quarta-feira, 26 de setembro de 2018

O critério da boa política 'sicut' Aristóteles

Segundo o pensamento contemporâneo é a forma que dá legitimidade a política, no caso a forma democrática. Para os teóricos da modernidade a democracia corresponde a uma espécie de estrutura 'Revelada' ou sagrada e sua negação, seja por via da aristocracia ou da monarquia equivaleria a uma heresia.

Claro que os ingleses que são um povo por temperamento tradicional, em dado momento de sua História formularam um sistema eclético chamado parlamentarismo. Por essa solução mantem-se a velha forma monárquica, esvaziada do poder e implementa-se uma democracia.

As demais Sociedades optaram por soluções mais drásticas. Baniram a monarquia ou a aristocracia, como se queira, e estabeleceram o que chamamos de República mas que é na verdade o presidencialismo, se bem que mais tarde tenham se produzido um sincretismo entre a República e o Parlamentarismo.

Os EUA adotaram o modelo republicano presidencialista, organizado-o a sua moda. E endossaram a fórmula de Rousseau segundo a qual a soberania parte sempre da vontade popular ou que todo poder pertence e parte do povo, ao qual cabe escolher representantes para si, efetuando a transferência de poder por meio do voto ou das eleições, o que em suma remonta a John Locke. J J Rousseau no entanto insiste na vontade popular enquanto critério de legitimidade. Parece que o genebrino jamais cogitou que a vontade popular pudesse optar conscientemente pela tutela do Rei, e pior, que uma vontade popular desorientada pudesse optar pela guarda de um déspota, tirano ou ditador. Claro que ele sequer podia cogitar na teoria Freudiana sobre o sentimento de culpa ou o masoquismo.

As coisas de fato são assim e nossos juízos incidem quase sempre sobre as formas políticas. Até certo ponto isto não é um problema e alguns tem ensaiado justificativas interessantes. O problema e o grande problema é que em matéria de democracia nos habituamos a identificar nossas formas e nossos juízos com os dos antigos gregos, falseando a História.

Claro que não havia um juízo unitário entre eles, mas opiniões divergentes.

No entanto mesmo sem ser predominante a de Aristóteles era certamente uma das mais conhecidas e discutidas.

Grosso modo podemos dizer que Sócrates, Platão e Aristóteles não partilhavam deste nosso fervor em torno da forma democrática. Eram bem mais realistas, ao menos o primeiro e o terceiro, e todos os três, certamente, muito bem intencionados.

Sem chegar a ser um anti democrático Sócrates destacou-se como crítico da democracia leviana. Por democracia leviana queremos dizer aquela em que os cidadãos não precisam de preparo algum para participar, e que franqueava tudo a todos. Para Sócrates a escolha devia se dar entre homens dignos e as candidaturas abertas a todos que buscassem dignificar-se pelo saber, pela habilidade, pela perícia... Temos aqui uma democracia responsável ou com condições e certamente um tema bastante atual. Afinal a inserção das massas na democracia - das massas incultas e despreparadas (sic) - sempre poderia degenerar em Oclocracia.

Platão como todo sabem não acreditava nas formas democráticas, e sim o ofício do ditador/educador, tendo inclusive chegado a crer numa organização social fixa e imutável conforme o modelo das formigas ou termitas. Nesta Sociedade desigual a chave seria a colaboração entre as castas.

Aristóteles não é nem democracista nem adversário a democracia. Mas ele não acredita que qualquer modelo de política deva ser julgado pela sua forma. Homem genial ele imaginava que cada cultura, povo ou nação haveria de identificar-se como determinada forma. Melhor dizendo - Acreditava que qualquer grupo social podia tentar compor e recompor as três formas ecleticamente e assim produzir uma forma adequada a sua realidade. E desconfiava das soluções tipo bula de remédio ou receita de bolo.

Quanto a julgar as formas ou estruturas a demanda por um critério fez com que ele conceitua-se o que chamamos de 'Bem comum'. Desde então a política de modo geral foi conectada com a doutrina do bem comum, em oposição ao interesse particular. Foi Aristóteles que acenou com uma distinção mais nítida entre o objeto da política ou o que chamaríamos de público - em latim 'res publica' coisa pública - e o que chamaríamos de privado e que posteriormente seria reservado a ação pessoal.

É o BEM COMUM aquilo que é útil ou benéfico a todos os habitantes de polis i é da cidade.

Conforme a doutrina do Filósofo existiriam três formas ou estruturas, ambas politicamente admissível ou aceitável e três formas corruptas ou adulteradas que corresponderiam a um desvio por parte das formas aceitáveis. O padrão que separaria umas das outras seria, como já foi dito, o bem comum.

Segundo aduzimos de seus escritos a Monarquia corresponderia ao governo de um só homem, tendo por objetivo O BEM COMUM. E este objetivo a faria legítima. A Aristocracia corresponderia ao governo de parte ou de alguns tendo em vista O BEM COMUM. Já a Democracia corresponderia ao governo de todos ou da maioria tendo em vista o mesmo BEM COMUM.

Em oposição a estas formas teríamos a Tirania, que seria o governo de um só tendo em vista seus interesses particulares. A Oligarquia seria o governo de alguns tendo em vista os mesmos interesses particulares. A Demagogia enfim seria o governo de muitos tendo em vista o mesmo fim, a saber, interesses particulares.

Por ai se vê que Aristóteles partilhava da crença de Platão quanto a possibilidade de um monarca, absoluto inclusive, interessar-se pelo bem estar ou pela qualidade de vida dos cidadãos. Como acreditava que um grupo qualquer fosse capaz de encarnar este ideal de abnegação.

Necessário dizer que partindo de semelhante juízo fica impossível estabelecer o dogma da necessidade absoluta da democracia. O máximo é que se pode chegar dentro da linha de raciocínio de Aristóteles é que a democracia, sem ser a única forma autorizada, seria a forma mais segura, eficaz ou excelente pelo simples fato de corresponder a um maior número de cidadãos pensantes, o que nos levaria ao adágio 'várias cabeças pensam melhor do que uma.'. Segundo esta perspectiva a democracia, sem corresponder a única forma ortodoxa, seria a que nos ofereceria melhores garantias. Isto é deduzível a partir do pensamento aristotélico, o jacobinismo radical ou democraticismo, de modo algum.







Carta a um entusiasta da lusitanidade e das letras portuguesas

I - A circulação da cultura, o cosmopolitismo e a distinção entre a cultura grega e a cultura latina

Trocas ou permutas culturais sempre existiram e são certamente o 'motor' da evolução humana. Por meio destas trocas diversos universos culturais entram em choque e se fazem opções e julgamentos, o que pode ser saudável. Se você adota uma linha de análise racional ou científica, embora isto não seja tudo.

Parece ou deve existir uma espécie de seleção natural da cultura. Nós, homens ou pessoas refinadas precisamos de padrões, princípios e valores para julgar as culturas. O curioso é que estes padrões já fazem parte de uma dada cultura. Penso que haja certa objetividade em algumas culturas e que possam, elas e seus elementos, ser organizados hierarquicamente.

Você mencionou a cultura romana. De fato, não poucos, confundem a cultura grega com a cultura romana. E já foi dito que ao conquistarem os gregos pelas armas foram os romanos conquistados pela cultura grega. Isto é verdade, mas apenas em parte. Uma elite, parte de outra elite bem maior, formada pelos melhores romanos, absorveram o pensamento ou como queiram, a cultura grega em sua puridade. No entanto de modo geral não foi assim e temos de compreender isto muito bem para saber o que é e porque é o nosso mundo.

Sim os latinos tem suas virtudes e dou-os, ou seu temperamento por muito superior ao nórdico ou anglo saxão, de cujo bojo saiu o americanismo que hora nos polui e contamina a todos, não só a nós mas a Europa, ao velho mundo, arrancado de suas tradições, cultura e raízes pela reforma e pelo capitalismo. Os latinos eram práticos e excelentes administradores, tinham certas criatividade técnica que faltava aos gregos e sua arquitetura é até mais bela.


II - Humanismos Grego, Romano e Renascentista - Modelos distintos



No entanto esses mesmos latinos eram mais ou menos toscos e impermeáveis a contemplação do espírito. Interessavam-se mais por jogos do que pelo teatro e mais por espetáculos de gladiadores do que por esportes, a ponto de encarar os gregos como um povo degenerado ou corrupto.

Em termos de humanismo os romanos não assimilaram tudo, e o quanto assimilaram obscureceram. Clássica é a exposição de Aulus Gelio sobre a Humanitas romana, retomada pela renascença, e a Humanitas grega ou helênica. Para os gregos o ideal humanista não se restringia a erudição ou as letras, enfim a nossos belos versos de Virgílio ou Stacio, mas comportava o desejou ou a aspiração de beneficiar todos os seres humanos, inclusive os bárbaros ou de, de algum modo, promover o homem, o humano e de promove-lo integralmente.

Os romanos eram neste sentido mais ou menos semelhantes aos Norte americanos, que tratavam seus escravos com mais dureza do que os nossos. Os gregos até onde nos é dado saber eram mais suaves para com seus escravos. Assim quando as batalhas e combates. Os romanos eram mais agressivos, mais insensíveis e mais violentos do que os gregos. Sem chegarem a ser uns individualistas consumados ou terem consciência ideológica disto, eram indiferentes aos sofrimentos e miséria alheias, ao menos durante o declínio do Império e foi este declínio de uma orientação basicamente egoísta ou hedonista.

Veja nobre Wilson que estes romanos, que este ilustri vir escandalizou-se do Cristianismo nascente e dele mofou justamente devido a seu conteúdo fraternalista ou solidário. Estas nova consciência social, que recordava o socratismo, foi muito mal avaliada pelos senhores da cultura latina. Luciano de Samosata, Fronton, Filostrato, Juliano, Porfírio, Jamblico... qual o teor de suas críticas a nova fé? Que os cristãos assistiam os pobres, os aleijados, os enfermos, os escravos, os encarcerados, etc Então já sabes porque o Nazareno foi cognominado Novo Sócrates ou Sócrates redivivo e não novo Cícero ou novo Terêncio, ou novo Plauto. Para os romanos Humanitas era escrever ou falar bem, amar as artes, brilhar nos salões. Eles esvaziaram e empobreceram o conceito grego retomado por Jesus.

Mas a Renascença, após a I Média, retoma o conceito romano, não o grego. E introduz, a parte de benefícios, como a liberdade, a racionalidade, o pensamento científico... uma certa doze de alienação face ao outro. Lamentavelmente, fora as exceções - como S Tomas Morus - este 'vir' renascentista que temos de admirar e aplaudir já não é homem completo ou perfeito, ao contrário do Santo medieval que embrenha-se no leprosário ou cria hospitais, ele se aparta das multidões sofredoras. Claro que a multidão ou a massa é sempre fastidiosa ao homem culto, mortifica-o e penso que até Jesus foi mortificado pelos apóstolos e pelo povo. Mas ele cumpriu seu dever e é nosso exemplo. O Santo medieval é mais sublime do que nosso 'Vir' porque mesmo não sendo instruído identifica-se e compadece-se. Reteve o bem ou a ética, a melhor parte. O homem renascentista ficou com a casca ou com a aparência, i é com a arte ou a beleza, no máximo com uma verdade 'fria', assumiu um legado dos antigos romanos e não dos gregos ilustres. O Kalokagathos é um homem mais completo...
 
III - Tentativas de síntese, afirmação do protestantismo e do capitalismo e a falsa civilização norte americana.


Por um instante dos admiráveis Jesuítas acenaram com este ideal completo de homem completo ou do Kalokagathos. Assumiram o que havia de eterno e sublime na grande Renascença e associaram a ética Evangélica ou Cristã, afirmando um humanismo Cristão. Passou-se isto em algum momento entre os séculos XVI e XVII. Mas, lamentavelmente, não foram estas sementes que desabrocharam e plasmaram a nova cultura. O estrago estava já feito pela reforma protestante e o mundo protestante ou anglo saxão, movido por um individualismo ideológico e consciente, a caminho da nova ordem capitalista. Aquilo foi o dobre de finados para o projeto Jesuíta e mesmo a 'grande portugalidade' ou a Hispanidade apartaram-se logo dele...

As tendências ancestrais ou romanas que definhavam e poluiam a Renascença foram categoricamente reafirmadas pela pseudo reforma e a própria igreja romana, que já chafurdava no pântano do agostinianismo, assumiu a perspectiva solifideista numa proporção cada vez maior. O espiritualismo descarnado ou idealismo, associados ao individualismo crasso produziram uma outra 'civilização' ou uma anti civilização, americanista e de matriz já protestante, já capitalista. Nesta cultura de morte o anti humanismo converteu-se em lei. Deus não foi substituído pelo homem como sonhavam tantos e tantos e sequer pela razão ou pela ciência, mas pelo que há de mais vulgar e rasteiro: O amor ao dinheiro, o capital, o lucro, pelo que chamam de mercado enfim.

Claro que diante deste novo padrão, mesmo o padrão romano ou lusitano, mostra-se infinitamente superior. Os franceses até certo ponto adotaram o programa Jesuítico. Aspiraram produzir um Cristianismo letrado e brilhante. Parte dos anglo Católicos do outro lado da mancha também. Na Inglaterra após a morte do grande W Laud e na França apesar de S Vicente de Paulo, a insensibilidade e a indiferença; senão o hedonismo é que associaram-se as letras, artes e ciências e já não havia consciência social ou humanidade. Nossos Católicos não se deram conta disto, produziram um monstro e prepararam a Revolução, mesmo com toda sua erudição clássica ou refinamento. E tudo isto já apontava para algo ainda pior e mais feio - A afirmação absoluta do individualismo economicista nos séculos XIX e XX.

É incrível mas mesmo parte das elites educadas pela Igreja, não se puderam manter a parte deste fluxo cultural. Os Católicos racionais, racionalistas ou semi racionalistas foram um refresco caso compare-mo-los aos Católicos 'positivistas' ou mancomunados com o cientificismo. Mas isto não era o pior, pois antes de surgiram os malsinados Católicos comunistas apareceram em cena - ideologicamente porque já eram 'velhos' - os Católicos capitalistas ou liberais economicistas que é o tipo mais escandaloso e irreverente pelo simples fato, de segundo J Maritain, relacionar-se com o solifideísmo protestante. Pois são Católicos que cessaram de investir nos irmãos, na caridade, na assistência social, etc para investir no tal mercado ou católicos que trocaram os irmãos pelas riquezas - Católicos materialistas!!! Avarentos! Idólatras!!! Agora diga-me como o Católico poderia deixar de por seu tesouro nos céus??? E de empenhar todas as suas energias na construção de um mundo melhor, mais justo e fraterno; conforma a ótica e ética do nosso Evangelho.

Tudo isto já prenunciava o triunfo fácil do veneno que nos mata e do mal que nos assola - O americanismo!


IV - Crise e conflito de Civilizações: Nossa herança grega X americanismo


A grande luta do século, do milênio, da Era e da civilização não toca ao latinismo ou mesmo ao lusitanismo e o americanismo; exceto quanto a Portugal e Brasil talvez, mas entre nossas fontes e raízes mais remotas - Nossa herança grega, o humanismo pleno (com Ética da alteridade), a Kalokagathia, a autêntica Arete e a pseudo civilização protestante, capitalista e Norte americana.

Advertência que já editamos diversas vezes: Não existe civilização ou cultura Ocidental. O que é vendido como tal é o projeto Norte americano, culturalmente imperialista é claro. Ele não corresponde nem ao projeto latino, nem ao projeto Cristão/Católico, ao projeto helênico ou a qualquer síntese feita a partir destes elementos. Não corresponde a nossa autêntica e legítima cultura. A Nossas tradições e raízes. A nosso legado ancestral... Mas a um elemento estranho, que introduziu a confusão. Vivemos um conflito de culturas, mais do que um conflito de classes talvez. Crise porque temos uma sobreposição de civilizações e culturas. Crise porque temos um agregado artificial de elementos conflitantes. Crise porque temos vivido um sincretismo irracionalista e tosco.

Temos duas culturas em choque ou conflito e temos de afirmar e de gritas e de divulgar isto. Não vivemos o projeto de Sócrates, Aristóteles, Platão ou Jesus... Através dos meios de transporte e comunicação, valendo-se do poder do dinheiro os Norte americanos tem divulgado um outro projeto e vendido como nosso ou como projeto comum do Ocidente - assim sem anti comunismo boçal... É gato por lebre. Nosso projeto é outro e distinto de ambos. É reacionário em grande parte por ser antigo, mas, paradoxalmente, revolucionário e progressista por opor-se a esta confusão ou a este mistifório a que vende por civilização europeia ou comum.

Que há de Dante, Cervantes, Camões ou Tasso nela??? Nada, absolutamente nada e até a arte foi corrompida e obscurecida por meio da arte psicologista ou moderna, santuário do subjetivismo e do relativismo reinantes, frutos de uma cultura ou de uma civilização deterioradas, assim como o ceticismo. Sem querer ser Spengleriano, tudo em nossa volta fala de crise, ruína, decomposição, morte...Vivemos o ocaso da cultura porque a cultura deteriorou em suas novas formas. O Comunismo leva estes germes de morte adiante... Porta os velhos germes de morte do positivismo e do tecnicismo.


V - Os fundamentos religiosos de nossa Civilização e a crise do 'Catolicismo' Ocidental

Certamente que a portugalidade como a romanidade religiosa, foram superiores ao anglicismo e ao protestantismo. Mas, Roma caiu, assimilou modos protestantes - Doutrinas, princípios e valores protestantes. E não podemos ter a ilusão de fazer algo a partir dela.

Portugal e Brasil, e Espanha, e França, e Itália, do passado foram o que foram graças a Igreja romana. Se você abstrai deste elemento nada se produz em termos de cultura.

Veja que estes povos já se tornam protestantes meu caro! Como não queres que ass
umam uma cultura alienígena e de origem protestante cujos elementos são a democracia indireta ou representativa e o capitalismo ou livre mercado? Como escapar a este Imperialismo cultural ou a artificialidade desta cultura sem algo como a Igreja papalina?

Impossível - It's impossible...

O resto da cultura não se sustenta sem o substrato religioso do qual depende. Não vejo esperança de resgatar a latinidade exatamente como era, a hispanidade ou a lusitanidade. Teremos de fazer outras reelaborações com o material a partir de algo mais antigo e seguro - a Igreja Católica Ortodoxa e o Socratismo/Aristotelismo (nossa herança grega). Temos de produzir outra síntese, como diria Toynbee, e opo-la ao americanismo e seus aparelhos e aparato. Teremos de rezar para que se efetue a Mimesis ou para que esta reelaboração seja aceita pelas elites intelectuais e chegue até as massas perpassando todo corpo social. É um desafio e tanto e por isto devemos estar conscientes dele.

Temos de pugnar pela cultura restabelecendo suas fontes, as quais, ao contrário do que disse K Marx, são religiosas. cf Coulanges, Dawson e Butterfield.


VI - O idioma e a poesia não nos salvarão


As linguas comunicam-se, transformam-se, alteram-se, evoluem, declinam, sofrem influxo de outras linguas e do mesmo modo a cultura. A lingua é como uma casca. Importante manter a norma culta para fazer-se compreender e evitar duvidas e conflitos. Mas a lingua não salvará a cultura. A salvação da cultura exige um elemento estável e o mais estável de todos que é a religião e a religião tradicional, especialmente a que afeta 'imutabilidade'. Ela sempre será o melhor suporte para a cultura e por isso precisamos é debruçar-nos sobre o terreno religioso. E decifrar o Cristo, e compreender o Evangelho, e conhecer sua ética, e encarar a crise da igreja romana, e saber o que significa protestantismo, e precisar quando e porque a crise começou. Isto é fazer diagnóstico.

Nem as armas e munições, nem a lingua, nem mesmo o Estado e as leis, produzem a cultura que lhes da suporte. Volte-se para o fenômeno religioso e a esfinge soltará a lingua e lhe falará e quem sabe você poderá fazer algo de grandioso e imortal pela pobre humanidade, assim como Paulo, Fócio, Aquino, Mohler, etc


quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Capitalismo - Posso questiona-lo?


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Quando indagamos se podemos questionar o capitalismo o que queremos saber é se podemos questiona-lo sem ser Comunistas?

Ao menos supostamente, é apanágio do pensamento livre e das instituições democráticas não apenas poder questionar qualquer coisa em foro íntimo como poder expressar tais questionamentos... aqui, chegamos a obviedade e ter de explicita-la já insinua a gravidade do problema.

Vivemos tempos em que o óbvio deve ser muito bem explicado e tempos assim não são dos melhores.

Há quem se julgue bom Ocidental - Civilizado, evoluído, 'moderno', vanguardista... E ignore pressuposto tão caracteristicamente liberal, tendo-o em conta de anarquista ou o que é ainda mais grave, de comunista!!! E no entanto estamos falando sobre um dos fundamentos da nossa civilização, o que basta para evidenciar quão frágeis são tais fundamentos...

Digo, o pressuposto ou o direito de duvidar de qualquer coisa.

Para muitos no entanto duvidar do Capitalismo ou seja de sua viabilidade, de sua dignidade, de sua perfectibilidade, ou de sua suposta eternidade sabe a heresia... O que nos remete ao conceito de Dogma. Para muitos a perfectibilidade do Capitalismo é crença que sabe a Dogma. E há que se ter fé nela para ser um bom cidadão ou homem de bem, ao menos em certos círculos. Do contrário serás um herético... quase nos termos da Idade Média. 

Há todo um misticismo chão em torno do sistema econômico vigente. O qual não condiz nem um pouco com nossos fundamentos liberais...

Após ter aluído o liberalismo político em diversas situações, o liberalismo econômico choca-se contra a mais fundamental de todas as expressões liberais - que é a liberdade de pensamento.

Para muitos pensar contra o Capitalismo ou questionar esta opção é algo intolerável, algo que deveria ser reprimido, punido, castigado... Como nos velhos tempos da inquisição genebrina... que o velho Mc Carthy tentou fazer reviver nos EUA do século XX, sem experimentar maiores dificuldades!

Claro que há quem, fiel a tradição liberal, reconheça aos contrários ou dissidentes, o direito, líquido e certo de duvidar de qualquer coisa, inclusive do Capitalismo. No entanto os que duvidam são sempre e necessariamente, Comunistas ou Bolcheviques.

Mesmo que semelhante dúvida parta do Dalai lama, do Papa Francisco ou de John Gray, eles ficarão sendo vermelhos... Aqui nos meios virtuais do Brasil José Bonifácio, D Pedro II e Getúlio Vargas já foram matriculados na KGB. Freud e - pasmem - Darwin foram os últimos a seres acusados de apoiar o 'Comunismo' e fila certamente conta com Platão, Sócrates, Buda, Confúcio, Jesus, Paulo, os Padres da Igreja, Aquino, Vitória, Morus, Campanella, etc Esperemos os cães de guarda do sistema tornarem-se mais atilados ou imbecis... Maritain, Mounier, Bloy, etc que se cuidem, pois o fanatismo liberal economicista não perdoa seus críticos... levantou dúvidas é comunista ou bolchevique.

Tal o sentido de nossa pergunta: Podemos questionar o Capitalismo ou ser céticos com relação a ele sem ser Comunistas?

Embora tudo nos indique que Sim, e de modo absolutamente claro, sonoro, translúcido e evidente, boa parte das respostas obtidas equivalerá a um sonoro Não. O que como já dissemos é alarmante. Venha donde venham as críticas, partam donde partam, procedam onde procedam, e embora inspiradas em valores diferenciados quais sejam o humanismo socrático, a fé búdica, a Ética católica ou considerações keynesianas em torno da economia pura, serão sempre classificadas como comunistas pelos desonestos.

Isto mesmo querido leitor. Para boa parte dos ocidentais resolvem a questão dualisticamente ou por meio de um dilema: Quem não é capitalista é Comunista e vice versa. E não enxergam qualquer outra possibilidade além destes dois sistemas hermeticamente fechados. É necessário conformar-se com um ou outro i é entrar na caixinha.

Terceira opção, via ou possibilidade é algo impossível, impensável, inconcebível... A este falso dilema acrescentam ainda - é claro - uma avaliação simplória, a que chamamos maniqueísmo: Capitalismo bom, Comunismo mau...

Eis julgada a questão e não se pode pensar doutro modo, fronteiras estão traçadas e limites postos! Quem discordar é comunista, logo mau...

Julgo que qualquer pessoa inteligente e ponderada seja capaz de concluir pela artificialidade, pela tacanhice e pela miséria deste quadro. 

Eis-nos diante de uma pintura distorcida da realidade formulada por pessoas francamente limítrofes senão desonestas. Mas há quem identifique-se com ele. Quiçá devido a sua pobreza absoluta... Nada mais fácil do que gritar como uma pega no cio: Comunistas, Comunistas... ao invés de pensar, discutir, pesar dos argumentos e dialogar como gente civilizada. Melhor rotular e permanecer eternamente girando em torno de um 'ad hominem'.

Caso você ofereça outros botões - digo outras opções ou horizontes mais amplos -  ao sujeito, os neurônios queimam... e o cérebro pifa.

A zona de conforto destas pessoas pede por uma concepção falaciosa e por uma avaliação maniqueísta. Fazer o que??? "Os homens desejam ser enganados, façamos sua vontade." reza o provérbio...

O que me espanta não é a existência deste tipo de visão. A existência da tolice ou da miséria intelectual é previsível. Digo mais: Semelhante tipo de visão é algo que até esperamos ver proliferar num espaço como o 'Belt bible'.

O que me espanta e atemoriza é ve-lo estender-se pelo mundo afora e contagiar outras tantas culturas, encontrando aderentes e repetidores.

Haja visto um número considerável de brasileiros que afetam ser patriotas e engolem esta xaropada americanista forjada pelos seguidores de João Calvino...

Curiosos estes brasileiros que melindravam-se do tal imperialismo russo ou soviético enquanto saudavam e saudam o imperialismo Monroe - o do destino manifesto.

A crítica é válida e aguda posto que originalmente o Capitalismo não pertence a nossa cultura. É elemento externo ou alienígena, tão alheio a nossa cultura quanto o Comunismo ou o Anarquismo. Mais, é elemento não de origem Latina ou Católica mas de origem Alglo saxã e protestante. Por mais que alguns 'católicos' ou melhor neo católicos, safados e vendidos, pretendam demonstrar o contrário, a crítica levantada por Max Weber permanece firme, forte e inabalável. É corroborada além do mais por uma hoste ou multidão de autores católicos de fidelidade indiscutível. Assim O Brien, Maritain, Fanfani... O que a Igreja criou ou produziu foi uma doutrina social destinada a combater este sistema pérfido e cujo sentido é obviamente, anti liberal.

Caso o liberalismo econômico ou a auto regulação interna do Mercado estivesse de acordo com o pensamento da Igreja não haveria qualquer necessidade de uma doutrina social inspirada numa ética religiosa e portanto externa ao Mercado. A Igreja romana e com ela todo o Cristianismo, tudo quanto seja Católica, a Ortodoxia Oriental, o Anglo Catolicismo... não compreendem que hajam necessidades humanas autônomas face ao que chamamos ética. Não reconhece de modo alguma a pretensão cientificista do positivismo, alardeando que também a ciência - outra ação ou produção humana - possuí limites igualmente ditados pela Ética. Como reconheceria as pretensões de um sistema economicista, cujo fim e o materialismo???

O protestantismo apenas poderia concordar com tais pretensões na medida em que postulou, como observa Maritain, uma salvação sem obras ou ética, desvinculada da imanência ou do mundo natural. O Catolicismo sempre vinculou a redenção a ação ou atuação dos fiéis no mundo natural, físico ou material; em suma ao comportamento, o que certamente engloba a produção da ciência e a administração da produção e distribuição de bens. Nada caí fora do primado da ética. Alegar que a Igreja ou a fé nada tem a ver com isto é distorcer a questão. Não é o Catolicismo uma fé teórica ou um sistema solifideísta, mas uma fé destinada a inspirar e regular as ações humanas e assim a ação econômica, que é humana. Portanto as pretensões do Catolicismo chegam ao Mercado sim e são pretensões reguladoras e limitadoras, alias de um vício que nossa tradição classificou como avareza!

Os padres da Igreja não deixaram a economia florescer livremente, nem os escolásticos, nem Francisco de Assis, nem S Antonio de Pádua, nem a tradição constante e imutável que vai de Morus e Campanella e Mably, Morelly, Meignam, Keteller, Mounier e Maritain, ou seja, ao Catolicismo social. E deste contesto surgiu um sistema dócil e colaboracionista que foi a reforma protestante, quiçá porque a Igreja antiga tivesse sido irredutível e se recusado a colaborar. Foi o protestantismo que batizou as primeiras aspirações economicistas com Calvino e seus sucessores e foi ele a instituição que mais colaborou - ao menos negativamente, por recuo ou omissão - para a afirmação da nova realidade, e isto a ponto de podermos descreve-lo como solidário. Ao contrário da igreja antiga ele não teve poder ou forças para resistir aos ímpetos do novo sistema. E disto surgiu um novo mundo ou uma nova sociedade, não apenas secularizada, mas materialista e economicista, embora teoricamente se apresentasse como Cristã. O que alias condiz com o éthos solifideísta do protestantismo.

Mas era quanto a prática ou quanto as obras Cristã esta Sociedade em que os homens não mais se reconheciam como irmãos? Uma Sociedade em que o amor fora substituído pelo sentido do lucro? Uma Comunidade em que a justiça fora sacrificada ao capital? Uma Sociedade onde o homem foi trocado dinheiro? Uma Sociedade em que irmãos converteram-se em rivais ou concorrentes??? Por mais exata ou correta que fosse esta fé, não vejo como semelhante sociedade pudesse fazer jus ao título de Cristã. O que temos aqui sequer é uma Sociedade pagã, mas uma Sociedade materialista, economicista, desumana, inumana e cruel. O cúmulo da degradação!

Agradeçam por isto o querido protestantismo a que incensam, não a igreja romana e menos ainda as antigas Igrejas Católicas, as quais reguladas pela tradição ancestral e se querem por uma tradição produzida numa cultura rural ou agrária, só podem pensar em termos de solidariedade, o que o capitalismo tem de menos característico. Segundo nossa tradição nem os pobres são vagabundos  - mas frequentemente oprimidos - nem a miséria diz respeito a caridade (mas a justiça cf Aquino) e nem é o exercício da caridade livre mas tão impositivo quanto o da justiça.

E se a fome e a morte resultam de uma má gestão ou de uma má distribuição dos bens produzidos é sobre o homem - que opera por meio da avareza ou da cobiça - que cai esta aberração monstruosa. De que haja fome e morte quando há suficiência de bens para todos. Corresponde isto, inclusive o esforço excessivo e a saúde precária do trabalhador, a um crime ou pecado horrendo e este pecado é pecado social. Praticamente todos somos co responsáveis na medida em que silenciamos ou cessamos de criticar. Caso não nos oponhamos a este regime de morte somos cúmplices. Pergunta o Cristo sobre as almas e corpos de nossos irmãos e não lhe podemos dizer: Que tenho eu a ver com meu irmão??? Porque batizados fomos inseridos num só corpo. Assim não convém quem um membro do corpo assista impassível a fome ou a enfermidade ser experimentada pelo outro. Ser membro de um só corpo implica sentir a dor do outro ou ser solidário.

O neo Católico prostituído no entanto observa os membros de Jesus Cristo, expoliados pela avareza e lançados a sarjeta, como vagabundos, e aparta-se deles, recusando-se a estender-lhes a mão. E caso o denunciemos esse ímpio ousará replicar gritando - Comunista! Se ser Comunista é servir aos pobres, censurar a avareza e indagar sobre as fontes da miséria humana, então é o Comunismo filho do Evangelho e perfeitamente evangélico! O que não é nem um pouco evangélica é a cobiça e a dureza de coração dos neo Católicos protestantizados. Afinal é dever do Católico Ortodoxo - e de quantos se consideram Católicos - considerarem sempre suas posições com relação ao próximo, que é seu irmão, buscando dignifica-los e resgata-los da miséria.

Assim o Católico é levado a promover o irmão ou a investir no homem e não no Mercado. Pois sua poupança ou bolsa de valores esta nos céus, no Reino de Jesus Cristo. Pois seu coração e seu tesouro estão no mundo invisível ou no paraíso. Porque suas economias consistem em servir. Em alimentar, vestir, medicar, visitar, confortar, etc Tal seu ofício e sua vocação. Tal a verdadeira religião, que consiste em socorrer os órfãos e as viúvas em suas necessidades. Se o Católico não trás este sentido quão miserável ele é...

Portanto não é só a experiência da realidade que nos convida a duvidar do sistema estabelecido mas a fé de nossos ancestrais, a qual plasmou nossa cultura, socialista para mim, se quiserem ou fizerem questão - Solidarista, corporativista, humanista, trabalhista, personalista, social, pouco se me dá. Podeis definir a nossa cultura ancestral como quiserdes menos como Capitalista ou liberal economicista e desafio qualquer Católico desonesto ou de má fé a demonstrar-nos a existência de Capitalismo na Antiguidade Cristã, na Alta e mesmo na Baixa Idade Média. Provem ou demonstrem que o Capitalismo afirmou-se em qualquer sociedade Católica antes do advento da Reforma protestante. Estou aguardando há duas décadas por esta demonstração. Do contrário continuarei repetindo com Weber - o liberalismo economicista ou capitalismo é filho ou irmão do protestantismo, nada trazendo em si de legitimamente Católico.

Mas para que levar o tema até ai???

Para demonstrar cabalmente que os defensores do modelo capitalismo estão na contra mão de nossa cultura ancestral - Católica, latina, lusitana e brasileira. Tanto pior caso adicionassem as fontes indígenas e africana. Nenhuma delas sabe a Capitalismo. Destarte temos de avaliar este sistema tão seguro se si, como algo tão estrangeiro e imperialista quanto o Comunismo e o Anarquismo. Ao criticar os Comunistas e ao berrar contra eles o capitalista brasileiro assemelha-se a alguém que busca tirar cisco da vista alheia, tendo um poste na sua. Nossas formas de opressão e dominação, sempre questionadas pela igreja - embora não com a devida intensidade - eram abertas. As formas de dominação capitalistas são ainda mais nocivas e perniciosas porquanto dissimuladas. Afirma-se que há chances ou igualdade de oportunidades a todos quando não há. E o resultado desta crença é a conformidade.

Claro que nosso passado não foi santo, perfeito ou paradisíaco, mas bem poderíamos ter tomado uma outra rota, no sentido do Evangelho ou da Ética proposta por ele. Lamentavelmente o rumo que nos foi imposto de fora para dentro foi bem outro... fortalecendo as cadeias da opressão e multiplicando os males. Certamente não temos mais escravos africanos. Mas temos multidões de descendentes seus 'exilados' num mundo a parte ou numa realidade paralela chamada favela. Quanto aos índios, quem ignorara o estado de penúria e indignidade em que vivem??? E não chegamos as multidões de trabalhadores urbanos assalariados cujos direitos se veem ameaçados dia após dia pelas necessidades econômicas ditadas pelo mercado. O quanto vejo é um povo ameaçado pela servidão e pela mais dura das servidões, ainda que disfarçada.

Diante disto o Socrático se pergunta - Posso criticar o Capitalismo??? E assim o Platônico, o Aristotélico, o Budista, o Confuciano e sobretudo o Cristão, o Cristão Católico e Ortodoxo... e só pode responder de um modo:

Não posso, DEVO. E se não colocar este sistema em dúvida como poderia afirmar-se como Católico.

Termino este breve ensaio concluindo que há mais motivos para questionar o sistema Capitalismo do que supõem o Comunismo.




terça-feira, 18 de setembro de 2018

Curso de Política I - Voto: Entre a abstenção e o pensamento mágico.

Nada mais icônico do que a propaganda dos T. E.s sobre a importância do voto no rádio e na TV. Tem certo ar de misticismo ou melhor de fetichismo que chega a repugnância. É sem dúvida algo que baralha a realidade e mistifica.

Querem passar a impressão, leviana; de que ser cidadão resume-se em votar i é em ir, obrigatoriamente, de quatro em quatro anos participar do ritual de transferência de poder que sanciona o 'status quo'. Querem passar a impressão de que votar tudo é e tudo resolve e esta impressão é perigosíssima.

Não nos enganemos, votar é um detalhe, quiçá ínfimo. É algo que faz parte da política ou melhor da cidadania, mas que não pode esgota-la.

Votar nem nos converterá em cidadãos nem solucionará todos os nossos problemas. Faz parte, não é tudo.

Alias devemos aproveitar a oportunidade para salientar a monstruosidade do voto obrigatório num contesto democrático.

O que por sinal corresponde a uma intencionalidade, e a uma intencionalidade política - Impedir ou travar a consolidação de uma política consciente e cidadã.

Afinal aquele que vota por força da lei, obrigado, revoltado...Votará de qualquer jeito ou em qualquer um, quando não venderá seu voto aquele que pague mais. Consolidado nosso coronelismo enrustido e alimentando ainda mais a venalidade e a corrupção.

Da obrigatoriedade do voto é que resulta este mercado ou melhor a oferta de eleitores que se vendem e podem ser facilmente comprados. A massa se vende porque não vê motivo algum para votar... porque não vê sentido nesta ação... E não vendo sentido esculacha, votando no tiririca ou mesmo num bode.

No outro extremo temos os abstenceístas, muitos dos quais anarquistas.

Nós, eles e os autoritários conscientes ou fascistas temos algo em comum: Reconhecemos as deficiências, mazelas, vícios e defeitos do sistema representativo elaborado por John Locke no século XVII. Democrata que não reconheça a fragilidade intrínseca da democracia representativa ou burguesa fantasia e não pode ser bom democrata. Nós, com os contrários, reconhecemos o problema.

Os anarquistas no caso acreditam que o sistema entrará em colapso por meio do abstenceísmo i é do voto nulo ou da não participação nas eleições. No entanto, o que vemos e percebemos é que, apesar das abstenções o sistema continua firme e forte, sem dar sinais de que esteja demasiadamente abalado ou prestes a cair. Os nulos hoje ainda não passam de 20%. Será que um dia chegarão a 80%??? Tenho motivos para duvidar...

No caso deles a abstenção ou seu sucesso levaria ao colapso do que chamamos macro estado. Mas quando Brasil ou Argentina dissolverem-se política e administrativamente que haverá de substitui-las? Pequenas agremiações regionais ou mesmo municipais a semelhança das antigas cidade estados gregas? O que inclusive facilitaria, sem dúvida, o exercício da policracia ou da democracia direta. É um ideal nobre - o da policracia - e do qual partilhamos, sem no entanto nos deixar enganar pela solução das cidades estado.

As cidades estado gregas, num determinado momento assumiram, em sua maior parte, a forma democrática. Foi algo belo e esplendoroso, mas nem tudo foram rosas. Pois havia, lá fora, um colossal Império persa a espreita. O trágico aqui foi que as cidades gregas não se conseguiram entender e formar uma Unidade contra o inimigo comum, o que gerou um impasse. Durante mais de século viveu a Grécia sob pressão daquele inimigo externo unificado. Até que Alexandre conquistou-o. Não sem antes unificar a força as cidades estado e, consequentemente erradicar a democracia, exterminando-as em seu próprio berço. Não poucos teóricos alegam que teve de imolar a democracia as necessidades da cultura. Pois fragilizada pela divisão e conquistada pelos persas a Grécia viria a compor o Império e a perder dua identidade cultural.

Foi uma opção dramática, e que até hoje não podemos avaliar serenamente.

Não se diga porém que inexiste um Império semelhante ao persa disposto a ocupar qualquer nicho ou espaço criado no planeta. Seria pura ingenuidade acreditar que as cidades estado do 'aquífero' não seriam assediadas por um inimigo externo poderoso e muito bem organizado nos tempos em que a água vai adquirindo tanto valor. Seria igualmente ingênuo asseverar que nossas cidades estado brasileiras ou bolivianas manteriam a concórdia ou conservariam algum tipo de unidade militar. Francamente falando, olhando para o Norte deste continente, não creio que a adoção do modelo grego convenha a América latina. Aqui temos de ser realista.

Por isso sou favorável, quiçá seguindo o exemplo de Bolivar e de José Bonifácio, a construção de uma democracia cada vez mais direta no contexto do macro estado. Quiçá através dos meios de comunicação digitais e a exemplo do Demoex da Suécia.

Abrir mão do macro estado no atual contexto bem poderia beneficiar a construção de um imperialismo colossal.

Outros tantos anarquistas, cientes de todos estes problemas, tornam a Bakhunin com seu evasivo - Não sabemos nem queremos saber que venha ser o futuro mas apenas destruir... No entanto é próprio do homem pensar o futuro ou melhor planeja-lo. Seja como for esta evasiva me parece fútil. Pois quem sabe se destruindo o que existe sem pensar o futuro não estamos preparando um futuro pior???Refletir e buscar soluções sóbrias sempre foi o caminho mais seguro para chegar ao melhor e o ser humano merece esta seguridade. Temos assim de oferecer algo ou alguma perspectiva com relação ao futuro e não me parece que o anarquismo esteja sendo bem sucedido neste sentido.

Já dissemos quando oferece alguma resposta sobre o futuro na melhor das hipóteses recorre a experiência grega em torno das cidades estado. Experiência que como vimos não deixou de ser problemática, como não deixa de se-lo no tempo presente. Dizemos melhor das hipóteses ou mais realista pelo simples fato de que parte dos anarquistas jamais furtou-se a quimera Stirneriana em torno de uma Não sociedade ou de agremiações de indivíduos, chegando aos confins do ANCAP...  Claro que isto não corresponde aos ideais de um Kropotkin ou mesmo de um Bakhunin, e no entanto ao menos parte deles tem cogitado na eliminação do que concebemos por Sociedade. Como se vê, a confusão entre as noções de Estado e Sociedade torna o problema ainda mais sério e abre as portas para o espectro do individualismo...

Já os autoritários, militaristas, absolutistas, fascistas, etc são pela eliminação da democracia e pela adoção de uma ordem hierárquica, autoritária e despótica. A solução não podia ser pior... embora seus teóricos conheçam, talvez até melhor que os anarquistas, os vícios e defeitos da democracia burguesa.

Não poucos dentre eles - digo parte dos fascistas -  tem exposto de deplorado a existência do que chamam plutocracia ou seja, de uma regime político ou de uma democracia a serviço de interesses puramente econômicos, do mercado ou do capital. A crítica não parte apenas dos Comunistas, mas de alguns fascistas, alias classificados como socialistas. Seja como forma eles acreditam que uma autoridade 'neutra' seja capaz de julgar a questão, de fazer justiça aos injustiçados, de conter as aspirações do Mercado e de cimentar a conciliação entre as partes instaurando uma 'paz perpétua'.

O problema aqui não diz respeito a suposta neutralidade classista ou econômica da autoridade em questão. Nem poderíamos negar a priori a existência de uma autoridade ética e voltada para o bem comum. O problema aqui é de ordem histórica, matemática e psicológica. Será prudente apostar que o titular de tão grande autoridade não se deixará corromper pelo exercício da mesma? Parece-me que para cada monarca virtuoso a História nos oferece o exemplo de mil psicopatas e degenerados como Heliogabalo, Tamerlão, Hitler, Stalin ou Bush. Não eu não acho prudente apostar no poder e na autoridade de um só e julgo que o poder absoluto corrompe absolutamente produzindo apenas monstros. Aqui os nobres e virtuosos correspondem a ínfima exceção, sendo coisa rara.

Para mim a solução pelo autoritarismo seria emenda pior que o soneto. E vemos já quem em nome da autoridade, da lei e da ordem queira sancionar a praga da tortura, que é um crime contra a humanidade.

Melhor que os homens partilhem a administração das coisa pública e se contenham uns aos outros.

Tornamos assim a solução democrática, em torno da participação, do gerenciamento comum do poder e da cidadania. Sem deixar de reconhecer que nossa forma ou estrutura é viciada e que deva ser alterada de modo a tornar-se mais eficiente e assim mais democrática.

Não é nem pelo individualismo e pela destruição, necessária, do macro estado e menos ainda pelo retorno ao despotismo que devemos sair da democracia burguesa, formal, parlamentar ou representativa mas por meio da democracia direta ou da policracia.

Nosso objetivo deve ser construir, na dimensão do macro estado, novos mecanismos capazes de ampliar a participação popular ou a cidadania, além é claro de empregar os mecanismos consagrados do plebiscito e do referendo com uma assiduidade cada vez maior. Devemos além disto priorizar a política de base resgatando o velho ideal do municipalismo, pois é na esfera do município que se torna possível um nível maior e mais profundo de participação.

Dentro desta perspectiva é claro que o voto acabará perdendo seu brilho artificial. Terá cada vez mais um peso relativo.

De certo modo o próprio abstenceísmo não deixa de presumir demasiadamente do voto e de emprestar-lhe muito importância. Pois aposta que o aumento dos votos nulos levará o sistema ao colapso.

O quanto podemos dizer sobre a realidade do tempo presente chega a ser simples - A propaganda posta em circulação nos meios de comunicação e que identifica a cidadania ou a política com o ato de votar é tendenciosa. Votar não solucionará todos os nossos problemas e isto pelo simples fato de que outros também votam, de que ignorantes e canalhas votam, de que as massas sem consciência votam... Assim, a cidadania pressupõem certo 'proselitismo' ou cerra dose de conscientização. Temos de discutir, de dialogar, de debater sobre política, temos de argumentar e de ganhar o outro, temos de persuadir o outro sobre a importância do voto cidadão, temos de nos engajar na política antes de dizer que a política não presta.

Platão já dizia que não se fará uma boa política sem a participação dos bons cidadãos. E é aqui que a abstenção, fuga ou omissão dos virtuosos enojados dará espaço e poder aos maus... Caso nos retiremos o preço a ser pago será sermos dominados pelos maus ou pelos inferiores, pelos ignorantes, pelas massas...

O Brasil é exemplo vivo disto.

Bolsonaro e seus apoiantes, assim como a sinistra bancada 'evanjéguica' correspondem a minorias ou a elementos minoritários muito bem articulados que auferem imenso benefício da abstenção por parte dos que não concordam com seus respectivos ideários. Pois bem, estas pessoas virtuosas e conscientes poderiam ajudar-nos a conter estas duas ameaças, mas preferem lavar as mãos como Pilatos e não participar, não interferir.

Digo mais. Com o apoio de tanta gente boa mas desiludida seria muito mais fácil transferir o poder para pessoas que não fossem apenas honestas mas que fossem aptas, digo bem informadas, inteligentes, capacitadas, hábeis, engajadas, etc Querendo ou não as nossas vidas são reguladas e atingidas penas decisões tomadas pelo poder político; e abstenção alguma muda isto. Querendo ou não as pessoas humildes, os trabalhadores, os assalariados, os jovens, as crianças, as mulheres e até os animais e o meio ambiente tem suas existências alteradas ou influenciadas, para melhor ou para pior, pela esfera da política institucional. Querendo ou não o que eles, os políticos profissionais, fazem repercute em nossas vidas sob a forma de qualidade ou de indignidade.

Diante desta realidade inegável fico perguntando-me se não seria melhor partir de princípios e valores saudáveis para escolher representantes leais, dedicados a justiça social, a promoção humana e ao bem comum??? Talvez eleger alguém com tais características seja fazer o mínimo ou alguma coisa. Digo eleger alguém que além de honesto, probo e impoluto seja também conhecedor da realidade social e aspire transforma-la, a partir de uma demanda ética. Agora na falta de semelhante pessoa porque ao invés de criticar e maldizer também não entramos nós na arena da política levando esta ética, estes princípios, estes valores???

Votar com consciência pode ser parte mínima e cada vez mais mínima, no entanto, mesmo assim, faz parte. Não alterará radicalmente as coisas, mas talvez ajude a impedir que elas piorem radical e aceleradamente. Talvez não possamos fazer todo bem que desejamos, mas sempre será possível conter algum mal.

Assim entre a abstenção e o idealismo romântico tomemos por critério um sóbrio realismo. Quem sabe fazendo pouco ou o mínimo seja melhor do que nada fazer ou que sonhar com futuros incertos e imaginários. Talvez abandonar esta forma precária e fragilizada de democracia e permitir que se degenere ao máximo venha a ser o caminho da mais abjeta servidão. Talvez sirva não a propósitos libertários mas a propósitos ainda mais totalitários, opressores, despóticos e tirânicos dos quantos se achem em operação no tempo presente. Afinal, ao fim da linha, que poderá saber quem ou o que substituíra o sistema que temos??? Quem poderá garantir-nos de que não sobrevirá algo ainda pior, mais sórdido e mais destrutivo???


segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Brasil - Paraíso das bundas inferno dos Museus...