segunda-feira, 23 de julho de 2018

Ravachol, Sante Casério... e a propaganda pelo fato.

Resultado de imagem para ravachol








Qual o preço a ser pago por ser justo?

Não sei...

Vai de um 'deslike' no mundo contemporâneo ou a um xingamento a cicuta que o grande ateniense teve de tragar.

É que hoje já não nos podem fazer tragar cicuta ou ameaçar com a corda fazendo correr a Calcis ou ao país mais próximo.

De alguns dizem que foram queimados vivos, como Pitágoras ou Moídos vivos num pilão gigantesco como Zeno.

Quanto aquele que disse 'Ai de vós que juntais casa a casa e somais campo a campo' dizem ter sido serrado ao meio por ordem do ímpio Manassés.

Carneades teve a sorte de apenas ter sido expulso da cidade eterna por Catão. Epicteto teve a perna quebrada, antes de ser exilado por decreto imperial. Petrônio o 'árbitro da elegância' teve de suportar os 'grunhidos' de Nero e Sêneca de abrir as veias. Helvídio Prisco foi mandado matar por Vespasiano.

S João Crisóstomo teve de morrer no exílio, S Máximo teve a lingua e o braço cortados, S Atanásio, S Hilário e muitos outros amargaram o exílio em terra estrangeira.

Conecto foi lançado as chamas. Edeline e De Lure foram encarcerados. Vieira processado pela Inquisição.

St Just, Robespierre e o próprio Babeuf supliciados.

Uma multidão de Católicos sociais, os filhos mais esmerados da Igreja, insultados e descritos como comunistas pelos traidores. D Lefevre e o abbe Georger de Nantes perseguidos incansavelmente pelos pedreiros livres. Emmanuel Mounier e Jacques Maritain caluniados pela ralé.

Também Kropotkin e Tolstoi, Ghandi e Thoureau, Blum e Nearing, dentre muitos outros, tiveram de conhecer as privações do cárcere, assim Hérzen, assim Lavrov... Chaplin teve de abandonar o EUA, que dizem ser a terra da liberdade!!!

Vargas foi assassinado da mesma maneira como Gabriel Garcia Moreno.

E sucessivamente os justos tem sofrido nas mãos do paganismo, do judaísmo, do papismo, do protestantismo, do capitalismo, do absolutismo régio, do comunismo, do nazismo, do fascismo e de todas estas culturas de morte abomináveis. Socráticos, Católicos, Policratas, Anarco socialistas e outros tantos amigos do homem tem sido sucessivamente oprimidos e suprimidos por terem ousado alça a voz em defesa da verdade.

Aqueles que se postam intransigentemente, ao lado da justiça e sem consideração de ideologias tornam-se odiosos!

Aqueles que afrontam os preconceitos sancionados pelo senso comum tornam-se detestáveis.

Aqueles que levantam-se contra a mediocridade dominante atraem numerosos desafetos.

Diante disto que fazer?

Calar-se e compactuar face quanto esteja errado ou afrontar?

Seguidores daquele que morreu suspenso no alto do calvário temos por imperiosa e imperativa a segunda opção!

No entanto por uma questão de prudência e para não dar ocasião de escândalo aos mais débeis queremos deixar bem claro qual seja nosso pensamento sobre a 'propaganda pelo ato' ou pela 'propaganda pelo fato' levada a cabo pelos bakuninistas radicais no último quarto do século XIX.

Sabemos muito bem quem foi o patife Nechyaev e quais foram suas relações com Bakunin, intelectualmente falando o menos afortunado ou mesmo pigmeu dos anarquistas. Face a Proudhon e Kropotkin Bakunin é para lá de medíocre...

Para nós a 'propaganda pelo fato' corresponde a algo de monstruoso, abominável, grosseiro e inadmissível sob qualquer pretexto ou alegação. Coisa de gente bárbara, cruel, vil e desumana; quando sã.

Afinal nós não pertencemos ao grupo daqueles que colocam a verdade ou a ideologia, seja ela qual for, acima da vida humana. Nós situamos a vida humana acima da verdade. E por isso não acreditamos que matar seja uma forma ou uma maneira de lutar pela verdade. Admitimos que a violência e a morte sejam justificadas face a opressão, a dominação, a miséria, a injustiça... Acreditamos que os homens possam reagir face a situações sociais de injustiça. Acreditamos na violência defensiva ou na guerra justa, mas de modo algum que se deva matar pela verdade ou em nome da verdade. A verdade é algo que se decide por meio da persuasão ou seja através de evidência e argumentação e não através de bombas, fuzis ou baionetas.

A menos que alguém, capaz de defender-se, opte por morrer por seus ideais ou que se auto sacrifique, é a verdade manchada. Honorifica-a o verdadeiro martírio, dos fortes. Polui-a o assassinato, o derramamento de sangue, a carniçaria, a matança... Matar será sempre matar, jamais defender a verdade. Assassinar será sempre assassinar, jamais promover o conhecimento. Educar jamais será sinônimo de ensanguentar.

Por isso condenamos a propaganda pelo fato da mesma forma que condenamos o terrorismo promovido pelos adeptos do califado; e antes de condena-los despresa-mo-los como o substrato mais baixo da ralé. Como bárbaros, rudes, grosseiros e inimigos da civilização. Não compactuamos com nada disto, e quem ousar declarar-nos partidários de tais recursos seja tido em conta de vil caluniador e mentiroso.

No entanto uma coisa é condenarmos o método empregado por Ravachol e seus companheiros, assim Vaillant e Sante Casério e outra condenarmos a eles como se não passassem de vis criminosos, sádicos, cruéis, etc sem quaisquer conexão com a sociedade em que viviam. De fato adotaram meios inadequados, no entanto nem por isso deixam de ser produtos do tempo ou da sociedade em que viveram ou melhor homens que sentiram todo peso dessa sociedade e não foram capazes de suporta-lo.

Não adianta dizer que havia algo de errado com Emilé Henry ou com Meunier. É da-los como seres a parte da Sociedade, da Sociedade que eles arrenegavam. Então o que temos de analisar, caso queiramos ser justos é se, em que pesem os meios de ação inaceitáveis a que recorreram, tinham lá alguma razão no sentido de repudiar aquele tipo ou padrão de sociedade. Não se trata de absolver a eles, mas de condena-los e absolver aquela sociedade; isto é que nos parece problemático. Alias a ideia que se passa é que eram homens maus ou cruéis em luta contra uma sociedade paradisíaca ou no mínimo aceitável aos olhos da criatura racional.

E já começamos dizendo que aqueles homens, condenados por terem agido equivocadamente, eram filhos de uma Sociedade condenável, cujos métodos ou recursos condenáveis reproduziam. Apenas não eram hipócritas e dissimulados como aqueles que matavam em nome do poder, do dinheiro ou do que chamam de ordem e eram condecorados quando não homenageados com uma herma em alguma praça...

Ravachol e Vaillant, franceses, viveram nas décadas de 60, 70 e 80 do décimo nono século e eram ambos de famílias paupérrimas ou miseráveis. Na França, do século XIX, nem havia algo semelhante a 'poor law' inglesa, nem havia mais um S Vicente de Paulo. De fato a Revolução francesa foi mais imprevidente do que a Coroa Inglesa ao cabo do décimo sexto século. Pois se esta abandonou os pobre por meio século, a contar da extinção dos mosteiros em 1838 a aprovação da primeira 'poor law' em 1898, aquela deixou-os completamente abandonados até a criação das primeiras leis trabalhistas, criadas de 1892 a 1900 e consolidadas em 1938. Portanto o estado francês, marcadamente liberal,, após ter usurpado parte dos bens eclesiásticos - a exemplo da reforma protestante - e secularizado as abadias e mosteiros, abandonou os pobres por mais de século e eles ficaram completamente, totalmente desamparados... A igreja, a seu tempo, envenenada pelo incredulidade e assolada pelo terror, tornou-se absolutamente dócil, na França do décimo nono século. Apenas os Católicos sociais, como Ozanam, lutavam arduamente no sentido de mudar tal situação. Eram no entanto poucos... E as condições políticas inadequadas.

Desde a Revolução, em que pese o Catolicismo social, podemos falar de um significativo vácuo, quanto ao socorro aos pobres, a promoção humana e a proteção do trabalho. Não menos que na vizinha Inglaterra, vigorava um liberalismo sufocante. Mas os ingleses, ao menos durante algum tempo, contaram com a ação social metodista, responsável inclusive, segundo alguns teóricos, por ter espantado o espectro da Revolução... A França, cética e em parte secularizada não contava com algo semelhante. Sua situação era dramática, digo a situação dos pobres, dos trabalhadores, dos camponeses e das classes superiores, os quais levavam uma existência miserável.

Tanto Ravachol quanto Vaillant referem-se amiúde não apenas as situações de fome porque passaram, mas o que é ainda mais dramático, as situações de fome porque passaram seus pais ou irmãos mais jovens sem que tivessem uma mísera códea de pão duro com que forrar o estomago. Mas há quem ache tudo isto comum, aceitável ou até mesmo belo; enquanto a mesma época um único banquete oficial com que as autoridades constituídas recebiam uma autoridade estrangeira consumia uma soma capaz de manter dezenas de milhares de famílias pobres por anos a fio... Tais banquetes, aquele tempo constituíam a prioridade orçamentaria, juntamente com as armas e munições destinadas a reprimir e massacrar os possíveis insurretos, que não se conformassem com tão indigna situação. Eram umas reuniões idílicas e aprazíveis em que algumas centenas de fidalgos degustavam canapês de caviar, trufas, salmão, foie gras, faisão, vinho do porto, etc enquanto milhões passavam dias inteiros com as barrigas vazias, inclusive crianças! Um estado policial, cujo único fim era manter a força semelhante condição, a que chamavam ordem...

Ordem na França do século XIX significava que, segundo o nascimento, uns tinham de conformar-se com pão amanhecido - quando havia - enquanto outros podiam consumir toda sorte de iguarias finas e delicadas, cujo valor bastaria para matar a fome daqueles... E quando morriam eram os nababos sepultados com suas joias de ouro e pedrarias. Carcaças putrefatas eram enterradas com joias cujo valor seria capaz de matar a fome de um vilarejo inteiro por anos a fio. Um só daqueles anéis bastariam para levar pão as bicas de centenas de crianças famintas. Mas... preferiam encerra-lo com uma cadáver num caixão apenas para mostrar 'status'... Então avalie o que era semelhante sociedade! Banquete para uns e agonia para outros, segundo o nascimento, não segundo a inteligência ou o mérito, os quais pouco contavam, exceto quando ornavam uns bajuladores sem caráter.

Segundo Max Nordau - nas 'Mentiras convencionais' - (De man alude a isto) a grande diferença entre os banquetes oferecidos pela França republicana e os não menos faustosos banquetes oferecidos por um Calígula, um Nero ou um Domiciano - capazes de consumir as rendas anuais de uma única Província imperial! - era que estes não apareciam nas primeiras páginas de revistas ou jornais. De fato aquele tempo as comunicações eram bastante precárias, de modo que tais excessos apenas por ouvir dizer chegavam aos ouvidos das massas, jamais aos olhos e com viva cor. A partir de um determinado momento a imprensa pos-se a ostentar ou a por debaixo dos olhos desta plebe ignara o faustoso banquete degustado por nossas elites, tornando-os assaz conhecidos do grande público. E semelhante ostentação da fortuna ao lado da miśeria ou da fome tinha mesmo de despertar a indignação e a repulsa de muitos.

Não era apenas questão de gula ou fome, de excesso ou privação, de riqueza ou miséria, mas acima de tudo de ostentação. A sem cerimônia com que esses ricos esbanjavam o que facilmente ganhavam foi logo interpretada como um tapa na cara. Nós não apenas exploramos o pobre e o fazemos passar fome, não é suficiente - Humilha-mo-lo e tiramos sarro dele. Foi esse tipo de humor negro, já presente na fábula dos 'brioches' de M Antonieta, que exasperou os mais inteligentes e sensíveis dentre os pobres tornando sua miséria ainda mais dolorosa ou internalizando-a.

Além do mais, as pesquisas nos fazem saber que a fome enlouquece. Eu mesmo testemunhei como um de nossos assistidos - pessoa demasiado tímida para revindicar qualquer coisa - quase surtou durante o período em que ficamos doentes e não pudemos socorre-lo. Veja o senhor o que é a fome! Imagine então ter de dormir sabendo que sua mãe passa fome por ter dividido a única fatia de pão com os pequenos, que os pequemos talvez não tenham leite no dia seguinte ou que a sua irmã menos tenha de vender o que chamavam 'pureza' em troca de alguns pobres para ajudar nas despesas da casa... Tais as situações porque passaram Vaillant, Ravachol, bem como o italiano Casério.

Dickens nada inventou do quanto escreveu. Descreveu com fidelidade a crônica de seu tempo, a 'idade de ouro' do liberalismo econômico...

Mas perguntará nossa 'cinderela' ou nossa 'branca de neve': Por que tais homens não trabalhavam ou deixavam-se imolar, como outros tantos, pelo deus mercado??? Havia aquele tempo, mais do que hoje, um colossal exército de reserva composto por desempregados. De modo que conseguir emprego não era tão simples ou fácil quanto se pensa. Tanto pior nas Vilas espalhadas pelos campos em que o trabalho era sazonal. Havia com que viver durante o tempo da semeadura e da colheita, no entanto, durante o resto do ano... Sim, sempre se podia executar alguma coisa ou algum servicinho mas a remuneração era irrisória, ínfima... e o preço dos gêneros, elevadíssimo.

Parece inacreditável ao homem de hoje mas cenas como as que atualmente só se sucedem nos confins da Etiópia ou que ocorreram na Ucrânia do Holodomor, repetiam-se anualmente nos cantões da França caso a colheita sofresse alguma alteração imprevista e o valor dos alimentos subisse. Dezenas de pessoas morriam de inanição... Sem que o Estado fizesse qualquer coisa. O governo policial nada fazia além de recorrer as baionetas e reprimir os insurretos. Por que vocês acham que o anarquismo mais virulento fez sua primeira aparição na França, identificando o estado como o mal absoluto ou metafísico??? Por que durante quase um século, o estado francês inspirado por uma ideologia econômica liberal, omitiu-se por completo face ao problema da inanição, disto resultando a morte de muitos... Para não mencionarmos a fome, a miséria, o trabalho; que eram outros tantos problemas.

De fato viver naquela França 'doce' apenas para uns poucos privilegiados era literalmente enlouquecedor. De modo que Ravachol, Vaillant e outros tantos acabaram surtando e colocando em prática a solução inconsequente formulada por Nechyaev. Exasperados puzeram-se a estourar bombas aqui e ali julgando que exerciam vingança contra aquele estado imoral, insensível e cruel. E se bem que, via de regra, explodissem apenas espaços frequentados pela alta burguesia debochada, sabiam que corriam os risco de ferir ou matar os inocentes que por necessidade ali trabalhavam. Tampouco pararam para considerar a condição peculiar das crianças, dos alienados mentais ou dos idosos, para eles todos os que pertenciam ao 'meio burguês' eram igualmente culpados e como disse Emilé Henry não havia inocentes no seio da burguesia. O marxismo, visando ser mais humano, deu a entender que também o burguês ou ao menos alguns deles, podiam ser vítimas da alienação... Estes jovens aterrorizados no entanto, compreenderam que todos os burgueses eram insensíveis, sádicos, cruéis e culpados face ao calvário percorrido pela gente simples.

Seja como for fica difícil entender de que modo explodir um bebê burguês torna-se revolucionário. Me parece mais um ato irrefletido, face da revolta e da insanidade produzidas pela fome. Trata-se antes de tudo de um ato de sadismo, mas de um sadismo produzido no seio de uma sociedade sádica, por uma sociedade em que todos, inclusive os que protestam contra ela, acham-se anestesiados. Tal o sadismo dos que sepultam seus queridos com tesouros, bem como daqueles que devoram diariamente salmão, pernil, caviar... sabendo que seus irmãos não tem o que comer! De fato o sadismo assume diversas formas... Como cobrir-se com um vestido de seda, tafetá, chamalote, rendas, laços, fitas e pedrarias... com que se poderia saciar a fome de milhares de bocas. Não, não se trata numa insensibilidade ou duma frieza presentes apenas nos anarquistas ou terroristas, mas de uma insensibilidade difusa, socialmente partilhada e que num determinado momento voltou-se contra a própria sociedade.

Antes de julgar tais homens ou tais criminosos - que tenho em conta de mentalmente instáveis ou afetados e aos quais certamente absolveria - acho que devemos procurar conhecer melhor a Sociedade em que viveram e julga-la. Nem preciso dizer que tais homens eram vítimas da Sociedade. Que uma sociedade individualista e egoísta faça vítimas é uma obviedade...  Contento-me por dizer que faziam parte daquela sociedade e que eram expressão dela, não algo a parte... Eu tive honestidade suficiente para ler os depoimentos deixados por estes homens e sacar algumas conclusões. Diferentemente de Paul Adam não direi que tais homens fossem mártires ou santos - embora Ravachol tenha jurado jamais tornar a roubar galinhas de uns pobre camponeses magricelas para dar de comer a irmã menor - mas tampouco direi que eram uns alienígenas ou mesmo uns celerados sem coração. Tudo quando direi é que eram homens de seu tempo e de seu lugar, e que aquele tempo e aquele lugar certamente não eram muito bons.

Pronto falei ou melhor escrevi e aguardo já pelas pedradas, afinal o -

"Diga a verdade e saia correndo." ainda parece ser a regra vigente...

Enfim estamos diante de homens descristianizados, membro de uma sociedade descristianizada ou o que é ainda mais chocante, de uma Cristandade aparente. Pois como pode o Cristão, o Cristão Católico, permanecer acomodado e indiferente face ao irmão que passa por privação e fome??? Como pode o Católico encarar a fome, num ambiente em que a produção de alimentos é suficiente para saciar a todos, como algo aceitável ou comum??? Admitido isto, só posso dizer que há algo de muito estranho ou de muito errado com este Catolicismo e que não se parece nem um pouco com o Catolicismo dos Apóstolos, de Justino, Clemente, Ambrósio, Astério, Basílio, Crisóstomo, etc 

Nenhum comentário: