O protagonista de nossa história será um professor de história e de filosofia, mas antes de começar a narração quero descrevê-lo para o(a) leitor(a) que não o conhece.
Nosso protagonista tem 1,70 m. de altura, é ligeiramente obeso, tem ascendência europeia direta, o pai era português, muito parecido com um mouro, e, o filho saiu a cara do pai cuspido e escarrado, não, não usemos esta expressão pois ela está errada, esta expressão sofreu uma deturpação por pessoas que tinham pouca cultura, a verdadeira expressão é: saiu a cara do pai esculpido em carrara (mármore carrara), os ouvintes desta expressão ou porque não ouviam bem ou porque tiveram educação deficitária transformaram o dito numa outra coisa que não faz o menor sentido. Perdoem-me a digressão e voltemos ao nosso protagonista, como eu havia dito, ele é ligeiramente obeso, tem 1,70 m. de altura a pele bronzeada, cabelos negros e compridos, um cavanhaque igualmente negro e um bigode semelhante ao de Nietzsche que ele tanto odeia, odeia Nietzsche e não o próprio bigode. Seu nariz é pequeno e fino num rosto enorme, rosto oval, com olhos grandes, negros e faiscantes, seu lábio inferior é carnudo, o que faria a alegria de muitas mulheres, daquelas que adoram lábios carnudos. O personagem em questão é uma figura exótica, sim exótica. Ele veste bermudas floridas, bem ao estilos dos surfistas, calça sapatos mocassins e veste camisas sociais e anda com uma pequena bolsa à tiracolo onde carrega sempre um ou dois livros, bolsa jeans, velha e desbotada, que recorda aquelas bolsas que as crianças da antiga pré-escola carregavam. Nessa bolsa ele amarra um lenço que pode ter mil e uma utilidades. Ele sempre anda com um boné inglês ou outro chapéu estranho. É uma figura que se destaca entre aqueles que vestem-se de forma uniforme e seguem as tendências da época, poderia dizer que ele é um ser atemporal, mas não posso porque assim como nós, ele é mortal.
A história que narrarei a seguir poderia ser um conto, mas não é, não é um conto, não é uma ficção, é um fato ou melhor foi um fato presenciado por umas 50 ou 60 pessoas, salvo engano.
Era uma noite quente mas não tão quente que fosse sufocante, estava um calor agradável para sair, para passear. Céu limpo, sem nuvens, portanto sem ameaça de chuvas torrenciais tão comum ao período.
Então, o nosso protagonista, que é meu irmão de consideração convidou-me para comermos algo bom na praia, as palavras que despertaram meu interesse foram: "eu pago". Incontinenti, larguei tudo o que fazia e fui, pois já estava de banho tomado e com roupas trocadas e fomos.
Pedi que antes de chegarmos à praia passássemos no Shopping Brisamar para ver o que estava passando no cinema. Ao chegar naquele lugar havia ali alguns bate-estacas, seguranças em seus ternos pretos e a maioria deles, parda e negra, barrando a entrada adolescentes de periferia, não por causa do rolezinho, mas porque não tem dinheiro para consumir e Shopping não é lugar para passeio mas para consumir e pobre ou consome muito pouco ou não consome nada.
Vi um jovem de 14 ou 15 anos mirrado, com camisa pólo desgastada, calça jeans e que calçava um tênis de marca não sei se era ou não original e ele foi barrado por um segurança, o Domingos Pardal Braz, este é o nome do nosso protagonista, logo se revoltou e tomou as dores do rapaz e disse:
- Por que ele não vai entrar? Por que você está proibindo a entrada dele?
- Senhor - disse o segurança - não se intromete, ele sabe o que fez.
- Vocês não deixam ele e outros como ele entrarem porque são pobres, porque são garotos da periferia.
- O senhor é o que dele? O senhor é alguma coisa dele?
- Eu sou professor, ele é meu aluno e ninguém vai impedi-lo de entrar, ele vai entrar comigo.
- Se ele aprontar qualquer coisa lá dentro o senhor será responsabilizado.
- Eu assumo a responsabilidade.
Ele abraçou o aluno, e triunfantemente entraram no shopping, o garoto não se continha de felicidade, ele não acreditava que o seu professor o defenderia dos brutamontes e nem que conseguiria adentrar no shopping. Já dentro do shopping o professor o alertou que não fizesse nada de errado. O shopping estava apinhado de jovens da periferia. Ele despediu-se do aluno e seguimos para o quarto piso e filmes bons, nada. Como não tinha nada interessante deixamos aquele lugar. Ao sair do shopping vimos muitos adolescentes pobres, alguns brancos mas a maioria parda e negra discutindo com os seguranças. Então o homem sanguíneo (assim o considero de acordo com a teoria dos 4 humores de Hipócrates), tomou a defesa desses meninos, e começou a bater boca com os seguranças sem ter medo deles e sem ter vergonha do povinho de classe média falida. E ele deu uma aula de filosofia e de sociologia que nunca dera na sala de aula, e essa foi sua melhor aula. Falou contra a discriminação e contra o preconceito racial e questionou porque jovens brancos com roupas novas e de marca original podiam entrar e os jovens de periferia não. Questionou a falta da justiça e da igualdade e sendo ofendido pelos seguranças ameaçou voltar e meter-lhes um processo. Ele causou um alvoroço, os jovens gostaram e comemoraram e dali fomos embora entre vaias e elogios.