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quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Pecado ancestral, tentação, Super ego, Freud e o Evangelho... Por uma nova compreensão em torno do Super ego (Ensaio de semi pelagianismo)


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É a doutrina Ortodoxa do pecado ancestral uma versão bastante mais atenuada do pecado original proposta por Agostinho de Hipona do século IV. A qual pode ser entendida inclusive naturalisticamente e em conexão com a doutrina de Freud sobre o Super ego. É antes de tudo a experiência do mal no homem uma experiência humana e natural.

Admitido que Freud metafisicou bastante em torno de suas constatações - editando-as como generalizações nem sempre bem fundadas - podemos relaciona-lo com Agostinho, o qual do mesmo modo metafisicou a respeito de coisas que não podia compreender a seu tempo, chegando aos confins do maniqueísmo.

Para os naturalistas ingênuos ou otimistas como Rousseau, é o homem uma criatura perfeita ou melhor harmoniosa. A Sociedade no entanto contamina-o ou infecta-o e nele introduz o mal. Temos de admitir que Rousseau, o otimista, estava absolutamente correto, ao identificar a Sociedade ou seu produto a cultura, como fonte do mal ou do pecado. Seu erro consiste em imaginar o homem, em qualquer tempo ou fase de sua vida separado da Sociedade, pois é este homem um ser social, social do berço ao túmulo. Social porque assim que nasce deve ser limpo, alimentado, aquecido, protegido... por outros seres humanos ou por um pequeno grupo social chamado família. E nem as famílias vivem isoladas umas das outras. Sendo o homem ao nascer um ser familiar, é concomitantemente um ser social, que pela família entra em contato com outros homens.

Uma vez que a sociedade ou a cultura estão impregnadas pelo pecado - mas não só por ele - o homem, gerado, nascido e criado em contato com a sociedade e a cultura terá sua mente preenchida em parte com memórias, recordações ou elementos pecaminosos. Temos assim no pecado ancestral uma potência que pelo pecado atual ou pessoal converte-se em ato.

Evidencia-se com prístina claridade a genialidade da doutrina do alexandrino, repetida por S João Damasceno na 'Fé Ortodoxa' é o pecado ancestral transmitido pelo exemplo humano, pela sociedade e pela cultura enfim. E assimilado pelos sentidos e pela memória - pela mente enfim - desde a vida infra uterina. Assim antes que atinjamos o estágio operatório formal, lógico ou racional - estágio em que nos tornamos aptos para julgar e decidir - temos já um substrato pecaminoso ou maligno em nossa mente.

Podemos então falar, quanto a diversos casos, num super ego pecaminoso, fonte das tentações com que o inconsciente opõem-se, diversas vezes, a deliberação racional. Dando lugar ao tão conhecido estado de combate ou ambivalência porque chegamos, não poucas vezes a neurose. Mas não estou a falar a lingua de S Freud, i é, em sexo ou sexualidade. Cristão Ortodoxo, não maniqueu ou judaizante, estou a falar em verdadeiros pecados ou dilemas éticos - postos pelo Santo Evangelho - e assim em princípios divinos como honestidade, justiça, solidariedade, amor, lealdade, etc é disto que estou a falar, numa concepção autenticamente Cristã ou Católica de pecado ou virtude e não em baboseiras puritanas ou moralistas.

Somos capazes de armazenar em nossas mentes, segundo o ambiente em que fomos criados, uma massa de princípios anti éticos. Noutras palavras um inferno interior ou um Diabo interior e todos conhecem a clássica imagem do anjo e do diabinho. E no entanto a composição do homem interior ou da mente jamais será totalmente má mesmo majoritariamente má. Tudo dependerá do ambiente, da educação, da formação, dos valores concretamente manifestados pelas pessoas com quem entramos em contato... O que nos faz avançar na direção da tese a respeito de um super ego majoritariamente ético ou bom, harmonizado com o aparato consciente ou racional.
Por meio de um super ego majoritariamente pecaminoso, face a uma deliberação racional saudável impoẽm-se o cenário de um drama - o drama do homem enquanto ser dividido ou fragmentado. Cindido entre o consciente ou o aparato racional e um inconsciente pecaminoso. Este drama, percebido por Agostinho e antes dele por Paulo é um drama real e vivo. Com que sentimentos não registrou o apóstolo: Faço o mal que desejo e o bem que desejo não faço. Que significa isto senão a luta ou a guerra entre o homem exterior, cônscio de seu dever e o homem interior dominado por instintos atávicos e más memórias?

Admitida esta compreensão podemos dar por desnecessária e fútil a ação externa de um suposto diabo. É o homem, e algumas parcelas do Novo Testamento já o sabiam, tentado por si mesmo e não por qualquer agente exterior, embora possa também ser sugestionado por outros homens. Claro que uma tentação que parte do interior ou de dentro será sempre mais intensa e incomodativa, afinal é difícil ao homem fugir de si mesmo. Outra constatação é a de que inexiste qualquer transmissão mágica em torno deste pecado... e tampouco qualquer tipo de culpa ou pena, pelo simples fato de não haver assentimento e portanto 'pecado' propriamente dito. Semente não é fruto. Pecado ancestral não é pecado pessoal ou atual, e portanto não implica culpa, e por não implicar culpabilidade não serve de obstáculo entre nós e o sagrado.

O que ele faz é predispor-nos ao pecado pessoal e desde então cindir por assim dizer, a pessoa humana, convertendo-a num campo de batalha, disputado por forças diametralmente opostas; as impressões maléficas e a deliberação racional ou consciência. Eis uma realidade a que não podemos fugir e mesmo os naturalistas são obrigados a encara-la no terreno da Psicologia. Todo homem que aspirar viver conforme os ditames da consciência e deliberação racional encontrará dificuldades e experimentará conflitos interiores.

Freud topou com mentalidades dominadas por conflitos de ordem sexual porque exerceu sua atividade num contexto saturado de puritanismo ou maniqueísmo. Noutros contextos sociais, em que a sexualidade, por não ser demasiadamente reprimida, não se tornava obsessiva, daria com outros problemas, inclusive com dilemas éticos. Assim as relações que descobriu e a que chamou complexas foram produtos de determinadas situações culturais.

Destarte poderíamos supor um outro tipo de Super ego, tanto mais próximo da consciência ou em harmonia com ela. Claro que isto implica a adoção de uma determinada lei ou padrão e de um padrão ético por parte dos educadores, dos pais, das famílias e mesmo da sociedade. Um contexto social em que predomine a ética da pessoa produzirá um substrato mental ou um super ego virtuoso e portanto em sintonia com a deliberação racional. Do que resultará uma vida equilibrada.

Claro que a pergunta que se faz é se além dos bons exemplos que se fixam na memória por meio do esforço cultural a que chamamos educação existe algo de bom imanente no próprio homem. E é claro que estamos invertendo a doutrina de Agostinho e postulando a presença de um bem metafísico. Se em termos de intelecto nossa resposta é um sonoro ou rotundo não, no sentido de que não há conteúdo de virtude ou de ética que anteceda a experiência vivida ou a operação sensorial (empirismo), em termos de uma vontade informe, intuição ou atração podemos dizer que sim e que este homem, possuindo elementos bons e mais em sua mente, identifica-se com os bons, tendendo ao bem. Por isso mesmo o homem natural com experiências de pecado continua sendo atraído pelo bem e realizando coisas excelentes, apenas violando a si mesmo, a sua natureza, a sua condição, o âmago de sua consciência, transforma-se num monstro.

Neste caso, se o homem contém algo de bom em si e tende ao que é bom para que a graça i é a Unidade de Jesus Cristo.

No plano natural por mais que aspire pelo bem, pela virtude e pela perfeição não pode este homem deixar de cometer o mal ou de pecar ao menos episodicamente, devido a ação deste super ego, no qual, em maior ou menor medida existe o mal. Do estado de combate contínuo a que esta exposto, ao menos em algumas ocasiões, resultará a derrota deste homem e, do ponto de vista puramente natural, um afastamento com relação ao Sagrado ou uma profanação. Outro seria o caso se os primeiros homens aos quais coube a deliberação racional tivessem sido fiéis a suas consciências e repudiado o que estavam habituados a fazer. Ao que parece não fizeram isto, cederam livremente a fragilidade e cometeram o primeiro pecado atual e após este alguns outros... até que o mau exemplo contaminou a todos e pelo exemplo fixou-se em todas as mentes, tornando o ideal da impecabilidade impossível.

Por isso manifestou-se o Verbo eterno Jesus Cristo, nosso Legislador e Mestre com o duplo objetivo: De fixar um padrão absoluto de ética por meio de sua Lei, o Evangelho ou o Sermão do monte e de auto comunicar-se a todos os homens de boa vontade, ou que se sentiam desconfortáveis face as situações de pecado. Por auto comunicar-se compreenda-se: Agregar-nos espiritual e intimamente a si, ligar-nos a sua Unidade e oferecer-nos a sua amizade que é a graça.

No entanto não é esta graça elemento neutro ou de enfeite mas um elemento ativo ou capacitador, o qual vem em socorro de nossa boa vontade ou do bem que há em nós reforçando-o contra as tentações. Coadjuvados pela ação da graça podemos resistir heroicamente as tentações internas e vence-las, podemos resistir ao pecado e romper concretamente com ele, podemos cessar de pecar e nos tornar santos, podemos cumprir o mandamento de Jesus Cristo: Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito. Isto é a conversão, 'Metanoia' ou mudança, não de opinião ou crença, mas de vida.

Podemos assim, por meio de uma educação ética, conforme os princípios do Evangelho, produzir super egos cada vez mais puros e diluir o drama do conflito. Como podemos com o auxílio da divina graça superar o conflito e assumir uma vida de santidade e perfeição. Uma mente nutrida do Evangelho desde o berço e posta em contato com a graça do Senhor trilhará a passos largos a senda do bem, do amor e da justiça. Uma memória impregnada por bons exemplos e socorrida pelos Sacramentos não poderá deixar de frutificar abundantemente e de dar bons frutos cem por um.

domingo, 24 de setembro de 2017

Uma entrevista polêmica sobre Ética, ciência, vegetarianismo e cobaias.

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Após termos espicaçado os mistagogos comunistas e os sectários cristãos daremos a público um Diálogo que tivemos há algum tempo com os cientificistas e os carnívoros -

Interlocutor - Boa tarde professor.
Eu - Boa tarde jovens, sejam bem vindos.
Interlocutor - A primeira pergunta diz respeito a ciência ou melhor dizendo ao conhecimento não aplicado, corresponderá ele a algo neutro ou a um bem?
Eu - Na medida em que tanto a busca pelo conhecimento quanto sua aquisição correspondem a uma demanda da própria condição humana ou do intelecto não podemos deixar de encarar tais atividades como boas em si mesmas.
Interlocutor - Mesmo que não haja aplicação para este tipo de conhecimento em questão?
Eu - Grosso modo todo conhecimento teórico tende a converter-se, com o passar do tempo, em conhecimento aplicado i é em técnica. Independentemente disto a primeira aplicação de qualquer conhecimento obtido e enquanto conhecimento teórico, é satisfazer a curiosidade humana ou saciar nossa sede de saber. Sabemos para que? Sabemos para saber, porque somos antes de tudo curiosos. Um homem qualquer cujas necessidades básicas estejam satisfeitas não tardará a elaborar diversas perguntas a respeito da realidade que o cerca e elas surgirão naturalmente. A ciência tem sua origem nessa condição de inquietude peculiar aos seres humanos.
É justamente a ciência aplicada e apenas ela capaz de poluir o conhecimento.
Interlocutor - Poluir o conhecimento? Que vem a ser isto?
Eu - Poluímos o conhecimento de diversas maneiras, mormente quando tornamos este conhecimento aplicável e aplica-mo-lo indignamente. É o uso que o homem faz deste ou daquele objeto que o torna bom ou mau. Todo e qualquer objeto produzido pelo homem, seja ele uma faca, um rifle ou uma bomba, é bom em si mesmo enquanto produto do engenho humano. Seu uso ou emprego pelo homem numa determinada conjuntura é que poderá ser bom ou mal. Assim fará bom uso da faca para cortar legumes ou descascar frutas e um mau uso caso venha a agredir outro homem. Fará bom uso do rifle caçando ou protegendo-se dos animais selvagens e um mau uso na guerra fuzilando inocentes. Fará bom uso da bomba detonando montanhas com o objetivo de construir estradas e um mau uso lançando-as sobre cidades e estraçalhando civis inocentes. Todo e qualquer objeto pode ser usado tanto para o bem quanto para o mal.
Interlocutor - De maneira que a técnica sempre estará sujeita ao abuso?
Eu - Efetivamente, toda técnica esta sujeita a abusos pelo simples fato de seu uso corresponder a determinado fim. Caso o fim seja bom o uso será bom, caso o fim não seja bom teremos o abuso.
Interlocutor - E como poderíamos distinguir o uso do abuso. O uso da técnica, para ser bom, deve estar a serviço da condição humana e respeitar a dignidade do ser humano. Deverá promover o homem jamais avilta-lo ou abate-lo. Caso o efeito do uso desta ou daquela invenção acarrete dor, mal estar ou prejuízo aos seres humanos, estamos diante do abuso. O uso implica em beneficiar o ser humano ou em minorar seus sofrimentos. Assim o emprego deste ou daquele objeto numa guerra injusta ou agressiva deve ser encarado como mau.
Interlocutor - Apenas isto?
Eu - Não. Há diversas outras situações em termos de produção de conhecimento que suscitam nossa reflexão em termos de ética, de princípios e de valores, de bem e mal.
Interlocutor - Podería fornecer alguns exemplos?
Eu - Certamente. Julgo que antes de tudo devemos indagar se os meios investigativos empregados pela própria ciência - enquanto instância relaciona diretamente como a produção do conhecimento - são bons ou maus.
Interlocutor - Julgo não ter captado o sentido desta última pergunta.
Eu - A pergunta levantada reporta ao método científico em si mesmo e indaga se acarreta prejuízo, dor ou sofrimento a qualquer forma de vida.
Interlocutor - Ah compreendo, refere-se a testes e pesquisas feitos com doentes ou condenados, especialmente quando não autorizadas?
Eu - Naturalmente que é um dos aspectos da questão, mas não o único. Propositalmente não me referi a seres humanos, mas a formas de vida e a quaisquer formar de vida.
Interlocutor - Captei. O professor esta se referindo aos animais ou melhor dizendo aos animais que são empregados como cobaias nos laboratórios.
Eu - Exatamente.
Interlocutor - Há quem diga que o emprego de animais como cobaias é indispensável ao progresso científico.
Eu - Houve e há quem diga que as guerras são necessárias ou indispensáveis ao equilíbrio social de uma determinada sociedade como há quem diga que o regime de livre mercado seja indispensável. Uma coisa é ser indispensável e outra, totalmente distinta é ser apresentado como indispensável. Oxigênio e água são elementos indispensáveis a vida humana mas há quem afirme o cigarro, o alcool ou mesmo o chocolate como indispensáveis...
Ademais em termos de ética não se pergunta de algo é necessário - tanta coisa má é descrita como necessária - mas se é justo, certo ou correto.
Interlocutor - Desenvolva.
Eu - Obrigado. Será mesmo que não podemos continuar produzindo ciência sem cobaias ainda que num ritmo menos acelerado?
Interlocutor - Eis um questionamento a ser feito.
Eu - Mormente quando a redução deste ritmo corresponde a uma exigência ética.
Interlocutor - Parece-me convincente.
Eu - Acompanhe-me. Via de regra, a maior parte de nós, é ensinada a considerar o consumo de carne vermelha como necessário ou mesmo indispensável a conservação da vida e da saúde. Parece-me no entanto que a existência de vegetarianos ou de pessoas que limitam-se a consumir carnes brancas neste planeta aponta-nos para uma solução contrária. Seja como for somos ensinados a crer que devemos ser carnívoros para sobreviver. E como nossa cultura é carnívora não costumamos a questionar seriamente este ensinamentos. E como a carne é apetitosa.
No fundo o que queremos é saborear um bife suculento. Por isso não questionamos a cultura carnívora.
Seja como for aqui bem cabem algumas perguntas: Será mesmo impossível que a humanidade como um todo ou ao menos parte dela sobreviva sem devorar mamíferos ou bovinos? Quem sairia perdendo caso boa parte da humanidade cessa-se de consumir carne vermelha? Acaso parte do discurso vigente não teria sindo elaborado tendo em vista as exigências econômicas do mercado? Há gente querendo lucrar com a venda de carne não? E nesse sentido o consumo faz-se necessário, devendo ser estimulado.
Interlocutor - Jamais me haviam ocorrido tais perguntas?
Eu - Geralmente não costumamos a elaborar perguntas capazes de incomodar-nos. O ser humano não costuma ser bom nisto.
Interlocutor - Supondo que o consumo da carne vermelha não seja necessário a manutenção da vida?
Eu - Neste caso somos obrigados a nos perguntar sobre o pôrque de saborearmos a tal carne vermelha e julgo que a resposta oferecida seria mais ou menos assim: Consumo carne vermelha porque gosto ou porque me agrada e porque não prejudica a quem quer que seja.
O engano aqui é manifesto pelo simples fato do Boi ou do Porco não poder falar.
Afinal não vejo como possa qualquer um deles sentir-se beneficiado ao levar um baita golpe na testa e ter a vida suprimida pelo homo sapiens.
Não nego que em estado de natureza tanto o boi quanto o porco ou qualquer outro animal tivesse de conseguir sua própria comida e de escapar de seus predadores, é fato. No criadouro ou na fazenda por outro lado são alimentados e cuidados pelo homem. Sim, mas para terminarem no abatedouro e sem aquela mínima chance que lhes é oferecida pelo meio ou pela mãe natureza.
Interlocutor - Quem sabe se a média de vida de um animal criado em cativeiro não seja até maior do que em estado de natureza? Estado em que poderá morrer de câncer inclusive, caso atinjam uma idade mais avançada.
Eu - Claro que há variáveis e algumas até consoladoras para os consumidores de carne vermelha... Quanto ao câncer a alegação talvez seja plausível com relação a um seleto número de indivíduos idosos, já quanto a média de vida de um animal criado num cativeiro integrado aos moldes capitalistas de produção e ao lucro máximo, acho no mínimo discutível. Seja como for devemos admitir que a criação - em comparação com a caça - sendo controlada evite a extinção da espécie. Que os animais criados pelo homem sejam os mais prolíficos na face da terra me parece fora de dúvida.
E no entanto aquele que considera normal devorar um animal em tais circunstância raramente ou quase nunca o abate com suas próprias mãos, considerando este tipo de ação 'infamante'. A quase totalidade dos que consomem carne vermelha não realiza o trabalho sujo. Hoje certamente bem menos sujo devido ao abate humanitário, o qual corresponde certamente a uma das mais belas aspirações humanas. Apesar disto para muitos dar uma marretada nos miolos de um boi ainda seria tabu. Neste caso, se você não tem coragem suficiente para abater por que consome???
Interlocutor - Boa pergunta.
Eu - A bem da verdade consumimos carne vermelha de grandes mamíferos porque gostamos ou porque nos agrada, mas justificamos alegando uma hipotética superioridade. Tal o caso das cobaias. Criamos cobaias e usamos cobaias em laboratórios porque julgamos ter este direito e julgamos ter este direito por sermos superiores. Bem, no caso do consumo há um atenuante, o abate humanitário. No caso da cobaia a produção de dor e sofrimento é intencional.
Interlocutor - Tal distinção jamais me havia ocorrido, agora quanto a tomar o que é agradável como critério em matéria de juízos éticos sempre me pareceu problemático.
Eu - Me parece bem mais do que problemático. Afinal a quem sinta prazer em matar, torturar, estuprar, humilhar, oprimir, etc
Interlocutor - De modo que o agradabilidade não produz direito.
Eu - Nem poderia e por isso editamos outra justificativa, segundo a qual somos superiores aos animais.
Trata-se dum discurso - caso estabeleçamos sua arqueologia - antes deslocado do que discutível e que foi produzido antes mesmo de que a ciência viesse a ocupar o espaço que ocupa na sociedade contemporânea. Discurso segundo o qual o homem não seria um animal mas uma criatura a parte ou diferenciada de todas as outras. O que reporta necessariamente ao mito do gênesis ou a criação fetichista do mítico Adão, apresentando como dono ou proprietário de todos os animais.
Interlocutor - No entanto desde Darwin...
Eu - Sim, sim, desde Darwin foi o homem integrado a natureza e apresentando como um animal, inda que racional por apresentar cercas capacidades em termos de abstração. É no entanto um mamífero e primata, aparentado com os demais mamíferos, cujos genes trás em si.
Grosso modo nossa única superioridade face aos demais mamíferos nossos parentes é a de elaborar pensamentos tanto mais complexos ou raciocínios o que paradoxalmente conduz-nos a questionamentos éticos em termos de princípios e valores e a uma vida ética. Somos consumidores de carne e matadores de mamíferos capazes de questionar o consumo de carne, pelo simples fato de sermos capazes de nos identificar com nossos parentes mais próximos. Temos consciência de que as formas mais complexas do reino animal, em especial os mamíferos são bastante sensíveis a dor, e mais ainda, somos perfeitamente capazes de nos colocar no lugar deles e de nos compadecer. Portanto nossa única e decantada superioridade equivale justamente a um padrão de consciência tão refinado a ponto permitir que problematizamos nossos alimentares...
Somos superiores porque capazes de submeter nossos hábitos alimentares a um escrutínio ético, coisa que certamente mamífero algum, enquanto espécie é capaz de fazer.
Interlocutor - Já sei porque as vezes me sinto canibal...
Eu - O fato é que poucos de nós estão dispostos a levar adiante ou as últimas consequências este tipo de reflexão. Por isso batemos o pé e declaramos ter o direito de torturar uma pequena cobaia, um macaco, um gato ou mesmo um cão ou um cavalo. Mas de que decorre este suposto direito? Temos de beneficiar nossa espécie!!! Sim, mas parasitando outras? É lógica de lombriga ou ancilóstomo não de um ser racional. Somos superiores... Só se for em sadismo...
Sei que a reflexão sobre o uso de cobaias é desconfortável.
Injeção também é, mas também é necessária.
Em que somos superiores as pequenas cobaias ou aos animais que acometemos em nossos laboratórios infringindo toda sorte de sofrimentos?
Interlocutor - Em poder ou força?
Eu - Acertou em cheio. Não torturamos as cobaias porque exista qualquer direito natural que nos autorize a faze-lo mas apenas porque queremos e podemos. A lógica dos experimentos científicos com o objetivo de beneficiar nossa querida espécie, é o direito do mais forte. Nada mais venenoso... Direito do mais forte é tese que reporta ao darwinismo social, a Nietzsche e enfim a Hitler e ao nazismo. Não fazemos isto ou aquilo porque é justo ou direito mas apenas e tão somente porque podemos e queremos. Tal a origem de todas as agressões, conflitos e guerras de conquista e dominação. Como as cobaias são mais fracas do que nós, como os animais são indefesos...
Certamente não temos diante de nós um bom caminho.
Por outro lado, caso levássemos a ética a sério, proibiríamos o uso de cobaias sob quaisquer pretextos, mesmo que disto decorresse uma diminuição no ritmo da pesquisa e produção científica e isto pelo simples motivo de que o supremo valor de uma Sociedade humana não pode ser a produção científica ou a aquisição do conhecimento, mas o respeito por todas as forças de vida. Implica admitir uma escala de valores e o primado da ética, coisa de os cientificistas não podem admitir.
Eis uma via porque a ciência é contaminada na fonte convertendo-se ela mesma em abuso.
Felizmente há diversas áreas da pesquisa científica que não fazem uso de cobaias. Neste caso a investigação em si mesma é, como já dissemos, sempre um bem.


FIM

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Tópicos de filosofia grega: adiaphoras ou bens naturais?

Uma das questões mais discutidas pelos filósofos gregos e romanos diz respeito a categoria de coisas a que classificaram como adiaphoras ou neutras moralmente falando.

Assim a saúde, a beleza, a riqueza, a fama, e seus opostos a enfermidade, a fealdade, a pobreza e a obscuridade.

Convém no entanto adiantar que se tratam de coisas diferentes; pois enquanto a saúde e a beleza e seus contrários não dependem da livre vontade, a riqueza conquistada e a glória adquirida pertencem a esfera da atividade livre.

Distinguamos portanto, da saúde, da beleza e de seus contrário a riqueza e a glória e seus contrários, reservando o exame destas duas últimas situações para outra ocasião.

Implica saber se saúde e beleza, enfermidade e feiura correspondem a algum tipo de bem, ou se são de fato coisas neutras, i é, adiaphora.

Para tanto convém esclarecer que até mesmo os adeptos da 'adiaphora', como Crisipo de Soli, admitiam que as pessoas comuns ou sem trato filosófico costumavam referir-se a tais condições dadas como a bens.

Não estamos querendo dizer com isto que tais bens possuam 'valoração' moral ou ética derivada da livre vontade. Não escolhemos nascer saudáveis, enfermos, belos ou feios. Tratam-se de condições dadas pela natureza e dela recebidas. Outro é o caso das enfermidades produzidas por qualquer tipo de excesso relacionado com a fruição dos apetites sensíveis. Estas podendo em certa medida ser evitadas podem vir a possuir uma conotação moral.

Por outro lado não é por pertencer a a esfera da natureza que tais 'elementos' deixam de ser bens. Bens naturais, comuns, remotos e condicionais. Naturais devido a seu caráter não volitivo. Comuns porque saúde ou enfermidade, beleza ou feiura correspondem a estados compartilhados por imenso número de pessoas. Remotos porque não pertencem a esfera superior da moral ou da ética e condicionais porque a ausência deles impede ou dificulta o acesso aos bens superiores ou o exercício da vida virtuosa.

Assim a vida ou a existência é bem primário ou primordial na medida em que concede acesso a todos os outros bens, a plena realização das potencialidades, a aquisição da virtude e a perfeição moral. Neste sentido, enquanto condição 'sine qua nom' aos demais bens não pode a vida deixar de ser encarada com um bem. Um bem de categoria ou caráter inferior, no entanto um bem. Em que pese ser mal utilizado por alguns.

Assim os apetites sensíveis são bens na medida em que concorrem para a conservação da vida.

Assim a integridade física dos sentidos também corresponde a um bem na medida em que nos permite entrar em contato com a realidade e conhece-la. Nem podemos deixar de encarar a falta da visão, da audição, do olfato, do paladar ou do tato, como verdadeiros males na medida em que servem de obstáculo a assimilação da realidade. Uma vez que o fim de nossa existência é a aquisição do saber a cegueira e a surdez não podem deixar de serem males por limitarem nosso acesso ao saber e assim a dor quando intensa e constante a ponto de dispersar a concentração dos sentidos e impedir o aprendizado.

Não se tratam de bens em si mesmos ou de bens absolutos; mas de bens na medida em que servem de acesso a outros bens. Assim de bens relativos. Pois sempre se pode fazer mal não apenas da vida e da saúde mas até mesmo dos conhecimentos relativos a natureza. Por isso que o conhecimento é bem relativo na medida em que esta de acordo com a natureza e não absoluto, pelo fato de sempre poder ser usado para causar dano ou prejuízo ao semelhante.

Tampouco podemos descrever a enfermidade ou a fealdade como males absolutos pelo simples fato de não nos poderem induzir a cometer injustiça ou prejudicar nossos semelhantes.

Antes a dor física em algumas situações tem tido o condão de fazer com que alguns homens descartassem a opinião materialista, aproximando-se do Uno e abraçando a virtude. Ora uma dor capaz de tornar o homem reflexivo e consequentemente melhor merece ser classificada como um bem. Porquanto de algum modo dispôs o sujeito ao sumo bem.

Nem podemos negar que qualquer categoria ou tipo capaz de aproximar os homens da perfeição moral, converta-se ela mesma num bem por conexão ou relação com o bem. Tudo quanto serve de acesso ao bem supremo, merece ser considerado bom. Assim as adiaphoras nada tem de neutras ou de inuteis, antes correspondem a algum tipo de bem quanto a ordem da natureza, e ascendem na escala do bem na medida em que aproximam o homem de seu fim mais excelente que é a posse da virtude.





quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Tópicos de Filosofia grega - Ética: a virtude e o prazer; em busca da síntese.

Exposição



Segundo Aristóteles o homem existe para a felicidade: "A felicidade é o bem para que tendem todos os outros atos e o impulso intencional de nossas motivações." .Esta doutrina recebeu o nome de Eudemonismo, pois toma a felicidade por fim.



Ora esta definição comum em nada nos satisfaz uma vez que os próprios hedonistas admitiam ser a Felicidade o bem maior ou a destinação final dos atos humanos. Importa saber o meio porque tal fim era atingido ou aquilo que tornava o homem verdadeiramente feliz.



Aristóteles, aqui seguindo a Platão e a Sócrates, classifica os atos aptos para produzirem a felicidade como VIRTUOSOS. Para Sócrates, Platão, Xenócrates, Aristóteles, etc a felicidade esta diretamente relacionada com a ARETÉ ou virtude.
Consideravam ainda que existiam diversos tipos de virtudes e procuravam organiza-las hierarquicamente. Sócrates e Platão ao que parece colocam a Justiça em primeiro lugar. Já Aristóteles colocava em primeiro lugar a contemplação da verdade pelo intelecto ou a posse do conhecimento. 

Crisipo, Seneca e Epicteto, estoicos, indicaram igualmente que o fim último da criatura racional fosse a posse da felicidade. A qual segundo o fundador da Escola era atingida pela prática da virtude ("O verdadeiro Bem pode consistir apenas na posse da virtude!"), compreendida por eles como qualquer ação empreendida em coerência com a natureza (Cleanto de Assos). Agir naturalmente ou segundo a natureza era para eles, agir virtuosamente. Enfatizavam no entanto a posse da serenidade ou impassibilidade, mesmo diante de situações dolorosas ou trágicas.

Os estoicos não podiam encarar a dor física como mal supremo ou mesmo como mal, mas como adiaphora ou coisa neutra. A respeito da saúde, da beleza, da glória, da riqueza, da doença, da fealdade, da obscuridade e da miséria i é dos bens/males naturais ou transmitidos, costumavam declarar a mesma coisa. Esta proposição foi ao que parece tomada a Platão Espeusipo. Xenócrates parece ter sido o primeiro a classifica-las como bens inferiores ou de segunda classe, isto na medida em que eram virtuosamente administradas em comunicação com os bens superiores.

Crisipo opinava que as pessoas vulgares e hostis a Filosofia tomavam tais dadivas naturais por bens preciosos, acrescentando que o sábio apenas deles se servia com moderação, subordinando-os a uma direção virtuosa ou que não se deixava afetar por eles. 

Os cínicos mantiveram a opinião de Platão ou Sócrates. 

Já os hedonistas sustinham que a felicidade tinha sua causa na fruição do prazer.



Mas não estavam de pleno acordo a respeito de qual gênero ou categoria de prazeres estava posto para a aquisição da felicidade.

Assim Arístipo de Cirene, pupilo de Sócrates, afirmou que a fruição dos apetites carnais ou sensitivos como comida, bebida e atividade sexual constituíam o sentido da vida humana e que a dor, incluindo a dor física, correspondia ao mal supremo. Teodoro de Cirene e Exegias também assumiram este ponto de vista.

Escolasticamente cumpria verificar quais fossem os prazeres mais intensos e duradouros.

Epicuro também afirmou o prazer como sumo bem a ser desejado pelos mortais. No entanto sua ideia de prazer parecer ser bastante afim da ideia aristotélica de Felicidade, de modo geral ele associa este prazer espiritual ou felicidade não apenas com a ausência da aponia ou dor física mas sobretudo com a ataraxia, definida como imperturbabilidade da alma adquirida por meio do auto controle. O sábio estabelecia uma espécie de hierarquia de prazeres, fruindo cada qual deles com certa moderação até que já não podia ser atingido pelas circunstâncias exteriores a si.

A princípio Epicuro parece ter dado bastante valor a saúde corporal, posteriormente no entanto parece ter colocado a amizade acima dela, o que ainda aqui reporta a Sócrates.

Já o estóico Cleanto de Assos parece ter chegado as vias do maniqueísmo, classificando a fruição do prazer como "Oposta a natureza" e "Nociva" 



Desenvolvimento

O primeiro aspecto que nos chama a atenção aqui é a convergência de sentido entre Felicidade e Prazer.

Nem podemos deixar de encarar a Felicidade como algo agradável ou prazeroso.

Tudo quanto podemos dizer é que a Felicidade corresponde a um tipo de prazer tanto mais complexo e refinado. Um tipo de aestesis ou sensação difusa na pessoa como um todo e presente tanto no intelecto quanto no corpo físico. Uma espécie de prazer considerado pelo intelecto e consequentemente ampliado e aprofundado, chegando a constituir um 'estado de espírito' ou modo de ser.

Podemos defini-la ainda como um bem estar ou consciência de bem estar.

Seja como for nenhuma destas definições afasta-se demasiadamente da noção de prazer ou deleite.

A felicidade é sempre algo deleitoso, agradável ou prazeroso e nem podemos pensar doutro modo ou maneira.

Assim se compreendemos felicidade como prazer, a tão decantada oposição entre eudemonismo e hedonismo perde toda sua força.

Examinemos agora a questão dos prazeres.

Para que não tomemos a felicidade pelo que não é.

Antes porém convém analisar a questão da conformidade das ações com a natureza.

Isto porque da satisfação de algum instintos parece quase sempre resultar uma sensação prazerosa.

De fato os instintos parecem estar voltados para determinados fins, grosso modo para a contemplação de certas necessidades imperiosas ditadas pela natureza, a qual para estimular esta contemplação, decretou que a satisfação de tais necessidades correspondesse sempre a uma sensação prazerosa.

Assim após a satisfação de cada apetite resulta uma sensação deleitosa ou certo bem estar.

Do ponto de vista da natureza é o prazer grande benefício. Pois sem este tipo de sensação os organismos em sua fase mais primitiva e inconsciente, quiçá não se sentissem impulsionados a satisfazer suas necessidades essenciais, de que resultariam graves consequências. Nem podemos deixar que reconhecer que a satisfação dos apetites é benéfica tendo em vista a manutenção da vida corporal ou física, e que esta é condição 'sine qua nom' para o exercício da virtude.

De tais relações resulta que ao menos remotamente o prazer apetitivo, sensório ou corporal é um bem enquanto ponto de partida necessário para a posse de outros bens. É bem relativo, secundário e remoto mas mesmo assim um bem como anteviu Xenócrates. Nem se pode, dentro do quadro geral da vida, classifica-lo como Cleanto, ou seja, como um tipo de mal.
No entanto quanto a criatura adulta, desenvolvida, racional e livre também não podemos encarar a fruição dos prazeres apetitivos como o bem supremo ou a chave da felicidade. Cumpre advertir no entanto que de certo modo a felicidade esta relacionada com os ideais acalentados pela pessoa ou com a mente.

Assim para a mente carnal, limitada, vulgar, grosseira, primitiva, etc o ideal de felicidade poderá consistir na fruição dos prazeres apetitivos ou sensoriais e resumir-se em comer, beber e procriar; isto pelo simples fato de ignorar outras possibilidades ou tipos de prazer, quais sejam os de categoria intelectual ou ética. Nem todas as pessoas, por uma questão de formação, são capazes de deleitar-se ao contemplar uma quadro ou escutar uma sinfonia. São incapazes de frui-lo ou de percebe-lo porque não foram educadas para isto... e isto não faz sentido para elas. Concentraram suas energias nos apetites e assim só são capazes de captar os prazeres produzidos pela satisfação dos mesmos.

Quero dizer com isto que alguns tipos de pessoas podem ser sentir felizes ou auferir uma sensação de bem estar apenas com o beber, o comer e o transar; e nem podemos declarar que a felicidade delas seja menor ou inferior a que é sentida por nós ao contemplar um edifício de linhas harmoniosas ou a assistir um espetáculo teatral. Não há um aparelho com que se possa mensurar a felicidade. O máximo que podemos dizer é que somos capazes que fruir uma gama maior de prazeres, parte dos quais ignorados por elas.

E como a felicidade fruída por elas não contempla todos os aspectos do ser ou da personalidade - ignorando o racional e o ético - podemos cogitar que a nossa seja mais vasta e constante. Quanto a dor já atinamos ser boa em algumas circunstâncias. No entanto é certo que dela fugimos e mais ainda da enfermidade, a qual sendo crônica ou incurável não pode ser classificada como algo bom. Tampouco podemos concebe-la como um mal absoluto, mas apenas como um mal relativo caso não nos leve a praticar voluntariamente uma ação prejudicial ou danosa.

Uma coisa parece certa: aquele que aprende a fruir outras formas mais refinadas de prazer como a contemplação do belo (música, teatro, poesia, etc) ou a amizade parece ter encontrado meios com que aliviar os tais males relativos procedentes do corpo físico. E quando o corpo físico declinar terá feito boa provisão... queremos dizer com isto que bem poderá consolar-se da insensibilidade do paladar, da frigidez ou da impotência sexual ouvindo belas canções, compondo poesias, pintando, desenhando, esculpindo, exercendo voluntariado, etc Assim não ficará exasperado, como aqueles que perdendo tais sensações ficaram privados de todo e qualquer tipo de sensações prazerosas.

Eis porque é proveitoso ampliar desde cedo o sentido do prazer.

Por outro lado não podemos deixar de reconhecer que mesmo a fruição dos prazeres apetitivos numa perspectiva natural comporta certos riscos ou perigos que devem ser considerados por ocasionalmente exigirem de nós a abstenção, a contenção e consequentemente o treino ou adestramento, caso desejamos evitar o mal maior da dor, o desastre ou a ruína. Nem sempre a criatura racional poderá satisfazer os apetites alheio a quaisquer circunstâncias de carater externo, o que nos encaminha mais uma vez a questão da hierarquia dos prazeres e da temperança ou sobriedade.

Caso nos tornemos escravos dos apetites por força do prazer e do bem estar podemos sempre estar entrando por um caminho áspero. Daí a necessidade de certo auto controle, resistência ou autonomia; enfim certa dose de liberdade. Na qual pode estar nossa redenção ou melhor preservação.

Todos precisamos de água para beber e devemos bebe-la de tempo em tempo sob pena de perecer. No entanto caso tenhamos acesso a algum tipo de água contaminada faz-se mister evita-la e buscar por qualquer outra reserva ainda que sejamos prezas da sede. Em tais conjunturas os que por hábito resistirem e forem capazes de esperar por outra provisão, no caso saudável; terão escapado a morte ou a algum tipo de enfermidade dolorosa... é sempre mais vantajoso esperar um pouco mais e ingerir água pura do que água suja, mas isto dependerá sempre do hábito.

O mesmo se dá com o alimento.

Aqueles que passarem por situações de fome ou privação por um tempo determinado após o qual haverão de receber alimentos bons, muito lucrarão de durante o tempo da privação abstiverem-se de alimentos venenosos, deteriorados ou contaminados pelas mesmas razões acima expostas.

Por fim quem de nós haverá de negar que é melhor abster-se de transar do que transar com pessoas enfermas sem preservativo??? Expondo-se a contrair AIDS ou Hepatite...

Mesmo em caso de dúvida seria melhor abster-se.

Tendo em vista futuras situações de dor e morte.

Concluímos certificando que nem sempre a fruição do prazer e a decorrente sensação de felicidade ou bem estar corresponderá a um verdadeiro bem, uma vez que deste bem decorrerão males muito maiores! No caso apenas a abstenção ou a privação equivaleria a um verdadeiro bem.

Epicuro foi quem intuiu tais coisas ao declarar que era melhor fugir a excessos ou exageros quanto a satisfação dos apetites e a decorrente fruição do prazer durante a juventude, tendo em vista a conservação da saúde por mais tempo, especialmente durante a velhice.

Este pensador parece ter percebido que a concentração na fruição do prazer pelo prazer, desvinculada dos fins naturais a que tendem e a satisfação da necessidade, parece parece estar relacionada com a deterioração precoce do corpo físico ou com a perda da saúde e a consequente manifestação da enfermidade e da dor. Inferindo que a fruição dos prazeres apetitivos devia ser exercida moderadamente ou em conexão com seus fins. Assim dizia Sócrates o que come deve ter em vista não apenas o sabor mas antes de tudo a satisfação da fome e o que bebe ter em vista não o gosto mas a extinção da sede. Classificava os que bebiam sem ter sede e os que comiam ser ter fome, jungidos pelo gosto ou pelo paladar como escravos dos sentidos.

Não se trata aqui de negar o prazer na perspectiva de Cleantes e dos maniqueus, mas apenas e tão somente de situa-los no contesto mais amplo da existência e do fenômeno humano. O que se contesta aqui é do comer, beber ou transar encarados como sentido da vida. Assim a gula, a embriaguez ou a lubricidade e não a alimentação ou a sexualidade.

Em tais casos é necessário manter uma visão sóbria e equilibrada. E contemplar o homem como um todo!

Importa saber que não podemos confundir - como Aristipo, Teodoro, Exegias e os modernos - a posse da felicidade em sua acepção mais ampla e profunda com a fruição descontrolada dos apetites ou o prazer sensorial.

Podemos admitir que no contesto de uma vida virtuosa, ela corresponda a um bem de condição inferior, mas não ao bem superior ou a virtude, uma vez que esta só existe no plano da liberdade ou da escolha. Aqui apenas o celibato tocaria a virtude, caso fosse posto a serviço das virtudes superiores como a causa da justiça por exemplo. Mesmo enquanto opção livre esta 'virtude' jamais deixaria de ser um meio para tornar-se virtude em si mesma.

E sempre alguém poderia cultivar a vida celibatária tendo em vista consagrar-se a atividades viciosas. Como aquele que se torna-se celibatário tendo em vista amealhar mais dinheiro e juntar fortuna superior a dos demais.

É o que temos por hora a declarar sobre o prazer, o bem, a virtude e a felicidade.

Resta-nos agora examinar a questão da utilidade.