terça-feira, 17 de julho de 2018

A dupla tradição do comunismo - Sua gênese e desenvolvimento

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Conforme dissemos num artigo anterior, o Comunismo se nos apresenta, face ao anarquismo - particularmente face ao anarquismo proudhoniano, mas também face ao bakuninismo (Kropotkin foi quem pela primeira vez tento sistematiza-lo racionalmente polindo as 'arestas') - como um sistema bem mais simples, orgânico e coeso. Conhecendo certa coerência mesmo quando pelo cisma divide-se em correntes rivais. Cada uma delas parte de um princípio oposto presente na gênese da ideologia e desenvolvido até o fim. No anarquismo percebemos inúmeras ideias opostas e contraditórias sobrepostas como que flutuando. Além de esta cindido em duas tradições básicas: Ocidental e Oriental ou russa, o anarquismo encontra-se cindido em torno de inúmeras questões, inclusive práticas e suas correntes assemelham-se as seitas protestantes.

O marxismo, grosso modo, conhecerá apenas duas variedades: A um lado a Social democracia, seja a crítica ou prudente, de Engels, Bebel e Rosa; a moderada de Kautsky, Adler, Bauer, Gramsci, etc ou a radical de Bernstein e por ext dos fabianistas ingleses... O nível a que tais críticos aderem ao insercionismo pode variar quanto o grau, mas não quando a essência do conceito. A outro teremos apenas o jacobinismo radical, demolidor e iconoclástico de Lênin, Trotsky e turma. Os mencheviques de Martov e Axelrod inclusive, tendiam a solução social democrata...

Ainda hoje o marxismo achasse cindido entre comunistas ou leninista a um lado e sociais democratas, 'revisionistas', gradualistas, 'heterodoxos' ou reformistas a outro. E aqueles que arrogantemente revindicam para si o título de 'Ortodoxos' ou fiéis, apegando-se a um aspecto do pensamento de Marx como pronto, acabado e imutável - quando jamais deixou de ser repensado ou revisto pelo próprio Marx - não tem deixado de fazer suas mãos pesarem sobre aqueles que encaram como heréticos, mesmo quando hipocritamente criticam a Igreja Católica.

Importa saber que esta situação característica do marxismo é insuperável ou insolúvel.

Mas por que?

Porque uma e outra corrente partem de dois princípios antitéticos presentes na gênese do pensamento marxista. Quiçá o jovem Marx até tenha pensado em concilia-los, mas só podia falhar, como de fato falhou.

Agora que elementos ou princípios contraditórios Marx buscou unir e qual a gênese de cada um deles?

A um lado temos um ideal de Revolução jacobinista expresso pelo conceito de conjuração levado a cabo por uma elite minoritária. Este ideal foi tomado por Blanqui ao babovismo e transmitido ao jovem Marx, que incorporou-o ao primitivo conceito de Revolução, anterior a 1848. É a ele que se refere Engels no prefácio de 1895 e Bernstein em seu estudo a respeito das fontes ideológicas do marxismo.

Este ideal de Revolução implica admitir que um grupo de heróis ou de homens superiores; um 'quadro' enfim, pode mudar por si só o curso da História, o que nos faz lembrar a noção de herói em Carlyle ou mesmo em Sorel. Implica saber que nem Carlyle, nem Sorel e finalmente nem mesmo Babeuf eram ateus ou mesmo materialistas. Daí terem enfatizado ou salientado o potencial da ação humana, mesmo na esfera individual. Eles certamente acreditavam que a História podia ser adiantada e ignoravam a noção de processo histórico e condicionamento material. Blanqui, que a ser ateu e materialista assimilou o pensamento insurrecionista de Babeuf, era, tal e qual Bakunin, um homem simples ou intelectualmente vulgar. Não podia perceber a contradição entre o método recomendado por Babeuf e as decorrências de seu próprio modelo de pensamento; tampouco o jovem Marx foi capaz de percebe-lo porquanto guiado pelo entusiasmo.

Marx no entanto fora bem mais atilado que Blanqui, no sentido de deixar-se conquistar por um materialismo consciente, que chegou a ser chamado materialismo dialético, por conformar-se com a dinâmica estrutural do pensamento hegeliano. Esse materialismo levou-o a formular o conceito de infraestrutura e de superestrutura e a consagrar o pensamento economicista.

Curiosamente os etapistas, gradualistas e sociais democratas todos apegaram-se a este conceito de materialismo economicista, ulteriormente desenvolvido pelo próprio Marx. Segundo este modelo de pensamento ou esquema o capitalismo carregaria em si o germe das contradições que plenamente desenvolvidas - em sua maturidade - levariam-no inevitavelmente ao colapso. O pensamento clássico de K Marx só poderia ser, como foi, radicalmente determinista. O Capitalismo transporta em seu seio germes de morte... Quando chegar a seu ápice declinará e entrará numa crise da qual jamais poderá sair. O partido deve treinar o proletariado para que seja capaz de detectar o momento em que este processo atingir seu 'clímax' - Só então o proletariado poderá exercer ou cumprir seu papel que é aproveitar-se da oportunidade oferecida pelo processo histórico e assumir a liderança do corpo social. Implica isto caminhar com a História e esperar pela oportunidade dada, que depende do curso do capitalismo... Este desenvolvimento do capitalismo só pode ser apressado pela dinâmica interno do próprio capitalismo, no sentido de atingir sua maturidade e tornar-se vulnerável. TODA E QUALQUER AÇÃO HUMANA QUE PRECEDA ESTA EVOLUÇÃO ECONÔMICA OU MATERIAL É INCONCEBÍVEL OU ABSURDA.

Neste caso como se dará a Revolução babovista ou blanquista?

O velho Marx julgou sabe-lo e poder dize-lo.

Acreditava que no correr da carruagem a proletarização do trabalho eliminaria já os elementos da antiga ordem, já o mundo rural, já as classes médias ou intermediárias. Ao fim do processo todo este universo intermediário cessaria de existir, sendo absorvido, é claro pelo mundo do trabalho. Ao fim do processo, uma capitalismo maduro poderia ser socialmente descrito como uma multidão colossal de proletários face a um diminuto grupo de burgueses monopolistas, estes, naturalmente, a testa da sociedade. Claro que sempre poderia restar um grupo mais ou menos largo que sempre poderia vender-se a burguesia e combater por ela - tal o lupem proletariado. Seja como for Marx chegou a acreditar que apesar dessa possível traição por parte da massa amorfa, alienada e manipulada, o poder cairia como uma maçã madura nas mãos dos trabalhadores. Ele jamais pensou nos termos apocalípticos, catastróficos ou sangrentos da velha Revolução francesa e chegou a crer numa transição/revolução que a não ser pacífica tampouco corresponderia ao 'terror' robespierriano... Tão execrado pela nova elite dominante francesa ou mesmo pela elite dominante inglesa.

Claro que esta visão, por diversos títulos, não se encaixa com a visão anteriormente descrita, em termos de blaquismo/babovismo, legado pela Revolução francesa. Aqui, a ação humana ou individual embrenha-se pelos caminhos do idealismo, podendo por si só mudar os caminhos da História sem contar com agentes condicionantes ou limitantes, ou mesmo exigir uma visão acurada dos tempos, na qual uma elite intelectual busca por sinais. Grosso modo a sanha dos guerreiros e revolucionários não conhece tais elementos condicionantes - como o processo histórico ou a dinâmica interna do capitalismo - presentes no pensamento de Marx e é exatamente esta ignorância a respeito das limitações externas ou dos límites que a torna combativa e invencível no dizer de Sorel.

Assim a corrente marxista mais sofisticada ou determinista, torna-se hermética ou astrológica no dizer de Sorel, na medida em que depende de cálculos externos sobre a realidade feito por um corpo de especialistas. Especialistas que por exigências de caráter racional seriam levados do jacobinismo a social democracia. Por chegarem a crer que ao contrário da conjuração babovista/blanquista esta revolução deveria ser previamente calculada ou preparada nos mínimos detalhes, o que certamente demandaria algum tempo. Por outro lado tempo é que não lhes faltaria, sendo oferecido pela evolução interna do capitalismo, a qual deveriam acompanhar. No entanto o resultado daquela evolução era absolutamente previsível: O colapso do sistema e a oportunidade revolucionária. No campo externo a sociedade capitalista nada poderia ser feito no sentido de 'abreviar os tempos', destarte urgia esperar e enquanto se esperava a política institucional ou melhor a social democracia bem podia fazer as vezes de tática, tendo em vista a futura revolução. Temos aqui um pensamento muito próximo ao de Engels e a respeito do qual nos referimos já em diversas ocasiões. Ainda conta com a Revolução e é crítico, mas por exigência do materialismo - que já se transforma em realismo - faz a revolução recuar ou posterga-a...

Antecipar a Revolução, dirá Engels, é como por o carro a frente dos bois, fazer o jogo da burguesia, ser esmagado e expor-se a ver  a causa do socialismo aniquilada. A revolução ou a ação humana, só poderá ser bem sucedida em seu tempo, quando as condições materiais, oferecidas pelo sistema, mostrarem-se propícias. É a maturação do capitalismo quem nos oferecerá a grande chance - Marx o disse!!!

Diante disto Bebel, Adler e outros, com as bençãos de Engels e antes, com as do velho Marx, podem lançar-se sem temor ao seio da disputa eleitoral e levar os ideais comunistas ao parlamento, beneficiando-se da máquina chamada propaganda. Afinal elemento algum, fosse de ordem política ou não, seria capaz de atalhar a dinâmica do capitalismo e, consequentemente de impedir o estouro da Revolução. A revolução estava determinada pelo processo histórico - em termos de produção econômica - e nada seria capaz de alterar esta realidade. De modo que a ação parlamentar era muito bem vinda.

Perceba amigo leitor que o rígido materialismo mecanicista de Marx conduziu seus seguidores a via eleitoral ou a inserção.

Por outro lado, quando Bernstein, no final do século XIX, avançou até praticamente negar o colapso deduzido ao materialismo crasso e a necessidade de uma revolução, afirmando a ação parlamentar como algo definitivo e quando até mesmo os centristas chegaram a identificar a 'tomada' do parlamento pelos socialistas com a ditadura do proletariado, a ala jacobina - que sempre se mantivera calada por respeito a Marx e a Engels - não pode deixar de retomar o ideal revolucionário, inda que não pudesse repudiar ao materialismo gradualista ou denunciar Engels como revisionista. Diante disto levantaram as mãos contra Kautsky, o testamenteiro de Engels, e contra diversos outros pioneiros, fazendo alarde em torno das mutilações de Liebknecht, agora apresentadas como falsificações e ignorando ou fingindo ignorar a existência de muitas outras fontes e documentos quais sejam as cartas de Engels e de Eleanor Marx. De modo geral o conjunto de tais documentos revelam-nos um Engels que apesar de seus precauções e criticidade abraçou não apenas a via parlamentar mas a violência defensiva, repudiando o golpismo peculiar as correntes blanquista e bakuninista. Claro que os comunistas jacobinos não podiam admitir nada disto, pelo simples fato de não acreditar na via institucional ou parlamentar. Assim, desviando os olhos de Engels e de seus últimos escritos, eles passaram a classificar todos os sociais democratas como renegados e a arvorar o revolucionismo como única solução não apenas viável mas possível. Ao menos da Rússia a coisa tomou este caminho, tomando o jacobinismo o nome de leninismo e hipostasiando-se ao comunismo soviético ou marxismo ortodoxo.

Claro que e Lênin sempre pôde apelas ao jovem Marx blanquista/babovista com o objetivo de santificar seus ideais. O que ele não poderia ter feito é ignorar o conjunto do pensamento marxista e seu desenvolvimento ulterior. O que sobretudo não poderia ter feito é ignorar os ulteriores pronunciamentos de Engels, atribuindo a Kaustky uma ruptura que jamais havia acontecido. Ao apresentar os sociais democratas como inovadores e apóstatas Lênin mostrou-se absolutamente desonesto. O único renegado ou traidor aqui foi Lênin, embora a bem da verdade, devamos admitir que ele apegou-se a um princípio individualista, idealista e rival, que num determinado momento Marx e Engels tiveram de sacrificar ou ignorar - A possibilidade de indivíduos ou grupos, por meio de golpes ou conjurações, antecipassem as condições dadas pela História - Fazendo com que esta avançasse. Para tanto teve Lênin de fazer certos empréstimos ao teórico anarquista G Sorel - outro implacável adversário do determinismo economicista - pensador que mais tarde veio a descrever, hipocritamente, como embaralhado ou confuso.

Paradoxalmente Engels não desejou destruir por completo a esperança na futura Revolução, mas apenas posterga-la. Grosso modo podemos dizer que ele assumiu uma posição social democrática 'crítica', ficando como que no meio do caminho, entre Lênin e Bernstein. Por isso Bernstein como Kautsky, pode revindicar para si o título de sucessor, caso admitamos que Marx e Engels possam ser superados ou revistos; como se supõem de seres humanos e falíveis, inda que geniais e bem intencionados. Na medida em que o pensamento de Marx conheceu uma evolução e do Engels mais ainda, por que supor que este padrão de pensamento não pudesse continuar a evoluir após a morte deles convertendo-se numa Bíblia ou num Corão?

Importa saber que para mater viva a esperança de uma revolução final, Engels teve de reler, reinterpretar ou revisar o materialismo mecanicista e economicista de Marx, renunciando ao que chamamos determinismo, e postulando o que chamamos de condicionamento ou possibilismo. Vale a pena reproduzir suas belas palavras:

"Devemos provar a nossos adversários o princípio essencial - o lado econômico - que eles repudiavam; e então nem sempre tinhamos tempo, facilidade ou ocasião PARA POR EM RELEVO OS OUTROS FATORES QUE EXERCEM AÇÃO RECIPROCA... A evolução política, jurídica, filosófica, religiosa, literária, artística... dependem certamente da evolução econômica. NO ENTANTO TODAS SE INFLUEM MUTUAMENTE E ATUAM, A SEU TEMPO, SOBRE A BASE ECONÔMICA." Carta de 1890 publicada no Sozialisticher akademiker em Outubro de 1895Admitido o simples condicionamento material, Engels, tornava mais aceitável e reforçava ainda mais a doutrina revolucionária da interação, partir da qual os futuros comunistas puderam deduzir que caso a oportunidade oferecida pelo processo histórico não fosse 'trabalhada' ou aproveitada pelo elemento humano, a chance de implementar com sucesso a Revolução ficaria abortada - Daí a insistência cada vez maior no sentido do partido ou da propaganda preparar uma elite de homens no sentido de aproveitarem a oportnunidade histórica.


Daí Rosa Luxemburgo, cogitar que a oportunidade revolucionária não aproveitada poderia descambar em algo totalmente distinto do capitalismo ou do comunismo, o que ela define como barbarismo. Prenúncio do Nazismo??? Quem sabe... Foi o quanto bastou para Lênin e seus sequazes assinalarem-na como heterodoxa, tal e qual Kautsky, Bernstein, Plekhanov, Axelrod, Martov, Gramsci, etc, etc, etc Curiosamente, o citado G Sorel, que nutria séria dúvidas quando ao materialismo mecanicista, também nutria certo temor face a um futuro sombrio e barbaresco...


Importa saber, e esta é nossa conclusão, que o marxismo nascente comportava dois princípios antitéticos, contraditórios ou opostos - Um consciente e outro não. E que no decorrer do tempo Marx e Engels foram apegando-se cada vez mais ao princípio consciente, que conduziria fatalmente a social democracia, até que este foi ligeiramente corrigido por Engels, tendo em vista a elaboração de uma ideologia mais equilibrada, do que resultou uma espécie de social democracia crítica, em que o ideal da Revolução foi protelado para um futuro incerto, como após a revolução russa o fim da ditadura do proletariado seria sucessivamente protelado para um futuro incerto, até atingir setenta anos, e por a luz do dia a farsa ou o equívoco da transição. Claro que, em tais condições, exceto em caso de golpe de estado (Situação em que seria exercida a violência defensiva - Otto Bauer, 1926) os socialistas poderiam conformar-se indefinidamente com a política parlamentar.


Lênin teve de reassumir o ideal do jacobinismo - sem todavia identifica-lo com o idealismo - e de negar toda evolução ulterior, rompendo com ela, e negando, ao menos o pensamento mais elaborado e desenvolvido de Engels. Claro que tudo isto supõem uma traição, inda de inconsciente. Os princípios opostos no entanto, já ali estavam, envenenando o pensamento de Marx. Tudo quando podemos dizer aqui é que Marx era jovem e que o pensamento de cada personagem intelectual deve ser analisado numa perspectiva cronológica e evolutiva.





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