Antes de traçar em linhas gerais um pedagogia do evolucionismo, gostaria de abordar um tema a respeito do qual já se gastou muita saliva, tinta e papel.
Refiro-me as relações existentes entre evolucionismo, materialismo, ateísmo e religiosidade, a respeito da qual já lí muita besteira.
Para começo de conversa vou logo dizendo que Richard Dawkins - aquele que diz que é QUASE (???) certo que Deus não exista - tem mais apreço pelos fundamentalistas e criacionistas do que pelos religiosos que ultrapassando o pensamento fetichista abraçaram a teoria da evolução. Estes Dawkins tem em conta de incoerentes.
E por que?
Porque para ele toda e qualquer forma de religiosidade ou de espiritualidade deve expressar-se em termos mágico fetichistas...
Não percebo o nexo relacional, mas tudo bem...
Compreendo a 'oportunidade'. De fato é muito mais simples e fácil lidar com os fetichistas entrincheirados em seus livros 'sagrados'. Nada mais fácil do que desacreditar estes tabaréus nas altas rodas, entre a gente culta.
Agora quando nos deparamos com religiosos que aprenderam a pensar a coisa assume outros contornos...
Não deixa de ser uma atitude curiosa.
Pois caso a religião recuse-se a ampliar sua consciência e a alargar seu diálogo com o mundo e a ciência, é descartada como absurda. Agora se algumas religiões mostram-se dispostas a faze-lo, são aprioristicamente apresentadas como incoerentes. Neste caso devem ser fetichistas para serem condenadas? É o que parece...
Neste ponto Dawkins e os ateus fanáticos me fazem lembrar um dos primeiros califas do islam, o qual assim referiu-se a grande Biblioteca de Alexandria:
"Se o conteúdo de tais livros esta em oposição ao Corão, devem ser queimados como heréticos; agora se o conteúdo de tais livros é favorável ao Corão, queime-os, nosso livro basta sem eles!!!"
Aqui a religiosidade jamais tem chance: se fetichista ou criacionista é esmagada; se disposta a reconhecer seus limites e admitir a demarcação é incoerente; e ficam sempre vencida...
Nem preciso dizer que a extremidade oposta, a dos sectários e fanáticos, concorda em gênero, número e grau com a afirmação do Dr Dawkins: a religião não pode deixar de afirmar o conteúdo fetichista da Torá ou do Corão, o criacionismo é um dogma intocável e os que aceitam a demarcação são incrédulos ou infiéis.
É que os extremos facilmente se tocam...
Para Dawkins e seus pares, a evolução se dá em termos puramente materialistas, fornecendo bases as revindicações do ateísmo. Alguns até ousam dizer que é uma teoria essencialmente ateística! Não pensam de modo diverso os fanáticos criacionistas para os quais evolucionismo é sempre sinônimo de ateísmo. Ainda aqui acham-se de mãos dadas...
Os criacionistas não podem conceber a ação divina senão em termos de intervenções repetidas ou como uma sucessão de milagres portentosos destinados a serem aplaudidos pelos anjos... já os ateus e materialistas tem para si que a imensa máquina do Kosmos produziu a si mesma. Admitem a existência do relógio, mas não do relojoeiro invisível...
Alias parte deles já não vê relógio algum porque já não vê qualquer sentido ou orientação no processo evolutivo.
Nem por isso estão autorizados a pontificar sobre o sentido como biólogos, uma vez que a consciência do sentido não faz parte dos conteúdos da ciência biológica mas da filosofia ou da reflexão. E nem podemos dar por certo que o mais atilado biólogo seja ao mesmo tempo pensador profundo...
Mesmo porque pensar - e para fazer metafisica teista ou ateística é necessário pensar com propriedade - exige determinados pressupostos teóricos. Os quais dificilmente seriam ministrados num curso de Biologia.
Lamentavelmente para nossos cientificistas Filosofia é terreno de ninguém... daí pousarem de filósofos, embora filosofem tão mal.
Não veêm ou dizem não ver sentido algum na evolução.
E no entanto por meio da evolução há uma passagem da simplicidade para a complexidade, logo um sentido ou direção...
Dizem ainda que a evolução não pode ser classificada como boa...
No entanto se evoluir significa adaptar-se ou seja vencer uma dificuldade posta pelo meio, e; consequentemente prolongar-se enquanto espécie ou forma de vida não podemos ver como este prolongar a vida deixe de ser um bem, em comparação com o desaparecimento.
Diante disto sou levado a cogitar que as coisas não sejam assim tão simples como supõem a vã filosofia de Dawkins e seus companheiros.
A própria noção de lei - e leis imutáveis de causa e efeito - natural, cujos dispositivos mais uma vez foram mais de uma vez aquilatados como sábios, parece-me supor a noção de um legislador inteligente.
Nem se alegue que os seres sejam imperfeitos. O que temos de indagar é se a evolução aperfeiçoa tais seres ou se são perfectíveis i é capazes de se tornarem perfeitos ao cabo do processo.
É equivocada a ideia segundo a qual um ser perfeito deveria produzir magicamente criaturas perfeitas i é prontas e acabadas. A teologia do processo responde com razão que estabelecer um conjunto de leis destinadas a aperfeiçoar os seres e a eliminar as imperfeições condiz perfeitamente com a Perfeição divina, Além de parecer mais sábio. Importa que os defeitos sejam eliminados 'a posteriori' i é ao fim do processo evolutivo.
A evolução parece apontar exatamente para esta saída: que os seres superam a si mesmos, que ultrapassam-se, que eliminam seus defeitos, que reduzem suas imperfeições e ascendem numa escala que vai da matéria ao pensamento e a liberdade passando pela vida.
Com o velho Anaxágoras opino que um mecanismo tão fascinante quanto a evolução das espécies, e por consequência da pessoa humana e das Sociedades corresponda a um pensamento.
Nem posso imaginar que os átomos ou as células ou seja os elementos puramente materiais tenham idealizado e imposto tal direção ou sentido a natureza.
Negar o sentido não posso...
Tampouco posso compreender esta ascensão do ser em termos puramente materiais. A lei natural, a liberdade, a inteligência animal, a capacidade do raciocínio humano, como algo determinado por estruturas materiais fragmentárias. No mundo material ou biológico não encontro este elemento unificador que liga todos os seres como os elos de uma corrente...
Já se disse, apenas repito, que desta massa amorfa de letrinhas girando num turbilhão jamais sairia um Aurélio (Dicionário).
Que coisa é foi capaz de conferir as leis naturais este caráter inexorável de que se revestem, vigorando por tantos milhões ou bilhões de anos???
Os átomos, as moléculas, as substâncias???
Será que possuem tal força coercitiva???
Por ângulo algum que examine não me parece que a evolução dos seres exclua Deus.
Se como biólogo não posso buscar sentido (como não posso nega-lo) e impor a meus alunos a teoria da inteligência diretora. Como filósofo e ser pensante sempre poderei opinar neste sentido.
Importa não confundir as áreas do conhecimento e por os pingos nos is.
Como 'homo sapiens' não posso deixar de perceber uma dimensão religiosa em torno da evolução dos seres vivos ou uma conotação espiritual.
Evoluem os seres e não posso deixar de perguntar para que?
Por mais que Hume, Kant, Comte, Huxley, Heidegger proíbam-me de pergunta-lo não deixo de ser um animal metafísico ou de fazer metafísica sem querer (Schopenhauer)
Grande e bela é a religiosidade que chegou a compreende-lo.
Não merece reprimendas mas ovações!
Trata-se creio eu duma fé menos fetichista, logo duma fé menos tacanha, grosseira e indigna. Enfim de mais um espaço adquirido pelo pensamento científico...
Enfim você pode menosprezar meus argumentos, pode fazer sua metafisica negativa, pode tentar justificar o não ser. Apenas não falseie a questão supondo ser a evolução das espécies ou o evolucionismo um fenômenos radicalmente simples.
A evolução poder ser tudo, pode ser muitas coisas, pode assumir aspectos diferentes; agora simples é o que ela não é.
Abandonemos portanto os falsos dilemas e metafisiquemos honestamente.
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