóstolos, os mártires dos primeiros séculos, etc e tudo isto em meio a todo um simbolismo recuperado i é tomado ao paganismo antigo. Isto sem mencionarmos os painéis ou quadros, como os de Ary Scheffer, além é claro de Delacroix, Millet, tão entusiasticamente elogiado por Van Gogh em suas Cartas a Théo, Blake e Kramskoi. No entanto foi apenas um segundo renascimento, e nem neste nem no primeiro foram os fundamentos metafísicos desta produção recuperados. O espírito grego jamais foi completamente reassumido pelos Cristãos, e por um motivo bastante claro - Ali estava Agostinho com sua doutrina de degradação total da natureza, ali está a doutrina da existência pessoal de um Diabo, ali está a doutrina das penas eternas do inferno com seus tormentos tão sádicos quanto mitológicos. Há ali feiura e feiura eternizada. Então eles não podiam aplicar os canones clássicos a essa arte com fidelidade absoluta!

continua

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Reconsiderando o 'conceito tradicional' de deidade I

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Toneladas de tinta e papel tem sido gastas com o objetivo de refletir sobre as relações existentes entre a deidade e o universo criado ou a matéria e isto desde o tempo dos gregos para os quais a matéria, sendo eterna e incriada, correspondia a um dos aspectos da deidade assim definida como alma ou consciência do mundo.

Os fariseus, escribas e rabinos no entanto apresentaram a deidade como transcendência absoluta e separada do mundo material, como espírito puro ou entidade descarnada (imaterial).

Tal a conjuntura religiosa, de conflito ou choque, em que manifestou-se a fé Cristã, alias num contesto cultural judaico que sempre tendeu a divinizar.

Colossal o esforço da mentalidade Cristã, ao menos desde Filiponos (sec VI) no sentido de apresentar a concepção tradicional de Deus, nos termos do judaismo, como um Dogma Cristão. A apresentação é forçada, senão ímpia. Afinal, no mínimo três Cristãos dos primeiros séculos - dois deles elderes Ortodoxos venerados pela Santa Igreja - opinaram a respeito da eternidade do mundo ou da matéria, a saber, o gnóstico Hermógenes; o catequista e mártir Justino de Roma e o Arcebispo Atenagoras. Segundo a opinião deles a divindade teria organizado a matéria pre existente imprimindo-lhe forma e não produzido a matéria magicamente como se antes nada existisse (ex nihilo).

Felizmente após Galileu e Newton foi o problema da origem do universo e da idade da matéria atribuído em geral a ciência. Ao menos a maior parte dos filósofos e metafísicos e certa parcela de teólogos tem acordado em atribuir esta tarefa a investigação científica. Diante disto alguns suspendem o juízo enquanto outros optam por repousar no berço dourado da fé. Refiro-me a pessoas inteligentes, as quais de modo algum referendam os mitos grotescos do gênesis, limitando-se a supor que a 'grande explosão' que deu origem a este universo também teria dado origem ao elemento material. Portanto, segundo esta concepção, o mesmo evento teria sido responsável pelo surgimento de nosso universo e da materialidade, a qual, antes dele, inexistiria.

Que existiria então?

Apenas a imaterialidade ou a transcendência absoluta, identificada com o Deus produtor deste Universo ou Criador. Criador por ter comunicado existência ao elemento material.

Diante disto que pensar?

Mesmo que a ciência consiga demonstrar a origem deste Universo permaneço bastante cético quanto a possibilidade de estabelecer a origem ou idade do elemento material, o qual sempre poderia pre existir a esta organização ou forma temporal. Da temporalidade do Universo jamais se poderia concluir pela temporalidade da matéria ao menos que houvessem razões bastante sólidas para tanto. O fato é que a eternidade ou a temporalidade da matéria ainda é objeto de amplo debate entre os cientistas.

Permitam-nos portanto especular a luz da razão e dos mistérios peculiares ao Cristianismo ao invés de crer porque os outros creram e repetir tolices.

Longe de mim opor-me a Jesus Cristo, seria o cumulo da incoerência um 'Cristão' professo opor-se a ele. Não sou protestante ou bultmaniano e tampouco biblista ou fundamentalista, apenas niceno ou atanasiano, e coerente. Assim quando ele fala eu me calo, quando ele abre a boca eu escuto, quando ele ensina eu aprendo. Todavia a respeito das coisas sobre as quais ele, o Verbo, silenciou ou nada revelou, farei uso de meus sentidos e da minha racionalidade com plena liberdade, examinando também as opiniões dos sábios da Grécia sem maiores preconceitos. Não vou portanto curvar-me reverente face as opiniões dos profetas, escribas, fariseus, rabinos e lideres religiosos da casa de Israel. Aqui nem mesmo aos santos apóstolos darei ouvidos, pelo simples fato de que estavam inseridos na cultura judaica, a qual tinham em conta de divina. Os mesmos argumentos que empenho contra a mitologia israelita posso empenhar contra a teologia farisaica...

Penso que toda esta questão deva ser examinada liberalmente nos podromos da racionalidade e da tradição peculiar ao Cristianismo, como um problema teológico enfim. Nem ignoro que neste sentido, algumas tentativas arrojadas tenham já sido feitas por figuras como Scott Erigena, Amalric de Benna, Davi de Dinant além do incrédulo Baruch Spinoza. Mesmo os escolásticos tidos em conta de 'Ortodoxos' a exemplo dos padres da Igreja (Origenes, Gregório Nisseno, etc) - Os quais floresceram antes do protestantismo ou da escravidão bíblico/fundamentalista - levantaram e discutiram exaustivamente tais questões sem que fossem ameaçados por anatemas ou palavras amargas.

Então começarei levantando a problemática do 'conceito tradicional' de Deus e levando-a até as origens.

Chega a ser obviedade a primeira pergunta a ser feita: É a doutrina da transcendência e simplicidade absoluta de Deus de origem Cristã ou esta de acordo com os pressupostos fundamentais do Cristianismo?

Neste terreno diversos equívocos tem sido cometidos pelos expositores. O primeiro deles, e o mais tendencioso, tem sido atribuir aos antigos hebreus - que eram henoteistas - o monoteísmo (o qual remonta aos primeiros pensadores gregos, senão a Akhenaton, faraó egípcio) quando sua 'obra prima' é a doutrina da transcendência, simplicidade e espiritualidade de Deus, formulada alguns séculos antes desta nossa Era.

Por sinal cuidam os hebreus que apenas o Dogma Cristão da Encarnação suscite dificuldades face ao conceito tradicional de Deus por eles formulado. Importa saber que a doutrina da Criação não suscita menos dificuldades já quanto a simplicidade do ser já quanto a imutabilidade volitiva. No frigir dos ovos para que Deus fosse absolutamente simples e imutável no sentido estrito da palavra deveria ter permanecido absolutamente inativo, abstendo-se de produzir qualquer coisa. Produção supõem no mínimo certa doze de dinamismo, e partindo-se da tão decantada simplicidade sensível alteração na ordem do Ser. Eis porque tendo em vista a existência do Universo material e da Encarnação repudiamos a simplicidade absoluta do Ser tanto a priori quanto a posteriori, afirmando riqueza em termos de complexidade e multiplicidade de aspectos na Unidade do Ser, a exemplo do mistério trinitariano. Deus é tão rico em sua essência quanto em sua personalidade.

Estamos afirmando que o universo é Deus ou a deidade?

De modo algum. Tudo quanto pretendemos dizer é que a sucessão dos universos materiais corresponde a um aspecto dinâmico inserido no próprio Ser divino ou a uma operação/atividade necessária e portanto eternamente realizada pelo Deus imutável. A matéria pré existe eternamente nele para que ele possa atuar eternamente sobre ela organizando-a e conduzindo incalculável multidão se mundos a posse de seu Ser que é a suprema felicidade e perfeição. Esta saga de sucessivas entidades livres que dele saem e retornam voluntariamente a ele constitui o fim último do universo e a concretização de sua vontade que é a partilha sua bem aventurança. Bem compreendido é um auto desafio e um plano engenhoso. O sentido mais profundo da existência.

Não, o universo material não é Deus, mas um aspecto passivo na divindade, logo algo divino. É um meio posto para que o espírito, ou aspeto ativo/operatório da divindade possa atuar imutavelmente pelos séculos.

É possível que tais cogitações surpreendam e até escandalizem os mais ingênuos e fielmente apegados a 'concepção tradicional' de Deus... Compreendo perfeitamente que judeus e muçulmanos sintam-se desconfortáveis, agora que Cristãos...

Afinal os judeus e muçulmanos tem buscado demonstrar que o mistério da Encarnação opõe-se a doutrina da transcendência e simplicidade absoluta do Ser divino. Admitida a doutrina da simplicidade, é necessário admitir, por uma questão de coerência, que o Dogma da Encarnação seria inviável. Não é o monoteísmo, de modo algum, que se opoẽ ao dogma da Encarnação, mas a opinião da transcendência absoluta.

Por outro lado os Cristãos mais atilados, desde Mar Thimoteos Bispo de Cesareia, levaram a crítica até o fenômeno da 'criação' ou do universo material e esta perspectiva é assaz interessante. Sobretudo se admitimos uma relação estável, constante e perpétua entre o Espírito divino e a matéria - enquanto meio necessário para sua atividade - compreendemos que a Encarnação, longe de representar uma alteração, mudança ou ruptura, representa, muito pelo contrário, uma continuidade e aprofundamento na mesma direção. Deus se aproxima do mundo material, assume-o e manifesta-se nele porque a matéria sempre esteve em contato com ele e ele - "Estava no mundo que foi feito por ele." e o qual amou, a ponto de entregar-se por ele.

Encarnou-se Deus no homem porque de certa forma e em certo sentido sempre este encarnado e em comunhão com a materialidade, produzindo, mantendo e coroando sucessivos mundos. Aproximou-se mais intimamente da matéria porque ela sempre esteve presente nele. Deus jamais foi um espirito puro e simples ou uma transcendência absoluta que num certo dia teve vontade de introduzir a matéria em si mesmo ou de fazer-se homem. Imutável não é Deus sujeito a arroubos ou imprevistos. Alias se é sumamente perfeito como não pode deixar de ser, sequer poderia Deus ser livre. Como veremos mais adiante a liberdade é via pela qual os seres feitos imperfeitos tem acesso a perfeição e não qualidade posta para um ser que já esta em posse da perfeição absoluta. Portanto ele jamais poderia deixar de escolher sempre o melhor ou o mais perfeito, tendo apenas uma única opção. Concluímos que ele jamais podería ser diferente do que é ou mais perfeito e que jamais poderia deixar de atuar sobre um meio material, organizando sucessivos universos, pois esta atividade dimana das fontes de seu Ser, é exigência de sua perfeição. Não podería ser solitário e descarnado, e perfeito. Antes sería um eterno Egoísta. Nem podería ser mutável e existir.

Assim a verdadeira doutrina sobre Deus cessa de ser romântica na medida em que ele cessa de ser imprevisível, caprichoso, arbitrário e antropomórfico; para tornar-se absolutamente previsível e monótono no acesso da razão. E no entanto este 'Deus ex machina' é também autor dos mais nobres sentimentos humanos e de um riquíssimo universo psicológico... podendo ser definido como Bondade, Compaixão, Justiça ou como um Ser ético, fonte de princípios e valores éticos, Legislador supremo, Pai amoroso... Sem com isto deixar de ser coerente, imutável, perfeito, etc

Constatamos por fim que o homem é a imagem e semelhança da deidade porque sendo espírito associado a um corpo físico em que se realiza, foi concebido pela mente que anima este nosso universo material ou pela Alma do mundo.