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terça-feira, 12 de junho de 2018

Pitadas de literatura e sociologia - Bancas de jornal, gibis, internet e as três 'Eras' de H P Lovecraft (Diálogos com um Livreiro)

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Mais no passado não muito distante, mas em certa medida mesmo ainda hoje, os sebos ou casas onde se compra e vende livros usados (antigos) sempre foram um local bastante favorável a troca de ideias, a tertúlia amistosa, ao diálogo... enfim um ponto de encontro entre a intelectualidade. Assim na Briguet ao tempo de Rui Barbosa... Assim no Sebo de Olyntho de Moura, onde meu saudoso mestre Jaime de Mesquita Caldas, dizia ter tido acesso ao convívio de Yan de Almeida Prado, Viana Moog, Alfonso de Taunay, Tito Lívio Ferreira e outros notáveis memoristas, historiadores e literatos...

Quando eu era rapazote, no final dos anos 80, e surrupiava uns cobre do papai, logo ia correndo a primeira e mais farta banca sebo de Santos, a Banca do Habib, situada na Praça dos Andradas e onde se comercializada calhamaços do século XIX, verdadeiras raridades, a granel... E por lá garimpando achavamos a profa Maria Aparecida Franco Pereira, a profa Conceição das Neves Gmeiner, Sá Porto, Laudo e muitos outros 'monstros sagrados' cujos nomes ignorávamos. O Brizolinha, recentemente falecido, tinha sua Banca, pequenina, na primeira esquina da Itororó, que sai nos fundos do convento do Carmo. O sebo e livraria Antiquária, do desditoso Ivo, já era antigo e o Ivo muitas vezes recusava-se a vender o que julgava ser raridade rsrsrsrsrs. Dizia: Não, não esta a venda. E não vendia por preço algum. Esperávamos o dia em que ele saía para pagar as contas e deixava seu velho Pai, o sr Joaquim (Alias bem mais educado do que ele) no balcão, tomávamos o mesmo livro (as vezes raro) e pagávamos uma ninharia!

As Bibliotecas públicas estavam apinhadas de livros raríssimos e valiosos. A da ASL, a da Humanitária, a do Centro Português, a do Centro Espanhol, a da Societá Italiana (alias comprada pelo Ivo), etc A fama de algumas Bibliotecas particulares como as de Edgard de Cerqueira Falcão, Sá Porto, seo Frazão, etc corria de boca em boca... Outras tantas eram despejadas mensalmente nos sebos, e garimpadas pela categoria professoral. E entre um livro e outro trocavam-se ideias e telefones, estabelecia-se diálogos, discutia-se e até 'brigava-se'...

Mas não eram só os Sebos não. Recuando aos anos 80 i é ao começo dos anos 80 ou mesmo final dos 70, quando eu era um menino e até onde chegam minhas primeiras memórias as Bancas de Jornal constituiam farto arsenal de cultura face ao que hoje, praticamente nada são. Meu falecido pai, Deus o tenha, adquiria jornais portugueses aqui em S Vicente, na tradicional Banca do Walter e lembro-me de que em 82/83 ainda circulavam jornais japoneses e árabes por estas regiões (recordo-me perfeitamente dos sinais estranhos) além de jornais ingleses ou norte americanos, portugueses, franceses, espanhóis e italianos; era possível encontrar cada um deles nas principais bancas do centro de Santos. Ora eu mesmo nasci ou melhor fui criado, dentro duma dessas enormes Bancas de que meu pai era proprietário pelos idos de 1975/76. Meu tio Domingos era proprietário de outra imensa Banca na Cons Nébias... e os jornaleiros abasteciam-se nos depósitos da Magalhaẽs, ao lado do antigo Presídio da R S Francisco de Paula ou da Castellar, nas proximidades do Fórum; o quanto não era vendido nas Bancas ou as sobras eram levadas para tais depósitos e vendidas a preços econômicos... O que sobrava era quase sempre o melhor... Podia-se fazer grandes compras, e lá estavam os garimpeiros e toda gente que amava gibis e revistas. Sim senhor, aquilo era um mundo.

Alias cada banda Era um mundo na cultura não digital dos anos 80, a derradeira década antes da Net! Haviam gibis e revistas de todo tipo. Recordo especialmente do Zagor, do Fantasma e do Tex que eu a princípio folheava, depois lia e enfim devorava com fervor... Sem falar nas revistas 'preto e branco' eróticas ou de terror ilustradas pelo divino Rodolfo Zalla e Eugênio Colonnese, mestres insuperáveis... Eu não podia nem pensar em folhear as revistas eróticas uma vez que minha mãe era protestante rigorosa, e eu... pobre de mim, tinha de segui-la e temia as 'terríveis chamas do inferno' rsrsrsrs Assim andava a carruagem. Minha mãe não queria mas meu pai não apenas consentia, mas estimulava-me a ler revistinhas de horror como Cripta e Calafrio, cujos exemplares ainda hoje tenho e coleciono. Naquele tempo eu sequer sabia ou imaginava que as ilustrações dos livros de ciência que pegara no Ferro Velho (Minha mãe não permitia que comprasse ou recebesse livros de presente de meu pai pois acreditavam que o excesso de estudos me deixaria louco - acho que ela acertou rsrsrs) e de que tanto gostava haviam sido feitas pelo Zalla, bem como as do livro de História do Julierme, meu preferido e cujas tirinhas sobre sumérios, egípcios, gregos e romanos levavam-me ao delírio.

Apesar de meus medos e limitações podia perceber facilmente a extensão em que todo aquele material circulava. Sem contar com os livrinhos de faroeste, os livrinhos Corin Tellado, os romances da Barbara Cartland, alguns dos quais li, etc Havia um imenso conteúdo etno antropológico em algumas daqueles publicações como Zagor, Fantasma, Calafrio, Barbara Cartland, etc Tudo aquilo fazia reportar a Salgari, Maine Reid, C S Foerester, Karl May, Hall Caine e em última instância a Júlio Verne, cujas 'estórias' eram reproduzidas em não poucos gibizinhos. Haviam encantadores livrinhos para crianças com estórias de Êsopo, La Fontaine, Ch Perrault, Grimm, Verne, etc A Bíblia ilustrada da Abril, a Iliada, a Odisséia, a Távola redonda, Êsopo, La Fontaine, etc

Lembro-me de que os mais idosos não cessavam de falar numa tal EBAL... cujas publicações enfim vim a conhecer 'de visu' - Série Sagrada, Histórias maravilhosas e uma infinidade de super heróis como Homem aranha, Super homem, Homem de ferro, Namor, o príncipe submarino, Flash Gordon, etc Eram tantas publicações que ficava dificil escolher o que ler e podia-se ficar lendo pelo resto do dia que não esgotava o stock daquelas Bancas. E em cada esquina havia uma delas...

Hoje ao sair de uma repartição pública passei no Sebo do amigo Marcos, onde por vezes é possível achar alguns amigos, como o Jorge Alves e formar uma tertúlia... Meu irmão, até pouco tempo, ia semanalmente ao Sebo do falecido Brizolinha para prosear. Conheci algumas pessoas fascinantes ali mas em geral frequentava os velhos Sebos do Centro velho de Santos, cujo número vai se reduzindo dia após dia ou ano após ano. Já não temos o grande Sebo do Habib, mas temos as banquinhas do Marcelo e do Marcos Noriega, o de as vezes 'faço ponto' exercitando a verborragia ou o diletantismo. Então como disse, dei uma passadinha por lá. Sempre se aprende com a maior parte dos sebistas. Brizolinha era um erudito e o Marcos Noriega pessoa sumamente bem informada e inteligente... O Jorge do Sebo S Jorge ou da Dna Cecília é meio rabugento, mas homem de farta ou vasta leitura.

Conversamos justamente sobre o quanto acima escrevi - Os antigos Sebos, Bancas, Bibliotecas... anos 50... anos 80 e ficamos a pensar se a cultura entrou em declínio após os anos 80 ou se passamos por uma crise intelectual. Refletimos juntos e chegamos a uma conclusão paradoxal. A Internet de algum modo, substituiu tudo isto como a imprensa, pelos idos de 1470, substituíra grande parte dos manuscritos. Não é que a cultura acabou, minguou ou entrou em crise porque as Bancas de Jornal se acabaram ou empobreceram. A cultura assumiu outra forma, forma digital. Alias a maior parte desse material antigo mais algum material novo não só é produzido ou reproduzido nos meios virtuais como alcança uma circulação bem mais ampla. É ilusório imaginar que a cultura mingou com relação ao último meio século, apenas deixou de ser impressa no papel e de circular materialmente. Mas transplantou-se para as redes de computadores e acha-se presente nelas. A cultura hoje é digital e o acesso certamente mais democrático e fácil, ao menos para as novas gerações.

Claro que as gerações anteriores a Net e habituadas com aquele universo de papel, tão colorido, belo e sobretudo físico ou material sentiram-se deslocadas ou frustradas, pois assimilaram ou assumiram o hábito de manipular a cultura com as mãos ou de folhear - Hoje não se folheia mais, simples assim... Mas nem por isso a cultura entrou em crise ou acabou, passou a outro meio, mais dinâmico. A Banca se tornou desnecessária face ao PC e o Jornal desnecessário face a Net e aos meios virtuais... Inclusive aqueles imensos calhamaços chamados Enciclopédias, instrumentos essenciais ao estudo até o final dos anos 80 tornaram-se obsoletos. Do 'Speculum' de Beuvais ou da Enciclopedie de Diderot e D Alambert, a 'Trópico' e a 'Conhecer', passando pela Espasa Calpe tudo isto tornou-se supérfluo por ocupar espaço e certamente não será reeditado em tempos de Wikipedia. Para quem podia gastar os olhos da cara adquirindo tantos e tão luxuosos volumes tal transformação corresponde a uma catástrofe, bem como para nós, meninos, que adorávamos folhear as ditas Enciclopédias (cresci folheando a 'Trópico' da Ed Maltese), fazer o que??? Reconheçamos que nem todos podiam arcar com semelhante despesa!

Ah antes que me esqueça - Juntamente com os brinquedinhos de metal ou plástico, que cederam lugar aos dinâmicos jogos eletrônicos, haviam os álbuns de figurinha, que eram colecionados por quase todo jovem ou criança. Lembro de inúmeros - Da Sara Key, dos Bichinhos fofos, da Xuxam do Fofão, da Menina Moranguinho, do Amar é, etc A geração anterior a nossa conhecerá os álbuns históricos ou científicos da EBAL...

Ao fim da prosa a referência feita a Calafrio, levou-nos a Lovecraft H P, o grande gênio do terror. A Calafrio continha estórias de todo tipo ou origem - Havia muito de Edgar A Poe, assim A queda da casa de Usher... Havia terror europeu e conheci a deliciosa narrativa da 'Vênus de Illé' por meio dela... E havia muito terror brasileiro, adaptação de primeira. E é claro havia muito, mas muito Lovecraft. Havíamos falado sobre Conan e a Era Hiboriana, cujos principados representam nossas antigas civilizações. Meu amigo livreiro comentou que Conan era o mundo de Lovecraf por assim dizer anterior a este nosso em que se passam suas narrativas. Daí a presença da magia, dos demônios, dos deuses antigos, etc nas aventuras do cimério. Completei dizendo que Thundar the barber, era a projeção de Lovecraft no futuro, para daqui a dois mil anos... daí magia, demônios, deuses, etc - Afinal os autores de Thundar - e Mad Max entre aqui - partiram de Conan enquanto Howard era amigo e correspondente de Lovecraft...

Há um pouco de Lovecraft em Conan e um pouco em Thundar, tudo bastante diluído é claro; mas reflete o pensamento de H P.

Após ter entretido tão proveitosa conversação com o nobre sebista corri até este PC, responsável pela derrocada das bancas de jornal com seu mundo de papel, ansioso por registrar o quanto fosse possível e partilhar com meus queridos amidos, sempre tão curiosos quanto aquela boa gente dos anos 50 e 80 com a qual tivemos o grato prazer de conviver quando meninos e da qual tomamos o hábito de folhear e de cultuar os livros, revistas, gibis... O que em parte faz de nós cidadãos de outra Era senão de outro mundo.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Impressões sobre a 1ª feira anarquista da baixada santista



No dia 23 de agosto a cidade de Santos recebeu sua 1ª feira anarquista, com pessoas de todos os lugares do estado e até mesmo companheiros do Chile.
Para os que dizem que anarquia é sinônimo de bagunça é porque nunca estiveram numa feira anarquista, a feira estava muito bem organizada, e a organização da feira não contou com líderes nem dirigentes. Embora o espaço fosse pequeno todos encontraram espaço para fazer exposições de livros, revistas, fanzines, discos, camisetas, etc... Repito, a feira estava muito bem organizada como bem se vê pelas fotografias que foram tiradas e pelos vídeos que fizeram. Uma amiga minha foi na bienal do livro em São Paulo, e ela disse que a bienal estava um caos,  essas são as palavras que ela usou para caracterizar a desordem da bienal do livro: “Quem for a @Bienal do Livro se prepare para enfrentar filas quilométricas para tudo, para a falta de organização, para multidão, para preços iguais das livrarias físicas e mais caros que as virtuais.

Levem muita água! Uma garrafinha custa 4 reais!
Levem lanche, assim é menos uma fila para enfrentar!
Tenham dorflex na bolsa para quando a dor chegar, vocês não andam lá dentro e sim se arrastam.
Tenham cuidado com as crianças!
Quem é professor pode se cadastrar no site para não pagar (eu não achei) ou na porta ( não achei parte 2) , quem não é, compre pelo compre ingressos, assim é menos uma fila!”.


Pois é, em nossa feira anarquista ninguém precisou enfrentar filas, não teve falta de organização, pelo contrário, os anarquistas são bem organizados. Na feira anarquistas tinham várias editoras, e conversando com alguns representantes de editoras anarquistas eu mesmo consegui uns bons descontos. Ademais teve uma barraca de troca-troca de livros libertários, quem não quisesse ou não pudesse comprar poderia trocar livros por livros, até mesmo por alimentação vegana se fosse feita a proposta, houve uma troca do livro A Revolução dos Bichos por fotos de Sacco e Vanzetti. E a comida era cara? Não, a comida era natural, vegana, de ótima qualidade, limpa e o melhor, com um preço de baixo custo para o consumidor. Ali ninguém precisou passar fome. Dentro da bienal ninguém andou, mas na feira as pessoas se locomoviam com facilidade apesar do espaço apertado, porque lá as pessoas são libertárias e por isso se respeitam. Quanto as crianças, elas tiveram um espaço só delas e teve um cuidador para protegê-las. Caramba! Esses anarquistas pensam em tudo mesmo!

Mas a feira anarquista só foi para vender livros e comida? Não, de forma alguma, o principal objetivo da feira é divulgar os ideais anárquicos e lutar contra todas as formas de preconceito: racismo, homofobia, machismo, sexismo e tantos outros.
A feira anarquista teve vários debates, teve uma sessão de cinema que exibiu um documentário, teve oficinas, teve poesias, teve peça de teatro, show de palhaços, teve cantores de rap e o mais importante a presença de uma representante das Mães de Maio, a Débora Silva Maria que falou das conquistas das Mães de Maio e das denúncias contra os desmandos da polícia militar, principalmente a do estado de São Paulo.
A feira anarquista além de tudo isso foi um ótimo lugar para conhecer gente interessante e trocar ideias sobre literatura libertária, política e todos os problemas que afligem os oprimidos. Só encontrei um defeito na feira anarquista, é que durou apenas um dia e me deixou com um gosto de quero mais.


sábado, 22 de março de 2014

Impressões sobre os contos da Ana Carolina Barros






No mês passado eu ganhei de presente o livro Movimento da palavra ao texto autografado por uma das co-autoras, Ana Carolina Barros. Ela é uma jovem de 17 anos e uma incrível devoradora de livros, mas vamos ao que interessa de fato.

No conto o Violinista que voltou ao mar ela narra a história de um violinista que estava num cruzeiro, o navio no qual estava bate em alguma coisa e começa a naufragar. O protagonista já estava entrando num bote quando se lembrou de seu violino em sua cabine e voltou para buscá-lo, quando viu que não podia mais retornar tocou Inverno de Vivaldi e assim morreu porque para ele a vida sem música seria um erro como bem escreveu Nietzsche. Este conto foi baseado numa história verídica mas foi metamorfoseada em arte pela autora, deixando a linguagem seca do jornalismo.

Em seu segundo conto tão bom quanto o primeiro ela descreve perfeitamente o cotidiano dos paulistanos no metrô, suas estações, e usou o cenário de modo perfeito para narrar uma paixão espontânea que durou apenas algumas estações.

Já no último conto ela faz o protagonista da história interagir com o passado e o presente, o passado feliz e o presente triste e sem esperança.




A Ana Carolina Barros tem apenas 17 anos é uma grande leitora de livros, toca piano e violino e sabe brincar com as palavras sabe fazer literatura e das boas. Soube assimilar o que há de melhor na literatura e assim criar o seu próprio estilo calcado no cotidiano, na realidade. Admito que eu fiquei cativado e que ao ler seus contos ficava a imaginar como terminariam as histórias. Adorei, que venham mais contos, que venham mais livros.

Ah, esqueci de falar o nome dos dois últimos contos:
Metrô
Azul

P.S.: O livro tem outros contos, crônicas e poesias de outros autores tão bons quanto os da Ana Carolina, mas como a conheço pessoalmente e já tive a oportunidade de ver sua biblioteca penso que posso falar desta autora com propriedade.


segunda-feira, 17 de março de 2014

Não existe literatura imoral




Depois de muito tempo sem escrever em meu blog eis que retorno e prometo aos meus leitores que doravante serei assíduo (sempre lembrando que promessas podem ser quebradas).

Quando eu estava nas casas dos vinte anos eu estudei num centro de suplência e eliminei muitas matérias e depois eu fui eliminado por ser péssimo nas exatas, mas isso não vem ao caso. Então vamos direto ao assunto, quando eu estudava nesse centro de suplência eu tive que ler dois livros da literatura brasileira:


  • Dom Casmurro - Machado de Assis;
  • Um certo capitão Rodrigo - Érico Veríssimo
Quanto ao Dom Casmurro não tive muitas queixas pois se tratava de uma suspeita de adultério, a meu ver se tratava de paranóia do Bentinho. Mas quando chegou a vez de expor na prova as impressões que tive do livro Um certo capitão Rodrigo, eu não fui feliz, isso porque eu estava cheio de preconceitos adquiridos aos longos dos anos na sacristia da igreja. Então escrevi aberrações lançando juízos de valores, afirmando que a obra era um lixo, um mau exemplo porque ensinava adultério, amor pelas brigas, bebedeiras e outras coisas, enfim eu esqueci de tratar o livro como literatura e tratei como uma obra de imoralidade que atentava contra a "moral e os bons costumes". Olvidei as belas palavras, a forma de escrever e o enredo da história que é humana e sendo algo "humano não me é estranho" (Terêncio). Evidentemente a professora de literatura ficou chateada por minha visão tão pobre da vida. Mas não tentou me convencer porque na época era um fanático religioso e sabe como é...

Depois de muitos livros lidos, depois da coragem de pensar por mim mesmo, depois de muitas reflexões comecei a ler outros tipos de literaturas, pois até então eu só lia livros de teologia e filosofia que concordassem com a doutrina e a moral católicas. Foi nesse tempo que já vai longe que vi que o mundo é muito maior do que minha estreita visão. Infelizmente eu acreditava que havia livros morais e livros imorais até que aprendi com Oscar Wilde que "não existem livros imorais o que existe são livros bem ou mal escritos" e até estendo o pensamento de Wilde: o que existe são bons ou maus escritores.

A boa literatura não se pauta pela moralidade mas pela forma como se escreve e como influencia o leitor. Enfim foi a duras penas que aprendi a ser leitor.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Dos manuais de filosofia




Li vários manuais de filosofia mas não vi nenhum imparcial, (isso não quer dizer que não existam autores imparciais, até porque não li todos os manuais de filosofia do mundo) quase todos os manuais e histórias da  filosofia carregam as tendências de seus respectivos autores.

Quando se lê uma história da filosofia o leitor espera encontrar imparcialidade mas infelizmente não encontra até porque tudo o que somos e o que fazemos leva o cunho partidário, ideológico de modo que não existe neutralidade. 

Leio manuais de filosofia desde minha adolescência (faz tempo!) e com o tempo tenho aprendido que os manuais diferem não pela matéria mas pela tendência, exemplo: Se o leitor ler o livro Vivendo a filosofia de Gabriel Chalita e ler os Fundamentos de filosofia de Afanasiev vai perceber que no primeiro livro a tendência do autor é acentuar a importância de autores católicos e dedicar mais páginas à Santo Agostinho e a Santo Tomás de Aquino assim como toda a Idade Média em detrimento dos filósofos acatólicos teístas ou não; já no segundo livro o autor trilha toda a história de filosofia, mostrando duas correntes: a idealista e a materialista que permeiam toda a história da filosofia. O autor do segundo livro é marxista-leninista então ele se propõe a mostrar todos os defeitos do idealismo e engrandecer o materialismo até chegar ao ápice que é o materialismo histórico/dialético, pois mesmo os materialismos anteriores carregavam vícios, o único bom é o da então URSS. 

Agora quando se trata de levar livros didáticos de filosofia (o do Chalita é didático) os professores devem ser bem criteriosos e escolher aqueles livros que sejam os menos parciais possível, de modo que seus alunos  possam conhecer todas as correntes da filosofia por si mesmos e possam ter autonomia para escolher a corrente que mais lhes agradar ou nenhuma. Num livro didático tendencioso o aluno praticamente é levado a escolher tal ou tal tendência filosófica. 

Agora quando se trata de livros específicos como Filosofia na Idade Média de Etienne Gilson é evidente que se trata de filosofia católica, além é claro de não se tratar de um manual de filosofia, mas uma exposição da filosofia medieval e da Igreja Católica Romana. Nesse caso o leitor não tem do que reclamar porque o autor está delimitando o tema. O mesmo se diga dos livros de Michel Onfray Contra-história da filosofia trata de pensadores materialistas, então o leitor está advertido sobre os temas de um e outro livro. 

Nada tenho contra os manuais de filosofia mas não pense que são imparciais porque não são e nem infalíveis, daí que é bom ter vários manuais para confrontar um com o outro, para eventuais esclarecimentos. Os manuais de filosofia muito auxiliam na ajuda de certas leituras difíceis de serem assimiladas, mas o melhor mesmo depois das leituras dos manuais é iniciar a leitura dos filósofos por si mesmo pois aí você não encontrará interpretações, verá os filósofos tais como são e a interpretação do que ele disse de fato ou do que se cogita fica por sua conta leitor. Os manuais servem apenas para uma orientação, são como bússolas que apontam para o norte, mas se você não sabe os pontos cardeais as bússolas para nada servem. 

sexta-feira, 23 de março de 2012

Carta a Sam Harris






Caro Sam Harris acabei de ler o seu livro Carta a uma nação cristã e realmente você argumenta muito melhor que o seu colega de profissão Richard Dawkins, autor de Deus um delírio. Richard Dawkins disse no prefácio do seu livro que você nunca erra o alvo, e li o livro com a curiosidade de saber se isso é verdade ou se isso era apenas mais um dogma do sr. Dawkins. Não vou me deter naquilo que concordo pois isso seria mera repetição e reprodução de ideias pura e simples.

Sam não sei se foi por ignorância ou por malícia mas você disse que Jesus era a favor da escravidão e você cita Paulo para confirmar isso e afirmou que Jesus nunca se pronunciou contra a escravidão. Qualquer pessoa que leia os Evangelhos independente de crer ou descrer sabe que Jesus nunca apoiou a escravidão, pois o mesmo disse: "Fazei aos homens o que desejais que eles vos façam", "Eu não vim para ser servido mas para servir", "Quando orardes dizei Pai-nosso" e se isso não basta atente para Nietzsche, o filósofo afirmou que a revolta dos escravos, começada por Jesus, conquistara então a vitória. Afirmar que Jesus era a favor da escravidão ou é cegueira ou maldade, prefiro crer que seja cegueira, pois como disse Paulo apóstolo: (I Cor 13) "A caridade tudo crê".


Você disse de forma obscura preferir os crentes que levam tudo ao pé da letra do que os cristãos liberais, inclusive insinuou nas entrelinhas que os cristãos moderados e liberais não são sinceros por não crerem na Bíblia ipsis litteris. Claro, eu entendo seu pensamento, afinal você sabe que os cristãos liberais não são inimigos da ciência e isso lhe irrita, porque você quer divorciar a religião da ciência da mesma maneira que o Dawkins. Ora, é mais fácil debater com fanáticos, porque estes negam a ciência e não sabem argumentar, e, aqueles crentes sinceros que você refuta podem engrossar a fila do exército ateístico. 


Você que é cientificista é o pior dos metafísicos quando diz que o ateísmo não é uma filosofia nem um modo de ser e que esse termo não deveria existir da mesma forma que não existe o termo não-astrólogo, que o ateísmo é o óbvio. Sam, se o ateísmo é tão óbvio como você afirma, explique-me o fato de serem agnósticos Darwin, Thomas Huxley, Stuart Mill, Stephen Jay Gould entre outros? 


Você diz que os cientistas são humildes ao aceitar que não podem conhecer tudo, o que não vale para você, pois nega a existência de deus, e quem nega, não tem dúvidas, está convencido de uma verdade: "deus não existe", tão dogmático contra os teístas que você tanto gosta de atacar. E mesmo porque Sam Harris o objeto da ciência não é o imaterial, mas o material. E, se fôssemos falar de coisas que não existem no mundo real eu pediria para você provar a existência da lógica e matemática que são disciplinas totalmente metafísicas e abstratas e por serem assim elas não existem?


Quando você tenta rebater os argumentos de que Stálin, Mao, Pol Pot e Kim Jon Il não eram ateus, disse que o ditador da Coréia queria sempre suas camas a 500 metros acima do nível do mar, portanto não podia ser ateu. Hã? Como é que é? Também disse que gente como Stálin e outros do mesmo jaez não poderiam ser ateus porque tinham uma ideologia e essa ideologia funcionava como religião. Ou isso é um ato falho seu, afirmando ser o ateísmo uma religião ou você mente quando diz que ateus são melhores do que cristãos, todavia sua argumentação é falha. 


Por fim, você errou o alvo e sua retórica não passa de metafísica barata, ciência não é ateísmo nem ateísmo é ciência mas são cosmovisões, ao querer tornar a ciência como fruto do ateísmo você deixa o campo do empirismo e cai no idealismo, pois você não tem como provar que o ateísmo é uma ciência ou que a ciência não pode caminhar com o sentimento religioso. 







sábado, 8 de agosto de 2009

Ler para escrever

Infelizmente nossas escolas não incentivam os alunos a lerem. Muitas vezes entram e saem da escola sem ter lido ao menos um livro. E por não lerem ou por lerem muito pouco não sabem escrever.

Quando pede-se-lhes uma redação, com determinado tema, sentem-se embaraçados e sem ideias. Mas isso é óbvio, como poderão falar daquilo que ignoram? Como poderão desenvolver ideias se não as tem?
Os professores de língua portuguesa pedem redações, mas quanto deles pedem que leiam tal ou qual livro? Quantos estimulam seus alunos a lerem jornais e revistas? Poucos, muito poucos. Esses professores se esquecem que os bons redatores são aqueles que gostam de ler. Sim, os que lêem não tem dificuldades para desenvolver quaisquer tipos de redações que lhes sejam pedidas.

Verdade seja dita, doa a quem doer, a maioria dos professores não lê nem estuda, o tempinho que tem assistem as novelas globais, entram no msn e Orkut para fuxicar, namorar e fazer outras coisas fúteis e tudo isso na sala dos professores. (Nada tenho contra o Orkut e msn até porque sou usuário dos mesmos, minha revolta é contra as futilidades.) Um ditado romano antigo já dizia com muita propriedade: "Nemo dat quo non habet" - "Ninguém dá aquilo que não tem". Como poderão dar boas aulas se não tem conteúdo?

Para que os alunos possam fazer boas redações é preciso estimulá-los à leitura, é a leitura que produz bons escritores. Mas para haver bons leitores é preciso que hajam bons professores que instilem o prazer da leitura em seus alunos. Será coisa muito difícil querer que os alunos leiam, quando estes nunca vêem seus professores lendo. Quando os alunos vêem seus professores com livros, são livros didáticos que vêem. Aqueles livros que deveriam servir de auxílio para o professor, mas muitas vezes servem como muletas para os professores incompetentes.

Quem lê, tem ideias e opiniões, mas quem não lê não tem ideias formadas e quando as tem são alicerçadas nos preconceitos e no "ouvi dizer". Há boas literaturas para os adolescentes desenvolverem seu senso crítico, cabe aos professores não só de língua portuguesa, mas de todas as disciplinas indicarem.

Um professor eventual colega de trabalho e amigo meu, Absolon Soares da Silva leciona de maneira diferenciada, sempre recomendando leitura de livros e revistas e não só isso, ele compra livros novos e presenteia seus alunos com ótimos livros (eu também fui presenteado com um livro).

Aos professores de literatura cabe fazer com que os alunos entrem em contato com os nossos escritores e não ficar em cima de um livro didático passando resumos no quadro negro. O aluno só aprenderá verdadeiramente literatura lendo as obras de seus escritores, aos professores cabe tirar-lhes as dúvidas, mas isso é uma utopia.

É uma vergonha que os professores não usem das bibliotecas das escolas e nem façam os alunos a usarem. É uma vergonha que pastores incultos, iletrados consigam a proeza de que adolescentes leiam os livros maçantes do Velho Testamento e que um professor que tem "didática" não consiga fazer com que seus alunos leiam Machado de Assis, Padre Vieira, Gregório de Matos, Lima Bareto, Aloísio Azevedo entre outros! Eu professor eventual vejo alunos com Bíblias abertas sobre suas carteiras. Será que esses pastores iletrados tem maior capacidade que os professores? Seria demasiado triste constatar isso.

A leitura e sua interpretação é o começo de tudo, inclusive para se interpretar a linguagem matemática e se iniciar nas ciências. Um jovem que lê conto simples e não o entende, tampouco entenderá física, química ou biologia, será mais uma vítima da superstição criacionista, e isso por culpa de certos professores. E o que fizeram eles? Nada. Porque a omissão também é crime. A omissão - disse alguém - é um crime que se faz não fazendo.