sexta-feira, 6 de julho de 2018

As fontes espirituais do Nazismo!

Antes de concluir a série de artigos sobre o Nazismo e o Papismo cumpre repassar o quanto já sabemos sobre o assunto - O protestantismo, enquanto crença responsável por ter lançado os fundamentos do nazismo foi muito mais vulnerável a ele do que a igreja romana, tendo colaborado em maior escala e sido perseguido em escala menor.

A Igreja romana esboçou uma resistência bem maior a Hidra nazista, a pondo de ser, mais uma vez, apontada como inimiga número um do povo alemão, como traidora, etc Discurso editado em 1543, em 1870 (kulturkampf) e pelos nazistas desde 1937/38.

Para compreendermos o pôrque do nazismo se ter afirmado a partir do protestantismo temos de acompanhar Nisbet apud "Os filósofos sociais" caput "A comunidade religiosa." top Lutero.  Que nos diz ele?

Lutero principiou enaltecendo a fé e mesmo espiritualidade individual, para acabar endossando o estatismo, o absolutismo, a tirania e o erastianismo/cesaropapismo... Ao afirmar que a igreja importavam apenas as coisas da fé de modo algum separou-a do Estado, antes criou condições ainda mais atraentes no sentido do Estado abraçar a fé que ele anunciará, pelo simples fato desta mesma fé auto suficiente, abandonar tudo mais nas mãos do estado - Assim a moralidade/ética, a orientação política e o serviço social, o qual alias não foi assumido pelo estado, cessando de existir com o abandono da fé antiga. De fato ao protestantismo primitivo, diz Cobett, pouco interessava assumir a demanda social, ao menos em parte, assumida pela igreja medieval. Vindo as antigas instituições - Asilos, orfanatos, dispensários, hospitais, escolas, etc a colapsar num primeiro instante e, num segundo instante, a compor um enorme exército de reserva, entregue a miséria mais abjeta ou a mendicância. É um fato - A 'magnífica' reforma protestante lançou multidões a sarjeta.

Tudo quanto o estado quis assumir foram os bens materiais da igreja antiga - dos quais as massas sofridas não viram um cobre furado! - e o controle não apenas sócio, político e econômico, mas moral ou ético daquelas sociedades. É claro que ao revindicar semelhante controle - O controle da consciência - numa perspectiva ética, tal estado tornou-se absoluto ou totalitário. Sem a concorrência ou rivalidade exercida pelo Bispo, o senhor, rei ou príncipe assume o controle de todos os aspectos da existência humana, e Lutero dirá que este senhor deve ser obedecido dócil e cegamente ou seja, sem qualquer questionamento... Antes o Bispo era uma espécie de rei ou monarca espiritual, agora o rei é uma espécie de Bispo profano. Da noite para o dia é o senhor ou o príncipe descrito como um servo ou representante de Deus face ao qual é terminantemente proibido resistir, quanto mais rebelar-se.

Nisbet dirá que o luteranismo, demolindo a noção de comunidade religiosa - responsável pela afirmação de valores éticos destinados a inspirar as diversas esferas da ação humana - converte o estado ou a organização política numa 'igreja secular'. E desta noção de uma igreja secular deriva toda uma mística construída em torno do Estado Alemão, que degenera na estatolatria nazista, no momento em que - por via de Hegel - este estado é divinizado ou passa a ser compreendido como uma manifestação divina. Negando que a igreja antiga, externa, visível e comunitária seja algo Lutero converte o estado em tudo... Em fonte de princípios e valores, numa instância responsável pela afirmação da ética e da moral.

Como o Luteranismo não se ocupa de absolutamente nada além da fé, e de uma fé sem obras ou apartada da ética, o estado alemão ocupa o vácuo deixado pela igreja antiga. Substitui-a e herda parte de seu prestígio.

Isto na menos pior das hipóteses pois em algumas regiões da Alemanha, nem mesmo a fé permanece nas mãos da Igreja, na medida em que o príncipe ou rei, que segundo Lutero, enquanto Cristão é também sacerdote, passa a portar as duas espadas ou a exercer a autoridade religiosa. Este acumulo de poder é concebido e teorizado pelo luterano T Erasto. Por meio do erastianismo o estado torna-se Onipotente. E nada se lhe pode opor ou resistir, pois resistir-lhe equivale sempre a um pecado ou a uma heresia. Submeter-se passivamente aos caprichos de um soberano protestante converteu-se em dever religioso e rebelar-se numa tremendo sacrilégio, como podemos ler no panfleto sobre as Hordas dos camponeses fanáticos, os quais ele, M Lutero, manda trucidar em no nome de Deus...

Paulo dissera que TODO governante era ministro de Deus empossado por ele. Os protestantes, sem pingo de vergonha, declaram que o rei Católico poder ser legitimamente derrubado (Knox) enquanto que a majestade protestante deve ser obedecida em todas as coisas. Por isso que governante 'cristão' algum conseguiu ser mais despótico do que um Calvino ou um Cromwell... Lutero, Calvino, Erasto, Cromwell... Cada líder protestante adicionou um tijolinho a este 'muro' e mesmo quando a fé deixou de existiu, ele sobreviveu enquanto construção secularizada. Fragilizado, o luteranismo tornou-se ainda menos resistente a este novo poder. A partir do século XIX vai se tornando ainda mais vulnerável a ele. Assim o único obstáculo que resta em 1870, é, de novo, a velha igreja romana, e assim em 1937... A velha igreja sempre se reencarna na mente germânica, religiosa ou secularizada, como representante do mal. Na medida em que se opõem as místicas totalitária, racista e neo pagã.

Lutero consagrou suas forças a abater a igreja 'paganizada', Bismarck a combater - por meio da Kulturkampf - a igreja ultramontana e Hitler e seus comparsas a igreja judaizada... Foi um combate comum ou sem quartel porque desde Lutero, como diz Santayana, o que se estava a construir-se eram uma religião secularizada ou uma mística germânica. Se é certo que durante algum tempo a seita solifideista dos luteranos aspirou substituir a organização papista ou veio a substituí-la breve e ocasionalmente, quem substituiu a velha igreja de fato foi o Estado Alemão criado por Bismarck. Após 1870 a própria palhoça luterana passou a ser considerada como rival pelos primeiros teóricos do sistema e se não foi perseguida e satanizada quanto a igreja romana é porque foi demasiado colaboracionista. Nem podia uma organização desprovida de Bispos, substituir com sucesso a igreja medieval... predissera Melanchton, deplorando da decisão tomada por Lutero, de extinguir a ordem episcopal. Grosso modo o Bispo sempre fora um contrapeso ao poder real ou secular, e uma autoridade paralela a que os fracos e oprimidos podiam recorrer...

Desde Lutero, uma igreja presidida por Reis e senhores, tornou-se uma força a mais nas mãos dos ricos e poderosos. No momento em que os príncipes se tornaram Bispos a opressão assumiu um nível jamais conhecido em qualquer parte da Europa - Ali na Alemanha de Lutero, onde o feudalismo assumiu formas ainda mais consistentes e manteve-se firme até 1800, quando foi abatido por Napoleão Bonaparte. Como já dissemos, o absolutismo só se tornou mais forte nos cantões calvinícolas, onde os líderes religiosos - como Calvino, Knox ou Cromwell - exerceram o poder, direta ou indiretamente. Por meio do protestantismo todos os antigos pontos de equilíbrio foram rompidos e se com Lutero, na Alemanha, forma-se uma religião estatal ou uma mística secular, com Lutero e o Calvinismo, a democracia (Suiça por exemplo) converte-se em teocracia, segundo o modelo judaico ou vetero testamentário que os nazistas deploram. E pode-se dizer que ainda aqui, o protestantismo criou e alimentou dois modelos extremistas: O cesaropapismo erastiano que deu lugar a estatolatria nazi e a teocracia Calvinista, sendo o homem esmagado num e noutro caso, em nome da liberdade e do individualismo - movidos contra a religiosidade comunitária do passado...

Quanto a questão do nazismo racismo, a explicação é semelhante. Mais do que a velha igreja romana, apresentou-se a comunidade Luterana como um Novo Israel, já espiritual, já sucessor do antigo. E esta consciência de ser um novo Israel, juntamente com o apreço ao antigo testamento, foi crescendo de uma tal maneira até tornar-se obsessiva, o que de modo algum ocorrera na igreja antiga. No seio do luteranismo esta identidade mística atingiu uma dimensão tal que a simples existência do Israel físico ou histórico - na Inglaterra irrelevante - levou os 'piedosos' luteranos ao paroxismo do ódio.

E quando o luteranismo colapsou, os alemães de origem luterana, enquanto comunidade étnica, passaram a encarar a si mesmos como um povo ou uma raça naturalmente superior a todas as outras. Mesmo quando o sentido religioso desapareceu o sentido de superioridade permaneceu, assumindo uma conotação naturalista. Não se tratava mais de um povo eleito para Deus, no sentido de salvar-se no além. Mas de um povo destinado a fazer grandes coisas neste mundo e a deslocar os povos inferiores, como o israel carnal deslocara os antigos cananeus. Os alemães, por via do luteranismo, perderam o sentido universal ou Católico do Cristianismo, assumiram uma ideologia judaica e levaram-na as últimas consequências. É o que diz Santayana. E foi uma catástrofe.




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