Mostrando postagens com marcador interesse. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador interesse. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Reflexões sobre os postulados éticos da antiguidade Clássica

Não foi apenas Deus que segundo declaram morreu...

Nem sei como existindo poderia ele ter morrido ou como poderia ter morrido inexistindo, no entanto...

Compreenda-se que 'morreu' metaforicamente a ideia de Deus, alias aquilatada como genial por Bertrand Russel, na medida em que uma parte dos homens tem aderido ao agnosticismo ou a indiferença face ao tema de sua existência ou inexistência e outra parcela, bem menor, ao ateísmo.

Negar que o agnosticismo avance não podemos.

Não se trata aqui de um negar dogmaticamente a existência do Sagrado; mas de pura e simplesmente considerar a questão insolúvel, irrelevante ou supérflua.

Agora esqueceram-se de declarar nossos cronistas que a Ética também parece ter morrido.

Dostoievsky foi quem de modo mais eloquente reeditou a relação - Deus Ética - em tempos mais próximos... sabemos no entanto que já havia sido explorada e esgotada por I Kant e antes dele por Voltaire, Russeau, Leibnitz, Descartes, Bacon, entre os modernos. Suas fontes mais remotas no entanto remontam a nossa herança greco romana, a Antistenes, Sócrates, Diógenes de Apolônia, etc

Embora os emancipados desta geração limitem-se a rir debochadamente diante de raciocínios que reputam tão rasos e miseráveis, eles fazem parte de um lugar comum assaz explorado por nossa tradição filosófica até Nietzsche, During, Marx, Dietzgen, Freud, Sartre, Camus... quando o tema de deus foi declarado inadequado ou proclamado tabu.

Desde então a Ética carunchou e apodreceu como sói as batatas...

Claro que o nome Ética continuou a ser empregado.

Afora os positivistas e cientificistas fanáticos poucos atreveram-se a questionar a existência da moral ou da ética.

Houveram mudanças radicais...

Assumindo a nova ética um caráter individualista, subjetivo e relativista muito semelhante aquele que lhe fora atribuído pelos sofistas.

Justamente com Cristo, a Virgem, os Santos e todas as 'fanfarronices' do Cristianismo, também Sócrates e Platão, se quem que gentios e adoradores dos deuses imortais, receberam um pé na bunda ou melhor nas bundas...

Disse Sócrates que no futuro a humanidade reconheceria não ter feito ele mal algum. Já Xenofonte e Platão cogitavam que num futuro não muito distante todos haveriam de convir que jamais havia vivido homem tão sábio e virtuoso quanto o filho de Sofronisco e Fenarete... dois mil e quatrocentos anos depois no entanto... a intelectualidade contemporânea parece ter dado ganho de causa aos sofistas!

Invertemos, subvertemos... importa ter mantido o nome Ética, afinal as mentiras convencionais devem ser mantidas religiosamente, como dizia Mestre Nordau.

Sem mentiras convencionais fica difícil viver assim como vivemos...

Assim discutimos sobre nossos interesses, defendemos o que nos agrada, sustentamos aquilo que desejamos ou queremos e a tais exercícios de vã retóricos atribuímos o nome de ética.

Afinal em que consiste a ética contemporânea, oferecida pelo materialismo, ateísmo e mesmo agnosticismo senão na defesa do 'utilitarismo individualista', nome pomposo com que crismamos nosso egoísmo?

Perguntem ao Stirner, ao Nietzsche, a Ayn Rand e virão a saber que é ética contemporânea, isenta de elementos deletérios ou Cristãos. Nem puderam Benthan e Mill postular um utilitarismo social ou gregário sem que fossem representados como 'beatos' e escarnecidos. De fato nada na ordem natural constrange-nos a sacrificar os interesses individuais pelo interesse social. Eventualmente tal se sucede, como testifica Kropotkin no 'Apoio mútuo', mas nem sempre... Ademais se tais ocorrências não constituem lei tampouco tem o poder ou a força de constranger a criatura racional e livre.

Estou de pleno acordo com o pensador russo no sentido de que não podemos mais permanecer atidos a uma Ética religiosa, particularista e sectária. Nem por isso, com Dostoievsky, satisfaço-me com esta nova ética agnóstica ou ateística. Torno assim mais uma vez ao ideal ético do iluminismo ou melhor dizendo da Grécia antiga, este por sinal construído não em torno duma entidade situada fora do mundo ou para além do mundo, mas em torno duma entidade presente no mundo e em comunhão com ele.

Grosso modo o que distingue a ética antiga da nova ou a ética dos antigos gregos desta ética contemporânea é o desinteresse e o interesse.

Quando os antigos gregos refletiam a respeito dos grandes temas ou problemas relacionados com a Ética e sustinham esta ou aquela teoria face a qual nós, modernos, acreditamos poder tirar máximo proveito, verificamos que ele, raramente auferiam proveito das teorias que sustentavam.

Trata-se de um aspecto deveras interessante que nos conduz diretamente ao tema do amor a verdade, da busca pelo conhecimento, da livre pesquisa, da investigação desinteressada... e reputo este aspecto como um dos mais interessantes em termos de filosofia clássica.

Concentre-mo-nos na figura de Aristipo de Cirene, um dos familiares de Sócrates e desafeto constante de Platão... como é sabido de todos, concebeu ele um sistema de ética em torno do prazer apetitivo ou físico em termos de comida, bebida, sexualidade, etc Diante disto só nos restaria imagina-lo como um comilão, beberrão e promiscuo sobremodo intemperante. No entanto as descrições que dele possuímos parecem desfazer este juízo apressado... ao que tudo indica tratava-se de um homem virtuoso ou mesmo sóbrio.

Então por que raios arquitetou uma doutrina destinada a justificar a fruição dos prazeres físicos ou corporais? Certamente porque estava persuadido de que sua doutrina correspondia a realidade ou que era verdadeira... Diante disto por que não tirou maior proveito dela vivendo como um porco de Circe? Por que não tinha interesse ou melhor porque os antigos pensadores gregos não tinham o vezo de defender seus próprios interesses ou o que mais os agradava.

Argumentar em torno dos próprios interesses parecia muito pouco filosófico para aqueles homens.

O exercício da Filosofia parece ter algo a ver com o desinteresse imediato...

Não era um ato de argumentar em torno de conveniências ou oportunidades.

É justamente este viez que faz a grandeza daquela Filosofia.

Homens sustentavam teorias, ideias e opiniões, que aparentemente, não lhes propiciavam qualquer benefício ou qualquer vantagem imediata.

Sustentavam este ou aquele sistema por estarem persuadidos de que era verídico.

O padrão ou critério daqueles homens não era o proveito imediato ou uma vantagem a se tirar, mas a verdade ou o conhecimento da realidade.

Disputavam, arengavam, debatiam, discutiam, dialogavam... tendo em vista esclarecer algum ponto obscuro. E não justificar seus gostos ou seus vícios.

Filosofia grega jamais foi sinônimo de justificar algo que se fazia ou pretendia fazer. Eles não partiam de seus desejos, gostos, aspirações... tentavam antes de tudo alcançar o ideal ou saber como deviam fazer.

Os post modernos é que converteram a ética num exercício destinado a argumentar em torno das próprias ambições, gostos, desejos, aspirações... e a justificar os próprios vícios e defeitos, em particular o egoísmo. Tudo quanto temos hoje são apologias do egoísmo, sob a alcunha de individualismo.

Primeiro o homem age e depois justifica sua maneira ou modo de agir. Desde quando isto é ética?

Nenhum questionamento, problema, esforço... apenas defesa do que já se fez e pretende continuar fazendo sem cogitar em qualquer possibilidade de mudança. Afinal o homem de hoje converteu-se mesmo em medida de todas as coisas e legislador supremo para si... Como, diante disto, poderia este homem auto suficiente procurar por uma regra externa e universal de vida a qual adaptar-se???

Se constitui norma e regra para si mesmo...

Agora que elemento comum podemos ter que transcenda a política ou a democracia formal?

Elemento algum.

Pois somos individualidades específicas ou ilhas humanas cada qual com seus princípios e valores.

Diante de semelhante revindicação ou tomamos o político ou o social como único tipo de convenção destinada a nivelar a multiplicidade dos seres livres e estabelecer os limites do privado e do comum; ou reconhecemos como realidade única e irredutível esta infinidade de átomos humanos sempre prestes a se chocarem uns contra os outros...

No primeiro caso temos um estado ou uma comunidade, ou ainda um grupo soberano e inquestionável na medida em que a lei natural é obscurecida, restando apenas a lei positiva. Aqui os direitos e garantias da pessoa humana ficam em certo sentido ameaçados...  agora como postular direitos essenciais e inquestionáveis, sem fazer postular uma lei natural? E como postular uma lei ou direito natural sem tocar o problema de um Legislador natural??? Agora se o estado ou o grupo social assume o lugar deste legislador supremo ou natural quão grande não será o seu poder!

No segundo caso, do relativismo crasso ou absoluto, nem poderíamos condenar positivamente o nazismo, o fascismo, o comunismo, o fundamentalismo religioso, etc Pois o que um de nós condenasse outro justificaria... os homens passariam da discussão as vias de fato, desta a guerra, e chegaríamos ao Caos nos termos do 'Leviatã' de Hobbes... A extinção de todo e qualquer vínculo social, última e derradeira fase do individualismo, resultaria justamente no domínio do fraco pelo forte i é na tirania; ou num conflito universal.

Face a este dilema a solução mais plausível consiste em reconhecer o benefício da unidade política (em termos de uma democracia o mais direta possível) ou da lei positiva; limitada no entanto pela lei natural enquanto fiadora dos direitos essenciais da pessoa humana. Isto no entanto implica a ideia de um Legislador natural... Sem a ideia de um legislador natural ou de uma alma do mundo não há como erigir uma ética objetiva em torno da essencialidade, a Ética de que precisamos no momento presente para dar suporte ao humanismo.

Não podemos sair desta xaropada individualista ou destas justificativas em torno do egoísmo se apelar a um elemento unificador. Agora caso apelemos ao estado ou ao grupo social correremos sempre o risco de diviniza-lo ou de atribuir-lhe competência total. Neste sentido julgo mais prudente apelarmos a uma consciência ou espírito universal mais ou menos difuso nas criaturas racionais e cuja forma é a própria racionalidade.

Para que não venhamos todos a perecer faz-se mister ressuscitar o sentido da ética, o sentido antigo, o sentido clássico, o sentido perene. Para tanto talvez tenhamos de resgatar a ideia de Deus ou ao menos discuti-la com a mente aberta e isenta de preconceitos.

No próximo artigo tornaremos a Filosofia grega com o intuito de repensar algumas doutrinas formuladas no campo da Ética.