Um dos problemas postos por Jonh Gray em torno da Ética, que não crê ser universal, mas relativa é a suposta incompatibilidade existente entre as exigências da paz e as exigência da justiça. A argumentação do autor, aparentemente ao menos, justifica-se tendo em vista duas opções extremistas e excludentes - A do pacifismo crasso, assumida por certo número de Cristãos de boa vontade, e a do revolucionarismo atrabiliário, professado por diversas correntes sociais de vanguarda.
Assim se os primeiros sempre sacrificam as exigências da justiça em troca duma paz não gloriosa e tampouco digna os demais fazem muito pouco caso da paz e da vida. O que segundo Gray, aponta-nos soluções éticas antitéticas, excludentes e inconciliáveis... A situação - ao menos para ele - é esta, e não há solução.
Diante disto a questão proposta por nós assume a seguinte forma - Será possível, do ponto de vista ético, conciliar os interesses da paz com os interesses da justiça? Até quando será possível manter a paz? Quando será necessário sacrificar a paz em nome da justiça ou melhor quando uma virtude deverá ceder espaço a outra? Como pugnar por uma luta ou por uma revolução ética? Será isto possível? Adotada a solução policrática, como conciliar a estrutura de uma organização revolucionária com as exigências da liberdade humana?
Num primeiro momento devemos ter consciência, e mesmo o homem pacífico e bem aventurado, de que a paz é um bem desejável, mas relativo. Na hierarquia de valores há valores superiores a ela e um deles é a justiça. E não é possível aconselhar a alguém que suporte a injustiça em nome da paz. A paz só assume a conotação de um valor absoluto quando identificada com a 'não agressão'. Da mesma forma o pacifismo consistente deve significar sempre 'não agressão', é filho da paz aquele que podendo atacar opta livremente por não faze-lo, como é filho da paz aquele que se defende ou que recorre a violência defensiva. É tão inimigo da paz aquele que ataca quanto aquele que comete qualquer injustiça.
Por isso Ihering define a injustiça como uma profanação da dignidade humana. Todo injustiçado é de alguma forma profanado...
Diante disto como exigir deste homem violado no mais íntimo de seu ser que se conforme???
Apesar disto milhões de Cristãos, mal orientados, declaram que a injustiça é coisa que se deva suportar. Uma vez que o Mestre de todos disse: "Aquele que te bate numa face dá a outra face."
Querendo dizer que jamais é lícito defender-se ou exercer a violência defensiva; e que nos devemos deixar esmurrar em quaisquer circunstância.
Antes de tudo devemos compreender que aquele que é agredido ou esbofeteado repentinamente perde o controle e que ao perder o controle foge-lhe a razão. Ele voa sobre o outro, o outro voa sobre ele, começa ai uma briga e não poucas vezes destas brigas resulta uma morte ou dano mais grave. Já aquele que ao ser subitamente agredido ou atacado logra controlar-se adquire um bem relativamente valioso - O auto controle ou controle de si mesmo, o qual lhe permitirá avaliar a situação com serenidade, e tomar a melhor decisão possível.
É significativo que esse texto seja precedido pela fórmula de talião - Olho por olho, dente por dente. O que nos levaria a concluir que o vício condenado por Jesus é a vingança e não a defesa. Ademais está Jesus referindo-se a conflitos pessoais que sucediam amiúde nos ermos da Judeia, degenerando em brigas... com as consequências que acabamos de descrever acima. Neste caso por que colocar a própria vida ou a vida de outro em risco devido a posse de uma túnica? Se a vida de qualquer homem vale mais do que uma túnica???
Diversa é a situação em que o agredido que logrou controlar-se, deduziu ter sido injustiçado e chamou a polícia ou recorreu a lei - assim em Roma, na Grécia ou nas atuais nações civilizadas. Vinganças, brigas, linchamentos, explosões irracionais de violência, etc parece ser tudo quanto Jesus quisera condenar. Não a busca da justiça por meio das leis numa sociedade civilizada ou o recurso a violência defensiva em casos premeditados.
Claro que a solução dada por Jesus refere-se a conflitos pessoais ocorridos em sociedades demasiado arcaicas ou primitivas. Não a conflitos sociais ou impessoais sucedidos em sociedades civilizadas, e que correspondem a uma demanda pela justiça. Claro que tais situações fogem a 'cena' descrita pelo Mestre e assumem outra conotação.
Aqui importa uma única coisa - O sentido mais profundo da paz enquanto não agressão. Antes de ser aquele que em tese suporta qualquer tipo de agressão como um cordeiro, é o Cristão cordeiro que jamais agride. Assim caso existam Cristãos que agridam a outros Cristãos ou mesmo aos não Cristãos É DEVER DA IGREJA REPRIMI-LOS DURAMENTE, ATÉ A EXCOMUNHÃO. Não é ao agredido ou ao que sofre violência que a igreja deve dirigir sua voz para apaziguar, mas ao agressor, para condenar! E não se trata de reprimir apenas o mais comum dos tipos de agressão, a agressão física, mas de reprimi-la sob todas as formas, inclusive a econômica. A igreja não pode tolerar agressores em seu seio.
Por outro lado a sociedade pluralista não é guiada pela lei ética dos Cristãos. Tolerará ao menos a agressividade sútil, que atingirá cristãos e não cristãos, colocando-os num mesmo plano. Deve aqui a igreja condenar os Cristãos que juntamente com os não Cristãos pugnam pela justiça? Certamente que não, como não pode condenar a guerra justa. Assim, o máximo que a igreja pode e deve fazer é gerenciar essa luta ou essa guerra fornecendo uma diretriz ética que exclua a vingança e a tortura; é o quanto bastará por merecer os aplausos da humanidade. Uma vez que os guerreiros após terem pelejado como leões no campo de batalha, devem tratar os vencidos e prisioneiros com cordialidade e doçura.
Importa que numa crise social todos os recursos possíveis sejam empenhados no sentido de manter a paz sem sacrificar a justiça. Todavia esgotados os recursos, a guerra torna-se justa e enquanto justa boa, e enquanto boa desejável. O Cristão não deve avaliar a violência, a guerra ou a revolução enquanto tais ou fins em si mesmas - a violência pela violência será sempre inaceitável já dizia Sorel - mas como meios ou instrumentais para superar uma situação insuportável de injustiça. A injustiça é que fará delas algo absolutamente necessário. Devemos compreender que os conflitos bélicos e as revoluções acontecerão e fornecer uma critério ou padrão ético porque o Cristão possa julga-las. Este padrão é a justiça.
Em certos casos abster-se é colocar-se ao lado dos iníquos e fortalece-los. O Cristãos sempre combaterá ao lado dos atacados, dos agredidos, dos injustiçados, dos oprimidos, dos explorados, etc Sem se preocupar com as facções ou bandeiras ideológicas. Caso a sociedade em que vive agredir ou atacar alguma outra, então poderá não apenas abster-se de lutar em favor dela mas combater tal guerra por meio da pena e da palavra, exercendo oposição ideológica. Nenhuma guerra de conquista deverá contar com o apoio dos Católicos.
Quanto a própria comunidade o critério mais seguro face a uma Revolução - daí o termo violência defensiva - é a quebra da ordem democrática por meio de um golpe, como acabou de acontecer no Brasil, em 2016, com a deposição da presidente legitimamente eleita. O que equivale a uma situação de agressão e injustiça, justificando a resistência ou a sedição. Quanto a tais situações, chamadas golpe de estado, julgo que haja suficiente clareza, uma vez que se trata de eventos de ordem política. Outras situações não são tão claras, na medida em que envolvem a conjuntura econômica ou negação de direitos por meio de massacres e tortura.
Claro que mesmo uma situação de guerra justa ou revolução, inda que desejável, não basta para despertar o que chamam de entusiasmo. Se as crises correspondem a situações anômalas - como as enfermidades ou doenças na vida de um ser humano normal - as revoluções e guerras só podem corresponde a remédios amargos, cauterizações ou cirurgias... Situações relativamente necessárias, não idílicas. Por isso estamos tão longe do contra revolucionarismo tosco quanto da mística revolucionária. Quando esgotadas todas as outras possibilidades aceitamos as situações de Revolução sem nos deixar iludir ou entusiasmar e sem esperar demais... Não cremos que da Revolução ou de qualquer guerra surgirá uma nova sociedade totalmente diversa da anterior ou um paraíso sobre a terra. Não nutrimos sonhos futuristas ou milenaristas em torno das Revoluções, tudo quando esperamos é uma ordem menos iníqua ou suportável.
Por fim enquanto policratas e simpatizantes com aqueles poucos anarquistas bem informados que sabem ser o anarquismo uma luta pela democracia direta - acima de tudo a nível de micro estado ou municipalismo - e pela esfera intangível da liberdade pessoal (mencionada por Rousseau nas primeiras páginas do 'Contrato') temos de nos perguntar a respeito de como será a guerra justa ou a revolução. A pergunta se faz necessária porquanto os nazistas, fascistas e comunistas e todos os demais liberticidas acham-se em seu terreno e os amigos da liberdade política não, quando falamos em militarismo ou em algo do tipo militar, como supõem uma revolução ou uma guerra bem sucedida.
Observemos antes de tudo os conflitos gerenciados pelos anarquistas. Primeiramente aquele tipo individualista chamado propaganda pelo fato. De que resultou uma tempestade repressora por parte do estado burguês. Colocando em risco a causa socialista como um todo e alienando não apenas as massas mas o bom povo quanto a tão justa causa. Caso passemos as conjurações, que os anarquistas tomaram ao jacobinista e totalitário Blanqui através de Proudhon, temos o exemplo malfadado da comuna de Paris. Enfim quanto a Revolução espanhola temos um federação de guerrilhas ou conjurações muito mal coordenadas, cada uma atuando a seu modo... Claro que nenhum desses tipos de 'revolução' poderia dar certo.
As guerras e as revoluções que acontecem no cenário de um macro estado unificado exigem um nível mínimo de coordenação, de um comando centralizado e o que é pior de obediência mecânica ou de submissão, sem os quais não podem sair vitoriosas. No entanto esta obediência mecânica, num nível maior, choca-se tanto com os princípios anarquistas quanto com os princípios cristãos ou humanistas de larga tradição filosófica. As relações militares durante uma guerra são em certo sentido arbitrárias, intuitivas e irracionais... As massas incultas conformam-se com elas sem questionar. O Filósofo dificilmente. Não foi por acaso que Carnéades e seus companheiros foram corridos da Roma militarista pelo grande Catão... De modo geral os belicosos romanos, senhores do mundo, encaravam os gregos, com seu apego a arte e a filosofia, como um 'povo' degenerado.
Amigo algum da liberdade, Cristão, anarquista ou humanista, consciente de sua dignidade pessoal, pode deixar de sentir este dilema como a um espinho na carne. Pois dificilmente estará disposto a curvar-se face ao que julgar não passar de caprichos de seu superior... E no entanto a tática da guerra parece depender disto, deste deixar-se controlar por um superior que conhece melhor o conjunto. O sucesso da Revolução ou da guerra parece depender do mando e da submissão e de um cérebro que esteja acima de todos coordenando tudo... Face as este cérebro os mais deveriam estar paralisados, passando a agir como braços e pernas. É exatamente aqui que surgirão conflitos de consciência e tumultos no caso dos Cristãos... Caso se lhe peça que torturem ou massacrem já prisioneiros, já civis inocentes, coisa que ele não poderá fazer em hipótese alguma. Julgo que alguns anarquistas de boa vontade e humanistas concordarão com eles. Formarão objetores de consciência... Isto terá de ser discutido previamente. De modo a obter-se algum tipo de acordo. Não sendo assim a Revolução ficará comprometida.
Mesmo em alguns outros casos surgirão problemas entre os amigos da liberdade. Pois certamente haverá quem se recusará a massacrar animais. Como quem se recusará a comer carne... O anarquista, o católico, o humanista, dificilmente se deixará padronizar. Já as operações de guerra bem sucedidas parecem depender das massas ou dos homens padronizados e sem vontade própria. Levantemos a hipótese segundo a qual tais homens se deixem controlar caprichosamente apenas durante o período em que durar a Revolução - a qual pode prolongar-se por alguns anos ou mesmo décadas. Quem garante que esta situação não servirá como um treino destinado a amestrar homens livres tendo em vista a instauração de uma ordem despótica ou totalitária. Neste caso não estaríamos a nos adaptar antecipadamente, sacrificando nossos ideias, princípios e valores???
Não quero dizer que as Revoluções devam ser contidas.
Estruturas econômicas, religiosas, políticas, etc entrarão em colapso e criarão situações potencialmente revolucionárias para as quais devemos estar preparados. Daí a necessidade de levantar a discussão, inclusive em torno de uma ética revolucionária. E de indagar sobre como seria o futuro post revolucionário e a distribuição dos poderes... Temos de saber antes de tudo que uma Revolução bem sucedida não ocorre as vésperas, exige tempo, planejamento, armamento, técnica, disciplina pessoal, treino, etc, etc, etc Supõem um corpo de guerrilha preparado... Quase todo discurso revolucionário feito pelos místicos de hoje tem sido leviano e espontaneísta. Nada muito sério. O que nos faz nutrir séria reservas quanto a viabilidade de tais revoluções mais parecidas com as grotescas conspirações blanquistas criticadas por Engels em 1895. Não se faz revolução com drinques, pizza, cigarro, maconha, etc Não se faz mesmo... Os profetas da revolução atual bem fariam ler a vida de Marighela.
As revoluções acontecerão. Mas também poderão abortar ou ser sufocadas por falta de seriedade e comprometimento.
Como poderão dar vezo a surtos de psicopatia e crueldade; assim como resultar em totalitarismo e barbárie...
Comportam riscos.
Por isso dissemos - Elas só serão viáveis em situações de injustiça extrema após esgotados todos os outros meios: Ação parlamentar, greves, protestos, marchas, desobediência civil... Só serão aceitáveis como respostas a um golpe ou a um massacre. Será respostas a determinadas situações ou conjunturas históricas, jamais receitas de bolo ou bulas de remédio.
Certamente a mística revolucionária que anima o Comunista, o nazista ou o fascista não deverá contagiar o Cristão ou o humanista; mesmo o anarquista, na esteira de um Kropotkin ou de um Tolstoi acalentará maior ou menos nivel de reserva face a ela.
Ps.: Reservamos outro artigo para dialogar com G Sorel.
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