Longe de nós negar a propriedade da crítica marxista em termos de estrutura material ou meios de produção.
Cuidamos no entanto que o marxismo por defeito estrutural jamais poderia ter posto, como não pôs, o dedo no fundo da ferida do capitalismo.
Deslindou o seu ser mas não quis tocar e não tocou as fontes deste ser.
Fontes que segundo cremos encontram-se no coração do homem.
Kafka sem querer chegou bem mais perto da verdade quando escreveu: "Capitalismo não é apenas uma certa 'ordem' presente no mundo mas UM ESTADO DA ALMA."
Recôndito em que o materialismo crasso não pode penetrar!
Tudo quanto Marx escreveu de válido e verdadeiro, escreveu sobre um epifenômeno cuja causa mais remota acha-se no interior do homem.
Em certo sentido somos levados a concordar com os liberais quando dizem que o homem possui um instinto inato para o capitalismo. Queremos dizer para o acúmulo ou a avareza. Quiçá seja este instinto que os antigos nomearam por pecado original...
Cônscias de tal instinto destrutivo as sociedades primitivas no dizer de Karl Polainy conceberam e estatuíram instituições sociais com o objetivo de conte-lo ou reprimi-lo. A religião em especial foi estabelecida com o intuito de levar o homem a sublimar tais tendências, dirigindo-as para outros setores da existência quais fossem as artes e ciências: a poesia, a música, a pintura, a escultura, a filosofia, etc
O reino do espírito é que impediu as gerações do passado a mergulhar no abismo da materialidade absoluta.
Haviam certamente 'Homens carnais' que ignoravam as 'coisas do espírito'. Estes no entanto eram discretos e não estavam dispostos a enfrentar uma opinião pública pautada nos decretos da autoridade religiosa.
Por incontáveis séculos a religiosidade cumpriu com sua função social. convencendo a maior parte dos seres humanos de que sua destinação encontrava-se na dimensão da imaterialidade e que seu fim último era o sagrado.
Enquanto a religião foi capaz de cumprir sua relevante missão i é de informar o homem sobre o verdadeiro objetivo desta vida, as relações de caráter econômico, mantidas dentro de seus limites eram encaradas como uma parte apenas do todo...
No momento em que certa instituição religiosa falhou miseravelmente por estar muito abaixo da função que lhe fora dada, o econômico sobrepôs-se as demais esferas da existência afirmando-se como superior. A esta revolução silenciosa, ocorrida a nível das consciências; a esta falência espiritual... a estar crise religiosa é que se deve a gênese do economicismo contemporânea.
Não foi por mero ou simples acaso que o capitalismo sucedeu a reforma protestante. Sendo seu advento concomitante ao da incredulidade, da indiferença ou da irreligião.
Na medida em que a pseudo reforma cuidava em adquirir os antigos privilégios concedidos aos catolicismos sem apresentar qualquer contrapartida em termos sociais poderíamos seguir 'pari passo' os caminhos desta grande decepção espiritual, ao termo dos quais parte da sociedade européia cessou de ser Cristã. Sem que com isto se torna-se judia ou maometana mas cética ou descrente e, consequentemente materialista.
Agora não podia este materialismo satisfazer os anseios de um coração cujo objeto é por assim dizer o ilimitado.
A transferência do sentido ou da busca pelo ilimitado para o plano material, resultou naturalmente na doutrina do lucro máximo ou do acúmulo irrestrito de bens materiais. Pois os objetos materiais e limitados são sempre incapazes de satisfazer as mais intimas aspirações de nossa natureza...
Importa saber que as pretensões do liberalismo econômico são tão utópicas quanto as do paraíso marxista...
As aspirações religiosas do homem jamais poderão ser completamente satisfeitas por coisas ou objetos materiais. Daí essa busca incessante que jamais chega ao fim! Daí essa febre do ouro que jamais abaixa! Daí esse acumular de bens sempre incapaz de serenar ou apaziguar o espírito...
Quanto mais este homem tem mais quer porque na verdade o que quer, o que deseja, o que procura é o ilimitado, o sagrado, o numinoso, o transcendente... e essa 'fome' espiritual só pode ser saciada quando entre lágrimas e suspiros o homem reconhece-se a si mesmo como destinatário de uma vida superior...
Enquanto considerar a si mesmo como entidade puramente material e o universo que o rodeia como formado apenas por partículas materiais, este homem buscara satisfazer suas necessidades religiosas materialmente e não haverá dinheiro, riqueza ou fortuna que lhe baste. O dinheiro será o seu deus! No entanto o dinheiro por ser material é limitado... daí o sujeito querer ter sempre mais!
Uma aspiração ilimitada por seres que são por natureza limitados é algo que não se encaixa.
Produz uma demanda utópica... incapaz de ser satisfeita.
Deve o homem buscar sua realização integral; quanto ser material e espiritual.
Deve buscar pão para a boca ou relativo conforto material; sem perder de vista o pão do espírito: a música, a poesia, o drama e por que não a prece, a liturgia?
Qualquer desequilíbrio, num ou noutro sentido, produzirá consequências destrutivas...
O áthos capitalista, infenso a qualquer tipo de limitação ou barreira, possui este selo ou distintivo sagrado e espiritual posto sobre o elemento errado.
É uma inversão espiritual, uma religiosidade, uma mística, um culto voltado para a dimensão material da realidade.
Culto em que a matéria assume o lugar do Supremo Ser... tornando-se divina.
Declaram os liberais que o comunismo é uma religião.
Reverto a acusação e declaro em nome da religião, que o capitalismo é uma religião da qual o comunismo é um cisma!
Religião do lucro, do capital, do dinheiro, do acúmulo... a qual afirmou-se após o colapso de parte da Cristandade, a saber, da Cristandade protestante.
Foi a falência do protestantismo e sua imperícia no sentido de afirmar os princípios e valores autenticamente Cristãos que possibilitou o surgimento de uma nova ordem materialista economicista.
Uma vez que o Cristianismo antigo corresponde ao tipo de religiosidade mais evoluído ou refinado e que o protestantismo apresentou-se desde o princípio como um retorno a esse padrão, como esperar que após a falência do protestantismo, os homens voltassem seus olhos para qualquer outro tipo de responsabilidade.
Grosso modo os protestantes, mais do que seus rivais os Católicos, acreditavam ter percorrido até o fim ou até os últimos limites os domínios da religião revelada.
Sendo assim, a ruptura com o fé ancestral, lançou-os nos braços da irreligiosidade, a princípio do deísmo, em seguida do agnosticismo, até que por fim do materialismo e do ateísmo no século XIX.
Neste contesto abriu-se a jaula, ficando 'livre' a ambição ou a avareza...
E livre pode alastrar-se impunemente. A ponto de pautar as relações humanas e produzir 'cultura'.
Agora como não podia este homem destruir sua FITRA, fez com que esta fosse voltada para a aquisição de bens materiais... de que resultou a religião do Mercado ou fé no dinheiro.
E esta fé ou ideia encarnou-se como o Cristianismo antigo (ao menos em parte) mas estruturas materiais de produção ou meios de produção capitalistas.
Grosso modo jamais deixamos de assistir a uma sucessão de credos. Uns religiosos e espirituais como Catolicismos e protestantismo, outros materiais ou econômicos, como o capitalismo e o comunismo. A expressão bem pode ser econômica, o móvel no entanto, inda que inconsciente, é a fitra, ou a busca pelo sentido, no lugar errado!
Tal percepção ajuda-nos a compreender porque o capitalismo tal e qual o Comunismo a que vive acusando, jamais foi capaz de produzir uma Ética humanista... seguindo pelos caminhos da democracia puramente formal, dos fundamentalismos, do nazismo, do fascismo, do anarco individualismo... ou seja pelos caminhos tortos das culturas de morte.
Aqui o veredito luminoso de Edmundo Scherer:
"Saibamos nós ver as coisas como de fato são: a Moral, boa, verdadeira, antiga, imperativa, TEM NECESSIDADE DO ABSOLUTO; ASPIRA A TRANSCENDÊNCIA, NÃO ENCONTRA SEU PONTO DE APOIO SENÃO NO SAGRADO... A CONSCIÊNCIA É COMO NOSSO CORAÇÃO; PRECISA DE UM ALÉM. O dever ou é sublime ou não é e a vida torna-se frívola sempre que deixamos de observa-la pelo prisma da eternidade." "Études sur la litterature contemporaine" VIII p 182 sgs
Nenhum comentário:
Postar um comentário