Cultura em Crise: As Teorias visionárias de Pitirim Sorokin
Pitrim Sorokin, um grande sociólogo do século 20, é alguém que você precisa conhecer. Considere essa citação:
O organismo da sociedade e a cultural ocidental parece estar passando por uma das mais profundas e significativas crises de sua vida. A crise é muito maior que uma normal; sua profundidade é insondável, seu fim ainda não está à vista, e toda sociedade ocidental está envolvida nela. É a crise de uma cultura Sensível, em sua fase madura, a cultura que dominou o mundo ocidental durante os últimos cinco séculos...
Devemos pensar, portanto, que, se muitos ainda não apreenderam claramente o que está acontecendo, eles pelo menos tem uma vaga sensação de que o problema não é apenas de "prosperidade", ou "democracia", ou "capitalismo", ou algo semelhante, mas envolve toda a cultura contemporânea, a sociedade e o homem?...
Devemos pensar também na multidão incessante de crises maiores e menores que rolam sobre nós, como ondas do mar, durante as últimas décadas? Hoje, em uma forma, amanhã, em outra. Ora aqui, ora ali. Crises políticas, agrícolas, comerciais e industriais! Crises de produção e distribuição. Crises morais, jurídicas, religiosas, científicas e artísticas. Crises de propriedade, do Estado, da família, das industrias...
Cada uma dessas crises golpearam nossos nervos e mentes, cada uma tem abalado os alicerces de nossa cultura e sociedade, e cada uma deixou para trás uma legião de delinquentes e vítimas. E infelizmente! O fim não está à vista. Cada uma dessas crises tem sido, por assim dizer, um movimento de uma grande sinfonia aterrorizante, e cada uma tem sido notável por usa magnitude e intensidade. (P. Sorokin, SCD, pp. 622-623)
Antecedentes
Pitirim Alexandrovich Sorokin (1889-1968) nasceu na Rússia, filho de pai
russo e de mãe indígena (Komi, um grupo étnico relacionado com os
finlandeses). Como outros intelectuais de sua idade, foi arrastado pela
revolta contra o governo czarista. Ele ocupava um posto no gabinete de
curta duração do Governo Provisório Russo (1917), e teve a distinção de
ser preso sucessivamente por ambas as facções bolcheviques e czaristas.
Eventualmente, condenado à morte, foi perdoado por Lenin, emigrou, e foi
para os EUA. Lá ele teve uma longa e distinta carreira acadêmica,
grande parte na Universidade de Harvard, onde atuou como chefe do
departamento de sociologia.
Sua experiências e observações da política russa deixou-o unicamente
adequado para a compreensão das forças transformadoras do século 20. Em
1937, publicou os três primeiros volumes de sua obra-prima, Social and Cultural Dynamics, mas continuou a refinar suas teorias por quase três décadas.
Com base em um estudo cuidadoso da história mundial - incluindo análises
estatísticas das fases da arte, arquitetura, literatura, economia,
filosofia, ciência e guerra - ele identificou três fenômenos
notavelmente consistentes:
1. Existem dois padrões culturais elementares opostos, o materialista
(Sensorial) e espiritual (Ideacional), juntamente com alguns padrões
intermediários ou mistos. Um padrão misto, chamado Idealista, que
integra o Sensível e de orientações Ideacional, é extremamente
importante.
2. Toda sociedade tende a alternar entre períodos materialistas e
espirituais, às vezes com períodos de transição, mistos, de forma
regular e previsível.
3. Tempos de transição de uma orientação para outra são caracterizadas
por uma acentuada alta prevalência de guerras e outras crises.
Cultura Sensorial (Materialista)
O primeiro padrão, que Sorokin chama de cultura Sensorial, tem as seguintes características:
- O princípio de definição cultural é que a verdadeira realidade é sensorial - apenas o mundo material é real. Não há outra realidade ou fonte de valores.
- Isso se torna o princípio organizador da sociedade. Ele permeia todos aspectos da cultura e define a mentalidade básica. As pessoas são incapazes de pensar em quaisquer outros termos.
- A cultura sensorial busca pela ciência e tecnologia, mas dedica pouca atenção ao pensamento criativo para espiritualidade ou religião.
- Valores dominantes são a riqueza, saúde, conforto físico, prazeres sensuais, poder e fama.
- Ética, política e a economia são utilitaristas e hedonistas. Todos os preceitos éticos e legais são considerados meras convenções artificiais, relativos e mutáveis.
- As artes e os entretenimentos enfatizam a estimulação sensorial. Nos estágios decadentes da cultura sensorial há uma ênfase frenética sobre o novo e o chocante (literalmente, o sensacionalismo).
- As instituições religiosas são meras relíquias de épocas passadas, despojadas de sua substância original, e tendendo para o fundamentalismo e fideísmo exagerado (o ponto de vista de que a fé não é compatível com razão).
Cultura Ideacional (Espiritual)
O segundo padrão, que Sorokin chama de cultura Ideacional, tem as seguintes características:
- O princípio de definição é que a verdadeira realidade é supra-sensível, transcendente, espiritual.
- O mundo material é variado: uma ilusão (maya), temporário, desaparecendo ("estranho numa terra estranha", pecaminoso, ou uma mera sombra de uma realidade transcendente eterna.
- Religião muitas vezes tende a ascese e moralismo.
- Misticismo e a revelação são considerados fontes válidas de verdade e moralidade.
- Ciência e a tecnologia são relativamentes desenfatizados.
- A economia está condicionada pelos mandamentos morais e religiosos (por exemplo, leis contra a usura).
- Inovação em teologia, metafísica e filosofias suprasensoriais.
- Florescimento da arte religiosa e espiritual (por exemplo, as catedrais góticas).
Cultura Integral (Idealista)
A maioria das culturas correspondem a um dos dois padrãos báscios acima.
Às vezes, no entanto, um padrão cultural misto ocorre. A multura mista
mais importante Sorokin denominou cultura Integral (as vezes também
chamado de cultura idealista - não deve ser confundida com uma cultura
ideacional). Uma cultura Integral harmoniosamente equilibra as
tendências sensoriais e ideacionais. Uma cultura Integral inclui o
seguinte:
- Seu princípio último é que a verdadeira realidade é ricamente variada, um tapete em que os fios do sensível, racional e o supra-sensível estão entrelaçados.
- Todos os compartimentos da sociedade e da pessoa expressam esse princípio.
- Ciência, filosofia e teologia florescem juntos.
- As belas artes tratam tanto da realidade supra-sensível quanto os aspectos mais nobres da realidade sensorial.
A história da cultura ocidental
Sorokin examina uma ampla gama de sociedades no mundo. Em cada uma ele
acredita ter encontrado evidências da alternância regular entre as
orientações sensoriais e ideacionais, às vezes um cultura Integral
aparece. De acordo com Sorokin, a cultura ocidental agora está na
terceira época Sensorial de sua história registrada. A tabela abaixo
resume sua visão:
Com base em uma análise detalhada da arte, literatura, economia e outros
indicadores culturais, Sorokin concluiu que a Grécia antiga mudou de
uma cultura Sensorial para uma cultura Ideacional por volta do século 9
aC; durante esta fase Ideacional, temas religiosos dominaram a sociedade
(Hesíodo, Homero, etc.).
Depois disso, na época clássica grega (cerca de 600 aC a 300 aC), uma
cultura Integral reinou: o Partenon foi construído; a arte floresceu (as
esculturas de Fídias, as peças de Ésquilo e Sófocles), assim como a
filosofia (Platão, Aristóteles). Isto foi seguido por uma nova era
Sensorial, associada primeiro com a cultura helenística (o império
fundado por Alexandre, o Grande) e, em seguida, com o Império Romano.
Como a cultura sensorial de Roma decaiu, eventualmente acabou por ser
substituída pela cultura Cristã Ideacional da Idade Média. A alta Idade
Média e o Renascimento trouxeram uma nova cultura Integral, novamente
associada com muitas inovações artísticas e culturais. Depois disso, a
sociedade Ocidental entrou na sua era Sensorial atual, agora já em seu
crepúsculo. Estamos, de acordo com Sorokin, a caminho para uma transição
para nova cultura Ideacional, ou, de preferência, Integral.
Dinâmica Cultural
Sorokin se interessava especialmente no processo pelo qual as sociedades
mudam suas orientações culturais. Ele se opôs à opinião, sustentada
pelos comunistas, que as mudanças sociais devem ser impostas
externamente, como por uma revolução. Seu princípio de
mudança imanente afirma que forças externas não são necessárias: as
sociedades mudam porque está em sua natureza mudar. Embora tendências
sensoriais ou ideacionais possam dominar, em determinado momento, cada
cultura contém mentalidades em uma tensão de opostos. Quando uma
mentalidade é levada ao extremo, ela põe em movimento forças
transformadoras compensatórias.
O que ajuda a encaminhar a transformação é que os seres humanos são,
eles mesmos, parte sensorial, parte racional e parte intuitivos. Sempre
que uma cultura se torna exagerada em uma dessas direções, as forças
dentro da psique humana, individualmente e coletivamente - trabalharão
corretivamente.
Crises de Transição
Assim que a cultura Sensorial ou Ideacional atinge certo ponto de
declínio, crises econômicas e sociais marcam o início de transição para
uma nova mentalidade. Estas crises ocorrem em parte porque, como o
paradigma dominante atinge sua fase decadente final, suas instituições
tentam, sem sucesso, adaptar-se, tomando já medidas mais drásticas. No
entanto, essas respostas às crises tendem a piorar as cosias, levando a
novas crises. A expansão do controle do governo é um subproduto
inevitável:
O principal efeito uniforme de calamidades sobre a estrutura política e social da sociedade é uma expansão da regulamentação governamental, arregimentação e controle das relações sociais. A expansão do controle governamental e regulamentação assume formas variadas, abraçando o totalitarismo socialista ou comunista, o totalitarismo fascista, a autocracia monárquica e a teocracia. Ora efetuado por um regime revolucionário, ora por um regime contra-revolucionário; ora por uma ditadura militar, ora por uma ditadura burocrática. Desde o ponto de vista quantitativo quanto qualitativo, tal expansão de controle governamental significa uma diminuição de liberdade, uma redução da autonomia dos indivíduos e grupos privados na regulação e gestão de seu comportamento individual e suas relações sociais, o declínio das instituições constitucionais e democráticas." (MSC p. 122)
Sorokin identificou o que considerou três tendências fundamentais dos tempos modernos. A primeira é a tendência de desintegração da ordem Sensorial atual:
No século XX, a magnífica casa sensorial do homem ocidental começou a deteriorar-se rapidamente e, em seguida, a desmoronar. Há, entre outras coisas, uma desintegração de seus valores morais, legais e outros que, a partir de dentro, controlam e orientam o comportamento dos indivíduos e grupos. Quando seres humanos deixam de ser controlados por valores religiosos, éticos e estéticos profundamente interiorizados, os indivíduos e grupos se tornam vítimas de um poder bruto e de fraudes que se tornam forças de controle de seu comportamento, relacionamento e destino. Em tais circunstâncias, o homem se transforma em um animal humano impulsionado principalmente por seus impulsos biológicos, paixões e luxúria. O egoísmo irrestrito individual e coletivo inflama; uma luta pela existência se intensifica; força torna-se direito; e as guerras, revoluções sangrentas, crimes, e outras formas de conflitos inter-humanos e bestialidade explodem numa escala sem precedentes. Assim foi em todos grandes períodos transitórios. (BT, 1964, 24 p.)
Adaptado e traduzido de Culture in Crisis: The Visionary Theories of Pitirim Sorokin (link)
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