quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Problemas em torno do anarquismo: anarquismo, socialismo e individualismo I

I - A questão dos golpes ou das Revoluções


Não costumo a apresentar-me como anarquista. Todavia como tenho o costume de apresentar-me como Socialista libertário, Socialista liberal (em política não em economia), Socialista democrata (não do partido brasileiro que ostenta este nome nem na acepção moderna ou representativa mas à la grega) ou Policrata, poderia muito bem apresentar-me como Socialista anarquista ou Anarco socialista.

Como anarquista apenas jamais me apresentaria e por um motivo bem simples: a existência dos anarco individualistas e dos ANACAP.

Trata-se no entanto de um motivo apenas. Há outros.

Começando como sempre pela questão dos meios. A mesma que nos separa dos comunistas.

Politicamente aspiramos por um fim bastante próximo ou semelhante. Que eu coloco em termos de democracia direta.

Os anarquistas no entanto, digo-o de modo geral. Estão cindidos em duas facções ou grupos: os que cedem a tentação de apressar a História e apostam no golpe (no passado classificados como libertários) como os comunistas e os que apostam no abstencionismo, boicotando a democracia indireta ou representativa julgando ser possível produzir um colapso em termos de política e destruir o sistema.

Eu não pertenço a qualquer destes grupos.

Encaro o golpe/golpismo (idéia de Revolução sangrenta) como uma traição ao realismo ou como dizem ao materialismo na medida em que pretendem instaurar uma ordem para qual a Sociedade não esta culturalmente preparada ou que não faz sentido para aquela Sociedade. As verdadeiras Revoluções se de fato existem são levadas a cabo pelo povo ou pela Sociedade como um todo e não por Elites... e massas inconscientes e amorfas por elas cooptadas. Todas as Revoluções da modernidade tem sido golpes de carater elitista, alheios ou até opostos a vontade popular.

Tudo quanto temos construído a custa de suor, sangue e lágrimas em termos de política, tem sido artificial, superficial e por isso malbaratado.

É o golpismo atitude essencialmente elitista, ilusória, idealista e trágica. É essencialmente idealista porque recusa-se a acompanhar o ritmo do processo Histórico e a dinâmica da cultura. São indivíduos ou grupinhos que acreditam ser capazes de alterar o curso da História com suas espadas, lanças, rifles ou canhões quando a História só pode avançar dentro de certos límites quando se altera ou muda o espírito, a idéia, os princípios, os valores, as crenças; enfim a cultura.

É a alteração da consciência coletiva que produz novas estruturas sociais. Agora depende esta alteração de diversos fatores quais sejam a educação, a fé religiosa, a ética, etc

Por ignorar tal sentido a Revolução mostra-se ingênua. O golpe não pode deixar de acontecer como um virus não pode deixar de produzir uma infecção dentro do organismo. As Revoluções não são, creio ei evitáveis... Isto não significa que devamos aspirar por elas, colaborar com elas, aplaudi-las ou sauda-las como um evento cósmico de natureza redentora ou como uma panaceia.

Revoluções não são terapias, jamais foram. Revoluções, golpes e movimentos bruscos no corpo da sociedade são mais sintomas ou moléstias do que outra coisa. A cura vem depois... de maneira dialética, incorporando novos valores de certo modo divulgados e trazidos pela revolução. Os quais criam um mundo diferente, de que farão parte elementos do antigo regime e do novo, da revolução e da reação. Após a revolução sempre há certo saudosismo e certa medida de reação. Daí os recuos... Não duvidamos que permaneça algo de bom.

Agora se a Revolução foi hecatombica, como a de 89 e a de 17, ceifando multidões de seres humanos e aniquilando dezenas de milhões de vidas. Se o saldo de mortes foi bastante elevado. Então somos levados a nos perguntar se valeu a pena ou se a humanidade não chegaria aos mesmos resultados ao cabo de alguns séculos produzindo uma economia significativa de sangue.

Que restou? Que foi obtido? Quais os resultados concretos? Quantas vidas se perderam? Quanto de nosso patrimônio histórico e cultural foi sacrificado? Quantos bens foram destruídos?

São perguntas problemáticas que impõem-se aos apóstolos da Revolução.

De minha parte repugna contemplar tanta carniçaria.

Dirão alguns, com Max Nordau, que o regime anterior a Revolução matava lenta e sutilmente, por meio da opressão, sem efusão de sangue, abreviando a tempo de vida dos dominados. Assim os camponeses franceses de 89 debilitados pela fome... assim os proletários e mujiks de 17. Seria necessário fazer a conta bem como adicionar a dor de ser decapitado ou fuzilado. Sim porque a maior parte das mortes produzidas pela Revolução parecem ser violentas e dolorosas. Então devemos considerar a dor... e a consciência de estar em perigo ou de estar fadado a morrer. A situação pode até matar. Mas a revolução, quase sempre, acrescenta a morte um conteúdo dramático que poucos seres humanos estariam dispostos a aceitar.

Pessoas não desejam morrer estouradas por bombas ou queimadas por Napalm. Preferem viver um tiquinho mais, inda que seja de vida abreviada e precária.

Já vi Revolucionários classificando tais pessoas como covardes e acomodadas. É julgamento de muito pouco valor, que ignora supinamente as razões alheias. Ademais o juízo de quem lança bombas ou fuzila é essencialmente diverso do juízo das vítimas civis. As quais parecem aborrecer qualquer tipo de Revolução ou golpe, seja de direta ou esquerda. Quem combate em qualquer um dos lados costuma a encarar a morte como heróica. O bom povo, em sua simplicidade e covardia bem sabe que não há nobreza alguma na morte e que quase toda morte é dolorosa, imunda e feia.

Toda e qualquer cultura militar ou marcial, seja de direita ou de esquerda mistifica em torno da morte, buscando encobrir seu lado trágico. O povo simples por instinto abomina a morte. Prefere inclusive sofrer a morrer porque a vida trás esperança... Prefere mesmo viver sob o jugo da servidão a morrer, porque na vida há esperança. A morte no entanto conhece gêneros dolorosos porquanto há diversas formas e modos de morrer. Nem preciso dizer que a revolução trás em seu bojo vários tipos artificiais de morte...

Eis porque o senso comum abomina quaisquer Revoluções ou estados próximos a anomia. Preferindo uma segurança precária. Revoluções são situações de descontrole radical, em que possibilidades de excessos em termos de injustiças, vinganças, crueldades, etc tornam-se mais fáceis, senão oportunas ou reais. Ocorre-me a execução de um Lavoisier por mera intriga!

Penso que hajam guerras, conflitos, batalhas, revoluções necessárias; sobretudo quando a injustiça torna-se crônica e as o número de mortes por carência de condições materiais vultoso. Mas... tampouco creio nessa mística produzida em torno da violência, do golpe e das revoluções. Mística que não contabiliza a soma de vidas perdidas e que desconsidera o fator do sofrimento. Mística que recusa-me a fazer cálculos. Mística que chega as raias do sadismo! Desta mística segundo a qual a Revolução é sempre oportuna, boa ou necessária não partilho. Desta mística segundo a qual ela é sempre o melhor ou o único caminho a ser trilhado não comungo.

Revolução deve ser encarada com um purgante ou remédio amargo e não como xarope.

Admito que algumas revoluções, golpes e distúrbios sejam impossíveis de serem evitados dadas as condições de determinada sociedade. Mas não posso encara-los com entusiasmo. Não posso testemunhar tais cenas de iconoclasmo e destruição com um sorriso nos lábios como não poderia encarar de tal modo a destruição do Templo de Diana pelos gôdos, a queima do fórum romano pelos bárbaros germânicos, a aniquilação da Biblioteca de Alexandria por Amru Al Ass, o saque da Biblioteca do Vaticano pelos lasquenetes alemães em 1527... Por natureza aborreço a fúria, os excessos e os abusos e por isto suspeito das revoluções.

Nisto aparto-me da maior parte dos anarquistas e dos comunista.

Não sou um Revolucionário no uso comum do termo. O que busco resignificar, transformar, subverter, reformular, etc é o universo das ideais. O que busco incendiar, demolir, extirpar, etc são teorias, opiniões, palpites, doutrinas, crenças e não pessoas. O que desejo revolucionar de fato são os princípios e os valores.

Nem por isso sou pacifista ingênuo e radical. Já disse que diversas situações justificam o emprego da força, a resistência, a defesa, a reação, a subversão. Há que se lutar e que se combater, mas também há meios mais seguros e prudentes, como a desobediência civil de Thoureau, as greves, passeatas, manifestações, etc Inumeras possibilidades a serem esgotadas antes de se partir para o conflito aberto.



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