terça-feira, 17 de julho de 2018

A perspectiva de Kropotkin


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Muito se poderia dizer a respeito do príncipe anarquista e igualmente príncipe dos anarquistas, P Kropotkin. Limitar-nos-e-mos a fazer algumas observações a seu respeito e partilhar com o amigo leitor.

A respeito de sua primazia intelectual face a Bakunin temos os testemunhos de Nisbet e Lefranc dentre outros. Bakunin comparado com Proudhon é um pigmeu. Kropotkin transcende a Proudhon, é um homem completo e de esmerada educação. Por isso busca apresentar o anarquismo como uma aspiração racional e dar-lhe bases filosóficas, isto num tempo em que o irracionalismo começava a esboçar suas pretensões...

Kropotkin, mesmo durante sua fase juvenil, não dá mostras de qualquer tara revolucionária, como aquela que Bakunin tomara ao energúmeno Nechayev. Pouco fala em Revolução mas quando fala reporta ao conceito 'lato' de Proudhon, reportando a qualquer tipo de ruptura cultural. Ele certamente não teria maiores escrúpulos - assim como o velho Engels - em, diante de certas circunstâncias, apoiar uma resistência violenta, mas não parece ser tão precipitado como Sorel e menos ainda um entusiasta como Lênin. Sua postura parece ser prudente e comedida. Como Otto Bauer ele bem sabia que tomar o poder não é tudo...

Provavelmente, ao contrário de nossos anarquistas, ele havia pensando sobre o que fazer no dia seguinte após a Revolução ou a suposta destruição do macro estado com sua rede de serviços paralisada. Do que resultam inúmeros problemas administrativos, que poderiam traduzir-se em palavras tão simples quanto fome e mortes...

Este tema, quase ausente nos escritos de Kropotkin é uma espécie de prelúdio a ênfase cada vez mais ética ou moralista - cujos acentos remontam a outro príncipe anarquista L Tolstoi - de seus escritos, que as vésperas de sua morte assumem um incomodativo tom 'evangélico' (por evangélico aqui não queremos dizer protestante mas algo concretamente comprometido com o Evangelho de Cristo, assim como Franciscano).

Esclerose ou caduquice? Como folgam dizer os radicais e ateus???

A resposta pode ser mais complexa do que se pensa caso levemos em consideração que a principal obra de Kropotkin, após o 'Apoio mútuo' é dedicada a Ética, a uma Ética de cunho naturalista, mas tão essencialista ou objetiva quanto a do velho Sócrates. Pois enquanto Bakunin declara-se por Maquiavel - É necessário tomar por fundamento a política de Maquiavel diz ele - e com ele Lênin, Trotsky, etc Ele, Kropotkin como Sorel, Jaures e Rosa Luxemburgo, declaram-se pela ética da honestidade e da franqueza, recusando-se a assumir o legado anti ético da burguesia.
 

Assim quando os leninistas principiam a torturar prisioneiros e a executar civis, o velhote indefeso envia a Lênin uma missiva em que constam as seguintes palavras: "Se admite tais métodos, não é difícil concluir que um dia haverá de empregar a tortura como na Idade Média. ... tu não tens direito de poluir estas doutrinas com teus métodos vergonhosos, métodos que apenas evidenciam um monstruoso erro... Que futuro espera o comunismo se um de seus mais poderosos defensores pisoteia assim os mais piedosos sentimentos?" Já M Gorki, que segundo Tasso da Silveira, fora o principal propagador dos ideais revolucionários entre o povo simples, quiçá exprimindo os sentimentos 'Cristãos' oriundos de sua educação Ortodoxa ousará reprochar ao tirano sua insensibilidade desumana a ponto de exaspera-lo.

Bem antes dele Plekanov havia declarado ser Lênin "Feito da mesma massa que Robespierre." embora o francês nada tivesse de Maquiavélico. Martov a seu tempo, referindo-se a Lênin, é ainda mais incisivo: "La bestia a tomado gusto por la sangre.".É necessário... em caso de necessidade recorrer a todos os estratagemas imagináveis sugeridos pela astúcia, adotar procedimentos ilegais, calar, falar, dissimular a verdade... diz ele a respeito da política sindical. Ao que Rosa, a heroína e mártir, rebate lá das Alemanhas: Não se há de recorrer a astúcia alguma com o objetivo de enganar o povo! Os cidadãos deverão compreender bem a complexidade das tarefas a serem realizadas. Aqui a consciência contra o embuste e o principal representante desta corrente, o mais honesto e o mais respeitado, em todos os grupos e mesmo por seus inimigos, foi Piotr Kropotkin.

Aqui temos a proposta de um Socialismo ético e humanista para uns, ingênuo e vulnerável, para outros, que como Trotsky adotavam uma postura relativista sempre atrelada as posições maquiavélicas que até hoje alguns aplaudem como autêntica - Como se não houvesse no socialismo ou mesmo fora dele quem não assumisse sinceramente tais postulados, encarando-os como essenciais e transcendentes.

A bem da verdade, ao menos no campo dos comunistas, as hesitações partiram do próprio Marx, ainda durante a juventude. Pelo simples fato de ter aderido a uma solução materialista mecanicista segundo a qual a consciência e seus valores não passavam de uma manifestação das relações econômicas de produção. Não é a consciência que determina a existência, mas as condições materiais da existência que determinam a consciência dirá o grande economista alemão sem jamais dar-se conta da tensão existente, não poucas vezes, entre as exigências da consciência e as imposições externas de caráter econômico. E no entanto este Marx que tanto insistiu sobre a dependência da idealidade face a produção econômica, esse mesmo Marx genial, morre - segundo seus biógrafos - esmagado pela angústia após a perda da esposa. Noutras palavras, morre o grande teórico do materialismo de nostalgia ou depressão. Restando a seus discípulos fanáticos a tarefa de relacionar tais sentimentos dolorosos com a produção econômica!

Seja como for a relutância com que Marx e Engels inserem algumas poucas palavras alusivas a ética ou moral na grande crítica ao programa de Gotha bastam para demonstrar o quanto estavam equivocados neste sentido. Ainda aqui parecem encarar toda e qualquer expressão em termos de ética como epifenômeno das relações econômicas ou materiais de produção. E como as relações de produção se alteram no correr do processo histórico ou seja como a infra estrutura sofre modificações, assim a super estrutura, dando origem a uma nova ética, a novos princípios e valores, distintos dos anteriores ou mesmo opostos a eles. O que nos leva a sucessivas éticas, que conflitam umas com as outras. E temos aqui o relativismo crasso... Perde-se toda e qualquer noção de essencial ou absoluto e chegamos a Maquiavel, guia de Bakunin, Lênin e Trotsky. Aqui os fins não precisam esta de acordo com a nobreza dos meios, os fins justificam os meios, isto é a baixeza e vulgaridade dos meios.

Kropotkin, ainda que agnóstico ou deísta, não se conforta com esta solução relativista, fonte de tantos crimes, maldades, vícios e crueldades, pugnando por um essencialismo naturalista, que parta da Evolução biológica dos seres vivos. Tal o escopo desta obra genial que é sua Ética, toda destinada a combater a Ética naturalista e essencialista rival, elaborada por H Spencer e 'batizada' algumas décadas depois com o nome de 'darwinismo social'.

Foi genial em seu comedimento face aos arrebatamentos insurrecionistas, tal e  qual Rosa Luxemburgo - que como ele tampouco era pacifista ou mesmo reformista. Foi fiel a um padrão de ética essencial fundamentado na própria natureza biológica. E além disso - pasmem - como J S Mill ousou postar-se a favor de uma econômica estacionária i é cônscia de suas limitações. De fato P Kropoktin busca uma alternativa tendo em vista conciliar a expansão do modelo urbano com subsistência do ambiente rural ou campestre que desde a Revolução Industrial muitos deduziram estar definitivamente condenando a desaparecer. Como Proudhon, Tolstoi, Anwar Sadat e outros grandes homens procedentes do campo ou do meio rural, Kropotkin trás este amor pela terra, este sentimento de filiação, esta nostalgia... que o homem da cidade, submetido a tirania da técnica, e maquinizado ele mesmo, não pode compreender. E nós vivenciamos as consequências psicológicas e pessoais deste homem que jamais acariciou uma pétala de rosa, que jamais deitou-se ao sol sobre a relva, que jamais nadou num riacho, subiu numa árvore para colher frutas ou brincou com as ovelhas - VIVENCIAMOS O DRAMA DA NEUROSE...

E qual a causa???

Essa ruptura artificial imposta pela revolução industrial em nome da produção econômica. A qual tem separado o homem do meio natural e encerrado este homem numa colmeia de aço e concreto, transformando-o num zumbi!

Em Kropotkin não damos com as altas reflexões de Liebmann, Hinkelammert. Munford e outros mas com a intuição do problema e uma sincera vontade de dar com soluções práticas em termod de realidade. Temos portanto de compreender que Kropotkin não é um destes espíritos tacanhos e idealistas que pretendem barrar o progresso técnico ou a mecanização do trabalho a qual ele saber ser irredutível e crê, poder vir a ser benéfica, desde que administrada com sabedoria.

O grande erro da Revolução industrial foi - por considerações de ordem puramente econômica - situar a fábrica fora do campo ou do meio rural, fazendo dela um lugar ou ambiente fechado, em torno do qual, a semelhança dos burgos medievais - que cresceram em torno das grandes catedrais - desenvolveram-se as cidades atuais. Claro que algumas indústrias pesadas, como a siderúrgica e a construção naval, deverão ser necessariamente assim. Mas por que as demais indústrias, como a têxtil, a alimentícia, etc deveriam imita-las??? Sem levar em conta as decorrências psicológicas e sociais desde novo tipo de organização, no caso urbana??? Aqui a solução proposta pelo teórico eslavo é perfeitamente simples e exequível, desde que os interesses puramente econômicos não fossem postos em primeiro lugar.

Instalar as máquinas nos campos ou nas zonas rurais, nas vilas, aldeias e quadras. Onde parte de população trabalharia nelas enquanto parte trabalharia nos campos, ao menos durante a semeadura e a colheita. Claro que os interesses de ambas a produções, em termos de pessoal e tempo ou calendário deveriam ser reorganizados, em termos administrativos. O que nada tem de impossível. O benefício aqui seria a permanência de parte das pessoas nos campos, em seu ambiente natural, sem que por isso a produção fabril fosse abandonada. O que nos faz lembrar o velho sistema de manufaturas distribuídas. Mas é claro que a princípio, o ideal da fábrica/panóptico, com sua fiscalização, ritmo acelerado e produção acelerada, visando a maximização dos lucros, fica de certo modo frustrada. Resta-nos objetar que o simples fato de produzir alucinadamente e despejar um aluvião de produtos no mercado, não só não assegura o consumo como pode resultar em crise. A ilusão nutrida pelos industriais do passado em torno de uma super produção foi em diversas situações um fator de crise, pois levou os preços a desabar...

Por isso a produção precisa estar estar atrelada a demanda pelo consumo. Daí algumas indústrias como a automobilística, produzirem dentro de limites e desmobilizar o operariado após a produção ter atingido este limite, o que ocasiona o desemprego. Caso tal situação de 'repouso' por parte da produção - como dissemos ditada pelo fluxo nem sempre constante do consumo - acontece-se no ambiente agrário ou rural, ao menos parte dos braços desmobilizados bem poderiam ser aproveitados em atividades rurais, semeadura, colheita e serviços. O mais interessante quanto a este tipo de solução proposta há mais de século por Kropotkin, se torna ainda mais viável e efetiva em termṕos de Internet ou de comunicação digital, em que a produção feita em pequenas células sempre poderia ser coordenada e articulada virtualmente.

Em termos de socialismo é esta opção estaria muito mais próxima dos modelos coletivistas de Jaures e Bauer, eliminando tanto o capitalismo de Estado, em que a estrutura autoritária e burguesa das macro fábricas é mantida e dirigida por uma burocracia estatal - e em que o Estado toma para si considerável parte dos lucros - quanto a possibilidade de uma espécie de anarco capitalismo em que as fábricas competiriam alucinadamente umas com as outras. É verdade que os consumidores sempre poderiam buscar produtos de procedência mais barata segundo a lei interna que regula o mercado. Creio todavia que o consumidor tenha direito de participar das decisões que regulam a produção, numa perspectiva democrática ou na democratização da indústria e da fábrica, isto porém é já uma outra coisa. Talvez a dinâmica do mercado devesse ser respeitada e isto beneficiasse o consumidor sem que tivéssemos a necessidade de produzir uma maior demanda democrática numa sociedade em que ainda a esfera da política ainda não foi completamente democratizada como deveria.

Seja como for fica ai um esboço quanto a proposta de Kropotkin no sentido da produção superar o velho modelo concentrado em fábricas e substitui-lo por um modelo mais descentralizado, que pudesse inserir-se na realidade rural ou campesina, contendo o êxodo rural e auferindo uma melhor qualidade de vida aos trabalhadores, inclusive em termos de sanidade psicológica. Num determinando momento a ideia de criar imensos conglomerados industriais e urbanos deu vezo a formação, oportuna, de um imenso exército de reserva. E o imaginário industrial parece não mais poder prescindir dele. A administração deste imenso exército de desempregados e desocupados tem se dado em termos de militares, belicosos, policialescos, etc mas a tendência é que numa sociedade cada vez mais democrática essa 'solução' torna-se inviável. Por mais utópico que pareça julgo que seria melhor para os próprios empresários abrirem mão deste recurso i é de permitir a concentração destas massas urbanas. A saída proposta por Kropotkin, caso levada a sério, acabaria dispersando essas pessoas no ambiente rural e lhes dando a chance de fazer algo mesmo quando não estivessem envolvidas na produção fabril. Enfim a descentralização da produção fabril pelos campos demandaria o transporte da matéria prima, vindo a abrir uma promissora frente de trabalho - Na área dos transportes.

Talvez Kropotkin e nós sejamos demasiado otimistas no sentido de acreditar que os empresários estejam dispostos em gastar mais com o transporte das máquinas e da matéria prima ou com a eliminação do exército de reservas. A maior parte deles prefira - e isto é certo - que a sociedade como um todo continue pagando pelos danos causados a pessoa humana por este tipo de organização destinado a maximizar seus lucros. Afinal de contas quem pagará pelas despesas hospitalares, tratamentos psiquiátricos, prisões, não serão eles,  - os empresários - mas o Estado, sustentado acima de tudo pela classe média. A classe média é que continuará pagando a elevada conta produzida pela urbanização acelerada.

Toda evidência aponta que semelhante tipo de solução sempre estará na dependência do Estado, i é de um Estado democrático, conquistado e liderado, institucionalmente, pelos próprios trabalhadores ou pelo povo como um todo. A menos que uma crise, suscite reações ainda mais fortes, que acentuem os conflitos e redistribuam os poderes, sempre numa direção mais democrática e direta é claro. Sem um suporte político ou institucional a proposta do revolucionário russo jamais será exequível. Mas nós nos sentimos gratificados por conhece-la e divulga-la.

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