quinta-feira, 15 de julho de 2021

Problemas naturais em torno do emprego social da violência.

Admitir o emprego circunstancial da violência no âmbito social não pode equivaler a repousar em berço esplêndido. 

Pois para o intelectual como para o Cristão autêntico neste mundo não há nem pode haver repouso. É mundo de fenômenos e transformações o mundo em que vivemos e assim fonte de incômodos.

O milionário cuida ser imune a essa loteria sinistra. Desenvolve ELA ou Kreutzfeld Jacob, recorre ao suicídio... Que se há de fazer? Não há quem seja imune aos tentáculos do azar e por isso já foi a vida comparada e um jogo ou a uma roleta.

Evoluímos ou nos adaptamos impulsionados pela dor, daí o rifão: Quem não se emenda pelo amor se emendará pela dor.

Temos uma psicologia sinistra, a ponto de só valorizar o que perdemos. E com grande dificuldade alteramos as estruturas sociais.

Ilusão imaginar como fácil ou trivial o manejo social e circunstancial da violência. Ao sujeito crítico e reflexivo planteia ele problemas que devem ser analisados com toda atenção.

Para começo de conversa devemos acentuar o quanto nossa apreciação sobre a violência defere da apreciação feita pelos revolucionários, os quais por meio do entusiasmo chegam a construir uma mística em torno da violência. O voluntarismo e o irracionalismo conduzem ao odinismo ou melhor são suas fontes. Nós no entanto não aprovamos recurso a violência cega, mas aspiramos a um emprego planejado, calculado, sóbrio, limitado e racional da violência. 

Por isso noutros ensaios comparamos o emprego da violência a manipulação dos venenos ou das drogas assim da radioatividade. 

É algo cujas doses devem ser medidas e muito bem medidas.

Algo que se faz, devo dizer, a contragosto. Pois comporta sérios riscos.

De fato o primeiro problema que se coloca aqui é de ordem psicológica. 

Materialistas e contaminados em maior ou menor grau pela baboseira positivista é de presumir o quanto nossos revolucionários sejam ignorantes em termos de psicologia. Outro bordão nosso: Nos domínios da psicologia é o positivismo uma aberração.

Aqui ou ignorasse ou mistificasse.

Importa saber que devido a fatores de ordem psicológica, alias elementares, o uso da violência corre o risco de sofrer os mais terríveis abusos ou de degenerar.

Advirto que o próprio Sorel reconheceu como nada recomendável o uso da violência na esfera das relações pessoais. Deve a violência permanecer restrita a esfera do social para ser lícita ou digna. 

É a advertência soreliana preciosa.

Afinal o quanto podemos observar quanto as Revoluções no curso da História são abusos. 

Nem é preciso ser gênio ou intelectual de grande calado para deduzir e constatar que equivalendo as Revoluções, sedições, guerras, conflitos e batalhas socialmente a situações de anomia, propiciam facilmente a passagem da violência do âmbito social para o âmbito pessoal, abrindo um leque de possibilidades criminosas, assim assassinatos, tortura, estupro, etc impulsionados pelo rancor, pelo ódio ou pelo desejo de vingança, as quais dificilmente seriam exequíveis numa situação de normalidade.

Vou além por declarar ainda que o emprego indiscriminado, descontrolado e irracional da força ou da violência podem inclusive favorecer a ação de neuróticos e psicopatas afetados pela própria atmosfera de violência. Possibilitando que calculem e cometam seus crimes com mais facilidade do que em condições habituais. 

Ocorre-me uma narrativa clássica ou ao menos bastante conhecida registrada nos escritos religiosos dos antigos judeus. Quase todos haverão de recordar a estória de Urias, oficial do rei Davi, o qual vindo a cobiçar sua esposa determinou que, durante uma situação de violência ou guerra, fosse ele colocado na linha de frente de modo a morrer e... Podendo então o 'querido' rei fornicar com Betseba, sua viúva. Não digo ser isto factual, mas bem poderia ter sido.

Do mesmo modo e maneira os escritos clássicos estão repletos de narrativas sobre vinganças pessoais ou desforras entre inimigos sucedidas nas guerras - É quase como um lugar comum.

Por isso dizemos e repetimos: Manejo racional da violência e não explosões irracionalistas de violência. Pois o subconsciente apresenta-se sinistro mesmo através da arte moderna, irracional e psicologista. 

Ocioso mencionar os abusos a que ficaram sujeitas as populações antigas por ocasião das guerras.

Refiro-me aos ataques a população civil presentes na narrativa da Guerra de Tróia com os habituais estupros, assassinatos, torturas, etc 

A bem da verdade se considerar-mos que a coisa começou com os assírios é fato que persas, gregos e romanos, foram depurando a prática. Embora durante a antiguidade tudo dependesse do carater dos reis ou generais, e se houve um Ciro entre os Persas houve igualmente um L Mumio entre os romanos e, sabido é o que fez a Corinto e sua população. Já o 'afável' Alexandre fez o mesmo a Tebas e a Tiro, e quanto a primeira salvou-se apenas a casa do Poeta Píndaro.

Com a chegada dos povos teutônicos houve, na Europa ocidental, como que um retorno ao padrão assírio e um reforço a violência. O título de 'flagelo de Deus' conferido a Átila já nos revela algo sobre ele e seus Hunos. As coisas só principiaram a melhorar devido a Trégua de Deus estatuída pelo monge Gerardo a luz do Santo Evangelho e desde então, embora muito lentamente, a situação foi melhorando. Até que em algum momento da Idade moderna, foram os civis colocados fora da guerra, a qual converteu-se em ofício de soldados a ser resolvido num campo de batalha. De fato chegamos aqui a um progresso imenso. No entanto desde o século XIX devido aos novos armamentos, assim bombas e metralhadoras, cunhou-se o conceito de Guerra total, tornando a ser a população civil ameaçada. E tivemos aqui um retrocesso.

Por isso aqueles que se referem aos excessos como coisa do passado, do tempo dos reis ou do antigo regime estão totalmente equivocados. Pois temos aqui uma questão humana que toca a nossa condição psicológica que toca as fontes mais obscuras da personalidade humana e ao que chamamos de atavismo. Enfim de algo que sendo feito sob pressão e com grande risco afeta drasticamente o comportamento.

Fato é que sendo o conflito ou a sedição apoiado pela maior parte dos cidadãos de uma dada república, a guerra civil, diferira essencialmente da guerra propriamente dita. Pois o inimigo pertencerá não a outra cidade mas a outra facção, partido ou classe, quando não de outra cepa em termos de Ética. E para fazer petição a violência devemos ter certeza de que tal elemento é sempre minoritário. 

Todavia nem por isso a retaliação afetiva, ligada a ideologias e rancores pessoais, deve ser excluída. Podendo sempre atingir familiares e apoiantes dos que controlam o poder. 

Sorel, embora não esteja totalmente equivocado, tento racionalizar (Ele que era irracionalista) o fenômeno. Atribuindo os excessos cometidos pelos revolucionários a um otimismo idealista e romântico em torno da condição humana. Todavia os marxistas e fascistas, que passam por realistas ou pessimistas nesse plano não foram mais comedidos do que os jacobinos. Por isso digo e repito que o problema da violência, de seu manejo e excessos ou abusos é mais complexo do que se supõem sendo suas raízes psicológicas e afetivas.

Importante para aqueles que aspiram manejar a violência pensarem em mecanismos de controle tendo em vista tais abusos, impedindo assim que a violência se generalize no sentido de ultrapassar as fronteiras do social. 

Mesmo quanto armados e preparados para lutar pela melhoria da República devem os cidadãos ser exortados, no sentido de não cometerem tais abusos, sabendo que serão punidos com o máximo rigor da Lei, bem cabendo a tais excessos, a pena capital. Não se pode usar a guerra ou manejar a violência, destinada a promover a justiça, contra civis indefesos ou mesmo prisioneiros imobilizados. Pois seria desnaturar o emprego da violência além de torna-lo sempre questionável por parte dos pacifistas radicais.

Outra questão importante diz respeito a como recorrer a violência social em caso de necessidade se a legislação, limitando o porte de arma, dificulta que a população como um todo possa armar-se ou estar armada?

É tema ou problema que comumente se coloca. Especialmente quando somos governados por um odinista teocrático como Bolsonaro. O qual aspira armar até os dentes sua milícia de crentes fanáticos e lança-los contra as instituições democráticas. No entanto, do outro lado, nazistas, fascistas, comunistas e mesmo alguns grupos anarquistas esperam armar-se também, valendo-se da mesma 'lei' que facultaria aos civis livre acesso a armas e munições. Destarte poderiam eles formar suas milicias ou organizações paramilitares e deflagrar a tão sonhada revolução ou contra revolução. Posto está, e de modo bem claro, que esses diversos 'exércitos' armados levariam a república ao caos, criando mais um inferno sobre a terra, e desta vez sobre a terra de Santa Cruz. De fato seria uma tragédia ou calamidade assistir fundamentalistas, capitalistas, comunistas, fascistas e anarquistas enfrentando-se uns aos outros a bala em cada praça ou esquina, e denunciando os cidadãos como comparsas de um ou outro dos grupos rivais com o objetivo de justiça-los.

Mas é o que digo, do outro lado há ideólogos radicais ou expoentes revolucionários que concordam em gênero, número e grau com a política odinista do Bolsonaro.

Partidários da violência social, racional e circunstancial junta-mo-nos aqui aos pacifistas de toda casta para dizer um categórico não ao armamento dos civis. 

E por que?

Simples - Porque enquanto não se eclode a tal da Revolução e as armas permanecem nos lares tendem a ser usadas na esfera pessoal sempre que  estoura algum conflito, seja no recôndito da família ou entre vizinhos, facilitando a execução de crimes ou potencializando a gravidade dos mesmos. Ocorre-me ter discorrido largamente sobre a menor letalidade das armas brancas e maior chances de escape e defesa quanto aqueles que por elas são atacados em comparação com as armas de fogo e de fato não se compara nem de longe o potencial mortífero de um rifle ou de uma metralhadora com o de uma faca. Já pensou atacar alguém que maneja uma metralhadora com um porrete ou taco de beisebol? Outro o caso de alguém empunhando uma tesoura ou facão. 

Além disso da existência de armas em casa tem resultado alguns acidentes muito tristes envolvendo crianças, quando não tem resultado em autênticas carnificinas. Vira e mexe lá nos EUA um cinema, uma escola ou mesmo um edifício religioso é invadido por um psicopata que acaba metralhando algumas dúzias de inocentes. O que da mesma maneira tem ocorrido por ocasião as guerras e conflitos, ou mesmo após seu término, por parte de ex combatentes afetados.

Neste caso, quanto o emprego social da violência, devemos concordar com certo grupo de comunistas que preconizam a 'conversão' ou formação ética, diria eu, dos militares e policiais, no sentido de alinharem-se com as aspirações populares. Aqui uma postura maniqueísta como a que demoniza os militares e policiais não ajuda em nada. Pois nas situações de crise caberia a eles treinar os civis, entregar-lhes as armas e combater com eles. 

Quanto aqueles que me classificarem como utópico enquanto postulam a tal abolição do "Estado" ou das "Classes" só lhes posso rogar para que tirem as traves de seus olhos antes de virem soprar meu cisco. 

Pois embora pertençam as organizações problemáticas militares e policiais também são seres humanos, com habilidades e competências humanas, ao menos em potência.

Outro seria o caso de facilitar a posse de armas para todos: Psicopatas, pentecostais, sunitas, nazistas, fascistas, comunistas, anarquistas, capitalistas, nazistas, etc e nossa sociedade está já tão fragmentada e cristalizada em torno de grupos ou setores beligerantes, que admitida esta solução só poderíamos esperar não um manejo racional da força e sim um estado de guerra generalizado, bem no estilo ou nos termos de um Hobbes. Um tipo de conflito como esse, generalizado, não desejo.

Exaradas tais considerações devo por fim a este artigo, pois já me estendi em demasia e consegui registrar minhas razões, sempre na perspectiva equilibrada do realismo. 

Enfim uma coisa é admitir o manejo ocasional da violência na esfera social. Outra coisa, e bem, distinta é vibrar com as explosões da violência cega e descontrolada. Quanto a esta mística da violência não comungamos dela. A violência pela violência ou a simples percepção de que a violência é a chave ou gatilho com que acionar as mudanças porque aspiramos em termos estruturais equivale ao mais venenoso dos enganos. 

Quando manejada por pessoas éticas poderá a violência conseguir algo, retardar o avanço do mal ou mesmo servir como paliativo. Já manejada por espíritos turbulentos e inescrupulosos converter-se-a na pior das maldições ou na nêmesis da civilização. 













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