quinta-feira, 15 de julho de 2021

A metafisicalização das verdades e a deturpação da realidade.

Nobre é a busca pela verdade e preciosa sua aquisição.

Há mais de milênio e meio disse alguém que toda e qualquer verdade procede, ao menos remotamente, do Espírito divino.

De fato qualquer verdade, por ínfima e humilde que possa parecer é como que uma cor ou tom no caleidoscópio do infinito.

Da combinação química presente no molho béarnaise e da formula da água as complexas fórmulas matemáticas que exprimem a realidade da física, assim a Teoria da Relatividade.

Agora por belas e majestosas que sejam certas verdades matemáticas expressas por gênios como Tales ou Pitágoras, Euclides ou Arquimedes, Euler ou Gauss, tem elas seu próprio lugar ou espaço no plano da realidade. 

E mal fica que um Pareto as queira transplantar a fina força para o plano da economia com a esfarrapada desculpada de que é a economia uma ciência exata e assim tão matemática como a física.

Como mal fica a matematicização total iniciada por Descartes e completada por aqueles (Dentre todos por Comte.) que, a modos de novos Pitágoras, aspiraram levar as fórmulas newtoneanas a Filosofia, a Biologia, a Geografia, e assim por diante. E daí surgiram sistemas ideológicos aberrantes.

Não que deseje increpar as matemáticas apenas. Que os matemáticos, face os religiosos, os biólogos, o sociólogos e outros foram humildes. 

Comecei pelos matemáticos e ideólogos matematicizantes, geralmente de inspiração positivista, apenas para obter exemplos.

A partir dos quais a escamoteação da realidade ficasse suficientemente clara, e se pudesse perceber o processo de metafisicalização urdido pelos ideólogos inconsequentes.

O qual consiste em detectar uma verdade qualquer situada em determinado campo da realidade e estende-la a todos os outros campos, qual fosse, um princípio universal capaz de tudo explicar quando na verdade mística e obscurece a contemplação da realidade.

E é esta manobra tão aberrante a ponto de que, quando certo fato nela não se encaixa, destoando do esquema, bastar para que o dito fato - E outros mais - seja negado. E negam-se fatos que são verdades em nome da teoria ou do esquema querido. 

Partindo da fé religiosa por exemplo, que é, do ponto de vista Cristão Ortodoxo e Católico, imutável e autoritativa, concluiu certo grupo, representado de modo geral pelos integralistas, que também a organização política e social deva ser imutável e autoritativa ou autoritária, isto a ponto de apresentarem seu monarquismo ou despotismo e seu conservadorismo tosco como espécie de dogmas de fé (O que de fato converte-os em heréticos.). Quanto ao papismo já disse que o insuspeito Joaquim Pecci ou Leão XIII, desferiu rude golpe sobre tais homens desorientados ao declarar, como era esperado e justo, que a organização democrática é perfeitamente compatível com a fé, o que é igualmente válido quanto a fé Ortodoxa ou qualquer Igreja apostólica. 

Já quanto o conservadorismo tosco, que é um pensamento rasteiro e falsa apreensão da dinâmica social escusado seria que um papa romano, patriarca, Bispo, presbítero ou clérigo qualquer o refutasse.

Afinal quem autorizou tais pessoas a ultrapassarem os limites do sagrado e aplicar as notas que pertencem exclusivamente a revelação divina, a realidade sublunar e as instituições humanas. Agora porque a Revelação divina é autoritativa e divina desde quanto as instituições políticas e sociais devem ser autoritativas e divinas? Nada mais ímpio do que divinizar o humano, pois é aproximar-se da idolatria. 

É o quanto basta sobre nossos irmãos desorientados. 

Passo agora os agostianianos e heréticos da mesma cepa, representados por Calvino e por diversas seitas protestantes, os quais estendem sua crença ímpia sobre a corrupção total da natureza humana e a inexistência do livre arbítrio ou o determinismo sagrado a realidade vivida como um todo. 

E tocando a questão da epistemologia advogam que o homem nada pode saber fora da Revelação, posto que os sentidos e a razão enganam-no. Pronto temos o ceticismo...

Agora como é o homem um ser sempre depravado, apesar da graça e do batismo, é necessário que seja objeto de uma educação repressora. Pronto temos o moralismo ou puritanismo.

E como mesmo essa educação não basta para redimi-lo precisamos de uma estrutura eclesial ou secular com que fiscaliza-lo e disciplina-lo, mantendo-o sob controle. Pronto temos o autoritarismo.

E como todo esse ordenamento procede da fé imutável temos o conservadorismo.

E como a experiência e a reflexão nada são, a ciência - Especialmente se oposta aos mitos judaicos do antigo testamento. -  tampouco vale alguma coisa - Pronto temos o negacionismo, do qual procedem criacionismo, geocentrismo, terraplanismo, etc 

Agora veja como temos aqui um perfil ideológico bem definido procedente do agostianismo/calvinismo com sua antropologia e psicologia estendidas a diversas outras áreas da existência.

E não é para admirar que a mesma criatura que se recusa a reformar a Sociedade ou a moralidade, após ter reformado muito mal o Cristianismo ora pretenda reformar a História, a Geografia, a Física, a Química, a Biologia, a Psicologia e todos os conhecimentos sólidos e seguros aduzidos pelo gênero humano.

É toda uma escolástica de matriz religioso parte parte de um dado equivocado.

Pois aqui não se trata de verdade alguma. No entanto mencionamos a tragédia, por ser correlata ao fenômeno que relatamos quanto a profanação da verdade.

Ainda no plano religioso dos erros temos o princípio individualismo canonizado pelo protestantismo já em seus primórdios, o qual foi sendo sucessivamente secularizado e aplicado a outros campos da realidade pelos protestantes. De que resultou uma economia individualista a que chamamos liberalismo econômico ou capitalismo. Uma negação da política, a que chamamos anarquismo, especialmente a partir de Stirner. E uma proposta 'ética' que conservou o termo individualismo com Ayn Rand, havendo quem por força de coerência sejam protestante, capitalista, a anarquista e individualista - Assim um ANCAP. E temos pessoas com esse perfil nas Igrejas Ortodoxa e romana nas quais as normas e regras são totalmente opostas a esta visão, por partirem de um princípio diametralmente oposto ao individualismo, como o solidarismo ou fraternalismo.

No entanto essa infecção ideológica saiu de controle, deixou seu campo - que era o protestantismo, um campo religioso - e contaminou diversos outros, produzindo alias um sistema de cultura, tanto mais firma nos EUA e tanto mais preciso sob a forma ANCAP, que é produto final de tudo isso.

A partir do anarquismo, surgiu esse negacionismo iconoclástico radical, adversário de todas as instituições e não apenas da política, o qual estendeu-se ou alastrou-se a quase todas as áreas da realidade como uma espécie de rival do conservadorismo. E se o conservadorismo, sem fazer mínima distinção entre bem e mal ou entre o que merece e não merece ser conservado segue seu caminho, o anarquismo, assumindo um progressivismo virulento de origem metafísica, vai pelo extremo oposto. 

No plano institucional esse anarquismo (A que Sorel credita o mérito de o te-lo em conta de incoerente. Rappoport) negou-se a inserir-se onde quer que fosse: Parlamento, sindicato (Sorel, Kropotkin e os seus o fizeram por conta e risco e enfrentaram o repuxo da 'Ortodoxia'.), escola, igreja, etc apregoando a deserção do mundo e a destruição completa do mundo burguês por meio de uma Revolução não poucas vezes sangrenta. Pouco mais tarde completou o anarquismo seu trajeto e coroou sua visão totalizante com a negação da cultura teórica: Da Filosofia, assim da gnoseologia; da ciência, assim da epistemologia e enfim da estética, negando o passado em sua totalidade. Aqui encontrou-se ele com o ceticismo, em parte já secularizado e com o relativismo/subjetivismo kantiano tributário de Lutero e assim de Agostinho. Sem averiguar as possíveis fontes de suas crenças carregou e trouxe consigo o anarquismo, um travo pessimista quanto o passado do homem, no qual viu apenas opressão.

De modo que o partindo da negação do parlamento ou do politico e passando pela negação das instituições atuais, chegou o anarquismo a manifestar-se e impor-se como modelo ideológico completo, aqui sustentando posições céticas e relativistas, ali posições anarquistas (Vide a posição de Feyerabend quanto a pesquisa científica.), e por fim quanto as artes, posições psicologistas que ajudaram a criar essa arte sinistra que é a arte moderna, alias com grande dose que pragmatismo burguês advindo da cultura capitalista. 

Podemos dizer assim que o espírito anarquista alastrou-se pelo universo e consolidou-se em diversas áreas que sequer faziam parte da proposta primitiva. E produziu-se como dissemos uma visão anarquista totalizante, um óculos ou uma lente a partir da qual se busca ver o mundo através da mesma perspectiva e manter certa dose de coerência.

O que queremos dizer ao fim deste artigo é que elementos das matemáticas cartesiana e newtoneana, da Revelação Cristã ou da heresia agostiniana e enfim da postura anarquista - E são apenas alguns exemplos - foram recortados ou descolados e inseridos artificialmente noutras tantas áreas da existência ou do conhecimento de modo a tudo explicarem ou darem origem a visões de mundo que obscurecem a própria realidade. Daí resultaram diversas ideologias ora reinantes como o positivismo, integralismo, o puritanismo, o conservadorismo, o autoritarismo, o determinismo, o negacionismo científico, o irracionalismo, o ceticismo, o negacionismo social, o psicologismo, o modernismo estético, etc todo esse cipoal que não poucas vezes se enlaça e encontra, complicando ainda mais a compreensão e consequentemente a exposição das ideias.






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