sábado, 3 de outubro de 2015

O mal estar da civilização

Há uma espécie de mal estar difuso entre os membros da Sociedade Ocidental Contemporânea.

O qual parece remontar a primeira metade do século XIX ou seja a afirmação do sistema capitalista.

E parece igualmente ter sido agravado ou intensificado pelo americanismo.

Aspira o homem por realidades amplas e profundas, mas, a cultura produzida nos EUA oferece-lhe apenas profanidades. Superficial, meramente tecnicista e consumista, é este novo padrão cultural de todo impotente para satisfazer as mais legítimas inclinações do coração humano.

Ademais os elementos da cultura ancestral, profundamente implantados em nossas consciências não foram de todo eliminados, especialmente nos rincões em que a americanização ainda não foi de todo consumada, assim nos campos e nas vilas do Sul da Europa e da America Latina.

Esta luta entre o que é ou deve ser e o que deveria ser é uma das possíveis fontes deste mal estar. Pelo que ainda retemos de humano e pelo que assimilamos ao materialismo economicista somos uma civilização contraditória e incoerente, cujos elementos acham-se em estado de oposição.

Temos plena consciência de que devemos por o homem, a vida, a justiça, a liberdade, a igualdade, a paz... em primeiro lugar e acima de tudo. Todavia tudo em nossa volta e em torno de nós afirma a primazia do capital ou do lucro.

Diante disto somos levados a crer ou ao menos a imaginar que as gerações do passado mais ou menos distante eram mais felizes do que a nossa ou que a Sociedade era melhor.

A bem da verdade, parece que em todas as épocas, parte das pessoas tiveram suas vistas postas no passado buscando uma mítica idade de ouro e julgando que as gerações do passado eram de fato mais prósperas e felizes.

A diferença aqui é que no passado ou nas épocas anteriores e nossa este passado obscuro era idealizado pela imaginação das massas, porquanto a História propriamente dita inexistia. Não lhe havia sido dado um método rigoroso... nem as ciências auxiliares estavam devidamente constituídas. Sobrando bastante espaço para a fantasia correr solta e produzir mitos.

Hoje no entanto além de conhecermos relativamente bem nossa própria época podemos revindicar um conhecimento mais consistente e real a respeito do passado. Olhando para trás somos mais ou menos capazes de distinguir alguns vultos sinistros como o fascismo, o nazismo, o comunismo, o liberalismo, os golpismos sangrentos, os genocídios, etc Mesmo assim, a maior parte das pessoas não consegue encarar este nosso tempo como melhor ou superior. O mal estar prevalece!

Mas por que prevalece se uma terceira guerra mundial ainda não explodiu?

Porque em certo sentido estamos vivendo uma guerra surda, mas continua e quase que mundial contra o ser humano. Embora as frentes sejam diversas - fundamentalismos, comunismo, nazismo, fascismo, individualismo, CAPITALISMO, etc - todas tem em mira o rebaixamento do homem, a restrição da liberdade, a negação da igualdade, a relutância em cumprir a justiça, o ódio a paz, o instinto da maldade, a afirmação do egoísmo...

Não é decerto um tempo de violências físicas.

Mas é certamente um tempo de fermentação...

Em que a tempestade ou a borrasca esta se formando e se preparando para varrer nossa civilização até seus fundamentos mais remotos. Do que talvez resulte uma nova alta Idade Média ou algo ainda pior e mais sinistro!

O fato é que nossa consciência social ou nosso imaginário coletivo DÓI e essa dor é uma dádiva divina enquanto alerta de que algo vai mal, e muito mal.

Enquanto há dor, sabemos que o corpo esta enfermo e ainda podemos buscar a cura.

Quando não sentirmos mais dor ou mal estar, quando estivermos conformados e em 'paz', a enfermidade terá se tornado inconsciente... pois os elementos da nova ordem terão aniquilado os elementos da antiga ordem, e a contradição essencial.

Quando a crise se tornar imperceptível é justamente porque foi assimilada em sua plenitude, sem deixar de ser crise.

Nem poderá deixar de ser crise enquanto subsistirem a fome, a nudez, a miséria, a injustiça, o morticínio, a mentira, etc Poderá ser introjetada na cultura e institucionalizada mas será sempre crise. Poderá ser afirmada e reconhecida oficialmente como ordem, mas jamais deixará de ser desordem!

Verdade que temos ciência, técnica e poder para transformar o mundo.

Então por que ainda não o transformamos num lugar melhor para viver?

Afinal o que estamos assistindo é o extermínio de diversas espécies constituídas ao largo dum lento processo evolutivo, a alteração acelerada do relevo e do clima graças a extração imoderada de riquezas naturais ou matérias primas, ao envenenamento progressivo dos mares, da terra e do ar; enfim a um suicídio lento imposto por necessidades artificiais ditadas pelo Mercado econômico, esse deus terrível ou novo Hades!

Nem percebemos que após o fim da guerra fria, o desaparecimento do comunismo e a consequente e oportunista retomada do liberalismo clássico ou implantação do neo liberalismo tenham as sociedades feito qualquer progresso considerável em termos de organização social. Antes percebemos a retomada das contradições nos mesmos termos do século XIX ou do período ante guerras! Problemas e patologias sociais avolumam-se mais uma vez como no passado...

Diante disto como impedir que as velhas e falsas soluções, como comunismo, fascismo, nazismo e agora os fundamentalismos religiosos, sejam retomadas numa escala maior?

Sequer podemos apelar a uma ética objetiva capaz de condena-las em termos de essência...

O capitalismo como sempre mostra-se cego face as angústias que produz.

A angústia no entanto tem medida.

É coisa com que não se brinca.

Mais uma vez o capitalismo esta a desumanizar o homem e a barbarizas as massas.

Do que resultará uma devolutiva.

Na posse da mesma técnica e da mesma ciência que teriam feito nossos ancestrais?

É uma pergunta que faço a mim mesmo todos os dias.

Ao que parece nossa técnica não nos tornou mais humanos, não ampliou nossa sensibilidade, não alimentou nossa solidariedade...

Ao que parece nossa ciência não aprofundou ou ampliou nosso estado de consciência.

Perdemos o sentido do homem porque colocamos qualquer outra coisa em seu lugar: a fé, o lucro, o partido, o estado, a raça, o ego, etc

Lançamos os fundamentos de uma cultura inumana ou desumana e deflagramos um processo de auto destruição ou suicídio coletivo!

Sabemos que deveríamos ter resistido a este novo espírito Capitalista mas traímos a nós mesmos, a nossos ancestrais, a nossa cultura, a nossa espiritualidade! Negociamos com a idolatria mais sórdida que há, a idolatria do Capital e assim nos tornamos plenamente profanos! Afastamos o próximo de nossas vistas, passamos a encarar o semelhante como concorrente, nos acostumamos a encarar os irmãos como rivais e assim nos alienamos do Cristo!

Passamos a viver de mentiras e a cultivar uma vida de aparências! A ouvir a leitura do Evangelho nos Domingos e nas festas e a profana-lo de feira a feira, dia após dia!

Ingerimos o veneno do fideísmo e tombamos no conformismo!

Nos inclinamos diante dos juízes no fórum e fazemos juramentos e juramos em falso! Nos inclinamos perante o rico que vive de mais valia explorando seus empregados! Nos curvamos diante dos políticos corruptos e venais! Nos curvamos diante das espadas e metralhadoras dos militares! Nossos ancestrais enfrentaram a máquina mais mortífera de todos os tempos: o Império romano.... nós não temos pingo de virilidade e só sabemos negociar comodamente!

Degeneramos amigo leitor! Degeneramos!

Pois já não sabemos resistir ao mal! Não ao mal físico que massacra nossos corpos, mas as ideias más que contaminam o espirito, as falsas crenças que destroem a alma, aos pensamentos corruptos que ditam um comportamento corrupto!

Consentimos que esta ideologia materialista e grosseira construída em torno do lucro tomasse posse de nós. Nós mesmos lhe oferecemos parte de nosso ser! Negamos algo a Cristo, concedemos algo ao capital! Separamos a realidade! Imaginamos setores impermeáveis a ética! Produzimos uma nova cultura, uma cultura de morte... Cedemos, negociamos, falhamos e impedimos o Reino de Jesus Cristo de acontecer e florescer neste mundo!

Desde então, desde que o Capitalismo impôs sua nova ordem e desde que americanismo contaminou nossas Sociedades podemos dizer com Jacques Ellul que o Cristianismo, esse Cristianismo dócil, tornou-se uma traição imperdoável!

Sim, querido leitor, pois o Cristianismo antigo dos cinco primeiros séculos jamais foi dócil face a riqueza, ao acumulo, a cobiça, a avareza, os pressupostos do materialismo! O que os darwinistas sociais aclamaram como vencedor o Cristianismo histórico classificava como ímpios! Leiam o Crisóstomo e depois Basílio, Astério, Gregório Nisseno, Ambrósio, Jerônimo, etc Decretou nosso Cristianismo, nosso Cristianismo histórico, nossas fontes, nossas raízes, que o burguês é um tipo indesejável e fiel ao pensamento de Cristo proclamou que não entrará no reino dos céus!

E este eco no Ocidente ou na Igreja Latina prolongou-se até Fernando de Bulhões, o Santo Antonio de Pádua, cuja parte substancial dos sermões constitui uma Filipica contra os ricos, os banqueiros, os poderosos!

Mesmo durante os tempos da pseudo reforma estava esta consciência viva, a ponto de um único dentre os reformadores Dr Hugo Latimer, ter condenado inexoravelmente o acumulo de bens materiais. Limitando-se a repetir o que encontra-se escrito no Santo Evangelho: Não acumuleis bens neste mundo!

Agora se acumula bens neste mundo como obedece a Jesus Cristo????

Responda-me quem puder e for capaz!

Então nem me falem de Karl Marx. Foi bom crítico das estruturas capitalistas em termos materiais; mas não precisamos dele! Nossa consciência histórica, nosso passado, nossa memória, da manjedoura ao advento da pseudo reforma, é sentença de condenação ao capitalismo!

Não é possível associar o Cristianismo ao materialismo como não é possível misturar azeite e água ou juntar o Oriente com o Ocidente, ou prender os céus a terra...

Quem pretendeu ocultar esta antinomia foi que lançou as sementes da crise porque ora passamos!

Nem se esgotam aqui as fontes da crise porque são muitas.

O Cristianismo foi posto de lado...

Mas o maniqueísmo perfeitamente conservado e já o veremos!

Deseja todo homem conhecer e conhecer a realidade que o envolve.

Tanto isto é verdade que aborrece a ignorância e o mistério, e incomoda-se deles como do escuro e da morte.

Pois instintivamente sabe que a ignorância não é seu estado natural e que não existe para ela.

A laranjeira não aspira produzir laranjas, mas é fiel a sua natureza...

O homem aspira pelo saber.

Os profetas da modernidade no entanto disseram que seu aparelho cognitivo é completamente inepto e que a realidade chega a ser falseada pelos sentidos!

Proclamaram que essa antipatia para com a ignorância é absurda e que a inclinação para o saber é ilusória.

Que o homem encontra-se cercado pelas densas trevas duma noite eterna! E que nada do quanto crê ser verdadeiro o é!

Verdade não passa de quimera e a razão de um câncer ou de um verme a corroer lentamente nossas entranhas e a provocar uma agonia insuportável.

Assim como já dissemos tudo foi tirado ao homem: a fé, a razão, a experiência... até que não restou verdade alguma, conhecimento algum...

Só nos resta concluir com Camus que a vida é desprovida de sentido!

Não há qualquer propósito ou sentido superior para a existência humana!

Assim a única coisa a fazer é cogitar se devemos ou não sair de cena.

Afinal por que raios estaríamos obrigados a suportar até o fim uma vida que sendo sempre tormentosa carece de qualquer sentido?

Admira-se o leitor de que aqueles que não tenham coragem suficiente para por fim a própria vida descambem numa sexualidade desenfreada, no alcoolismo ou na droga??? Buscando ampliar a ilusão ou fugir ao tédio reinante??? Quem ousará condena-los??? Esta filosofia prostituída que proclama ter aniquilado não só a fé mas a razão, a ética, a ciência e o sentido sem nada deixar aos mortais???

Justifica-se aqui plenamente a fuga da realidade porque é de fato uma realidade indesejável, ou uma péssima nova esta trazida pela escolástica nihilista!

Quem não tiver a audácia do jovem Werther, invista na imaginação, na fantasia, na alienação desta realidade tenebrosa!

Bem se vê que não há qualquer necessidade absoluta de um Agostinho, de um Lutero, de um Calvino ou de um deus qualquer para proclamar o homem limitado ou incapaz.

Um Hume, um Kant, um Litreé, um Huxley, um Heiddeger, um Deleuze, um Camus, um Foulcault, etc bem podem faze-lo sem deus algum.

E pode lá o agnosticismo ou o ateísmo incoerente reproduzir acriticamente as mesmas crenças.

Grego algum ousou negar a metafísica. Pois como ignoravam supinamente a doutrina maniqueísta não se lhes podia ocorrer a negação ou restrição capacidade cognitiva do homem.

Tudo quanto vem após Agostinho, Lutero e Kant trás consigo este travo maniqueísta, alias arbitrário.

Muito revisaram, reformaram, refizeram; mas ficaram com a pior parte...

Lançaram fora o amor, a paz, a justiça, a sacralidade da vida, a veracidade, etc

E mantiveram, secularizado, o velho pessimismo de Manes, Agostinho, Montaigne, Lutero, Kant...

Diante disto já sabemos porque o ateísmo nega ser uma metafísica, apesar dos teóricos do agnosticismo...


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