III - A expansão do agostinianismo e o conflito teológico no Ocidente medieval
No momento em que Agostinho enunciou sua teoria gracista e maniquéia muitos poucos dentre os ocidentais, mesmo elderes, foram capazes de aquilatar o impacto daquilo que estava sendo anunciado e como tais doutrinas viriam subverter por completo o sentido da vida cristã. Apenas uns poucos como o já citado Juliano, o diácono Anianus e o monge Celestius foram capazes de antever o futuro tenebroso da Cristandade.
Combalida em parte pelo abandono do ideal heroico da santidade e da perfeição e em seguida pela conversão aparente dos últimos pagãos, alias os mais obstinados, tornou-se a instituição Cristã meramente teórica, tombou no fideísmo e ficou irrelevante em termos de imanência.
A cidade de Cristo foi substituída pelo céu, o paraíso ou o além túmulo e este mundo abandonado as forças tenebrosas do mal e do pecado. Satanaz tornou-se de fato o 'deus' deste mundo, mundo que deveria te-lo banido em nome de Cristo e entrado numa nova ordem, a ordem ética do Evangelho. No entanto esta ordem deixou de ser instaurada e transferida para além dos umbrais da eternidade. Considero esta postergação uma tragédia, a suprema tragédia porque passou a humanidade.
O Oriente mais do que o Ocidente, por uma questão de cisão cultural e a precariedade dos meios de transporte e comunicação, tardou a dar-se conta do que estava acontecendo. No entanto quando veio a informar-se melhor não tardou a descortinar suas origens, caráter e suas decorrências. S Fócio, que é considerado um dos grandes esteios da Ortodoxia Cristã, apesar de ter Agostinho em conta de homem santo não deixou de precaver seus colegas a respeito de sua teologia equivocada. Em seu 'Mirabiblion' encontramos um fragmento de uma obra já perdida composta por Teodoro de Mopsuestes um dos maiores expoentes da teologia grega.
Neste fragmento Teodoro classifica o Bispo de Hipona como professor maniqueísta. Mesmo sem apreciar o gênio de Teodoro, S Fócio foi obrigado a concordar com ele e a declarar que os ensinamentos de Agostinho sobre o impacto do pecado ancestral eram incompatíveis com a tradição Cristã. Apesar disto até um russo como Berdiaeff acabou assimilando seus ensinamentos pessimistas.
Pessimistas porque Agostinho em sua teologia concede mais espaço ao pecado do que a graça, apresentando como Lutero, uma graça frágil e insipiente, sempre incapaz de consertar a essência do homem e de torna-lo Bom como Deus é Bom. Concede portanto mais espaço ao mal que transtorna o Bem do que ao Bem que jamais acontece neste mundo e concede mais espaço ao diabo ou anti Cristo a quem atribui o poder ou a capacidade de alterar radicalmente a ordem divina e de impossibilitar a concretização do plano divino no mundo material. Não posso ver otimismo nisto...
Foi com Agostinho que o neo Cristianismo aprendeu a anunciar mais o pecado, o diabo, o mal, o inferno, etc do que a verdadeira 'Boa Nova' centrada na virtude, em Cristo, no bem, no paraíso, etc. Desde então converteu-se o Cristianismo numa nova má e indesejável. A ponto de enunciar a rejeição por parte do próprio Deus, da maior parte de suas criaturas racionais predestinadas ao inferno... Por fim esse anuncio do abandono havia de engendrar mesmo a descrença, o materialismo, o ateísmo, o capitalismo, o comunismo, o fascismo e preparar os caminhos do pentecostalismo e do islã...
Seja como for menos de um século após a morte de Agostinho (529) e um período ainda mais amargo em termos de controvérsias, quando o SINODO (assim classificado com toda razão pelo teólogo protestante R Olson) de Orange - presidido pelo fanático Cesário de Arles discípulo de Próspero, cognominado 'o segundo Agostinho' - pretendeu impor aos latinos uma visão ainda mais estreita e rigorista do que a do Bispo de Hipona e já bastante próxima do calvinismo.
Todavia, graças a instalação do monge grego João Cassiano na cidade de Marselha, recebeu o agostinianismo as merecidas críticas. João Cassiano era discípulo de S João Crisóstomo e paladino da legítima teologia Cristã, semi pelagiana. Foram discípulos seus o Dr Faustino de Riez e S Vicente de Lerins 'pai' de todos os tradicionalistas ocidentais.
Alias, o 'Commonitorio' com sua ênfase a respeito do princípio da tradição e sua condenação feroz ao espírito da inovação no terreno da teologia, teve por escopo denunciar o agostinianismo como uma invenção desprovida de qualquer fundamento histórico. O que de certo modo reporta a S João Crisóstomo e seu sentido da tradição.
Por dois ou três séculos ainda, graças a atuação dos monges de Lerins, avançou esta controvérsia. Atalhando os passos do Agostinianismo e dos orangistas, que no século IX encontraram um campeão no monge Gottschalk, uma espécie de Agostinho redivivo ou de Lutero, Calvino ou Jansenio antecipado. Desda vez no entanto as coisas não foram assim tão bem para os adeptos do gracismo, pois apesar de apresentar-se como mero repetidor de tudo quanto dissera o hiponense, Gottschalk foi encerrado num mosteiro por ordem do metropolita S Himcmar. O qual classificou sua teoria a respeito da dupla predestinação como essencialmente ímpia e blasfema.
Passados mais alguns séculos no entanto já era o tal sínodo de Orange apresentado como Concílio Ecumênico e imposto a todos os fiéis pela igreja barbarizada de Roma. Sabemos no entanto que este sínodo provincial jamais recebera a aprovação de todos os Bispos gauleses, quanto mais de todos os Bispos latinos e que jamais fora conhecido, quanto mais aprovado pela parte Oriental ou grega da Igreja Católica. E no entanto foi graças a sua apresentação como Concílio ecumênico, e logo infalível e inquestionável, que o agostinianismo conseguiu quebrar todas as resistências e impor-se como a única teologia autorizada. Tudo graças a uma confusão ou farsa que subsistia ainda por ocasião do 'Concílio' Tridentino.
Forçoso é reconhecer, no entanto, que mesmo após a imposição do falso Concílio pelo papa romano e os esforços feitos por Bernardo de Clairvoux o agostinianismo não granjeou o status de teologia majoritária e muito menos de teologia única.
Apesar de estarem constrangidos a receber formal, mecânica e externamente decretos de Orange, parte dos teólogos latinos buscou elaborar soluções de compromisso ou de meio termo entre o agostinianismo e a teologia Ortodoxa. Esta busca por soluções de compromisso prolongou-se de Tomas de Aquino a Alberto Pighius em 1530. Muito papel e tinta foram gastos e surgiram tantos sistemas quanto cabeças, uns mais próximos do orangismo como o Tomismo e outros do semi pelagianismo como o de Cajetanus. Foi um esforço tão inutil quanto titânico mas que não foi capaz de impedir a reversão luterana de 1521.
Mesmo após o Concilio Tridentino, que limitou-se a fixar alguns decretos igualmente vagos e conciliatórios, jesuítas e dominicanos não exitaram e classificar uns aos outros como heréticos, tal e qual os franciscanos e dominicanos haviam se tratado alguns séculos antes pelo mesmíssimo motivo. Afinal a teologia jesuíta concedia amplo espaço a natureza enquanto que a dominicana, sem ser rigorosamente orangista, pendia para o agostinianismo (um agostinianismo suavizado).
O próprio Concílio Tridentino fora vago, superficial e conciliatório - se bem que simpático ao Orangismo - porque a par dos jesuítas chefiados por Lainez tomaram parte nele os dominicanos, os franciscanos e os carmelitas além é claro dos agostinianos. Os franciscanos inclusive é que assumiram o legado espiritual do Bispo de Hipona antes mesmo que a ordem agostiniana fosse fundada, formando uma frente com os agostinianos e os carmelitas em Trento. Os dominicanos ficaram no centro e os jesuítas, adversários jurados do luteranismo e da reforma protestante, no extremo oposto, vindicando os pressupostos do semi pelagianismo só que com uma terminologia distinta tomada a Filosofia.
Levado a cabo somente pelos jesuítas é possível que o Concilio de Trento tivesse de fato estabelecido uma verdadeira contra reforma anto agostiniana ou humanista. Todavia a presença dos 'orangistas' resultou em definições demasiado vagas e genéricas ou numa indefinição em torno da questão da graça. A qual não pode tornar a ressurgir alguns anos depois.
Tendo em vista acabar com tais discussões o papa declarou a questão insolúvel e proibiu os latinos de abordarem-na. A bem da verdade a igreja romana não fora capaz de sacrificar a doutrina daquele que encarava como uma espécie de super padre ou padre por excelência. E tampouco de prestar contas a razão, que revindicava os direitos da natureza... Diante disto ficou posta entre Cila e Caribdes ou como a sogra de pedro suspensa entre os céus e a terra.
Tal não se deu no entanto no espaço em que os orangistas - fossem franciscanos, agostinianos ou carmelitas - haviam conseguido vindicar por completo a reputação de seu mestre e impor sua malsinada teologia. Vindo este espaço a ser ocupado pela reforma protestante.
Por meio da reforma protestante as opiniões do Bispo de Hipona não são apenas retomadas mas desenvolvidas e impostas como dogma. Trata-se dum retorno completo, não ao Evangelho de Cristo mas ao agostinianismo, que é formalmente assumido. No caso do luteranismo por sinal, o triunfo foi completo e podemos defini-lo, sem medo de errar, como um sistema mais agostiniano do que cristão.
Outro é o caso do Calvinismo, que jamais veio a assumi-lo por completo até conhecer uma significativa reversão levada a cabo por Tiago Ariminius. Tiago Arminius representa a busca por uma solução de compromisso por parte das consciências mais nobres que haviam aderido a revolução protestante. O agostinianismo nu e cru de Lutero conseguiu fixar-se apenas na Alemanha e Escandinávia e não deixa de ser assaz curioso o fato de que os povos do estremo Norte da Europa tenham pautado suas crenças nos ensinamentos de um padre africano. Prova de que as ideias circulam!
Mesmo após o concílio de Trento ainda houve na igreja romana um partido agostiniano ortodoxo chefiado pelo Dr Berti e pelo cardeal Henri Noris os quais sustentavam a condenação de eterna de todas as criancinhas não batizadas e com um pouco mais de sutileza e prudência a dupla predestinação, escudando-se quase sempre nas palavras do próprio Agostinho e apresentando-as como mera opinião teológica...
A este partido pertencia o teólogo Belga Jansenius. Após ter estudado exaustivamente a obra do Bispo de Hipona Jansenius ressuscitou os erros de Próspero, Cesário, Gotteschalk, Lutero e Calvino enunciando formalmente e como artigo de fé a doutrina da dupla predestinação. Disto resultou uma corrente ou grupo que chegou a conquistar certo número de adeptos na França de Luis XIV, até constituir-se formar uma seita cismática em Utrech na Holanda.
Uma após a outra, de Tomás de Aquino a Nicole e Duvergier foram tais discussões semeando dúvidas nos corações dos Cristãos mais simples e de boa vontade. Por fim, a reforma protestante e o jansenismo com suas disputas intermináveis em torno de Agostinho, da graça e da vontade, do monergismo e do sinergismo, do solifideismo e da virtude... saturaram a consciência Cristã e lançaram os fundamentos da incredulidade reinante. Pois enquanto o protestantismo assumia sua irracionalidade a igreja romana oferecia mais um mistério desnecessário a sua clientela.
Resta-nos esclarecer uma dúvida.
Se da divulgação e progressos do Agostinianismo na antiguidade, como sustentamos, resultou uma abandono do ideal heroico e dum estilo de vida rigorosamente Cristão por que tanto o calvinismo quanto o jansenismo constituíram sistemas excessivamente moralistas ou rigoristas?
Tal anomalia se deu por que tanto os Calvinistas quanto o Jansenistas - ao contrário dos Luteranos - recusaram-se a seguir Agostinho até o fim, professando na verdade um meio agostinianismo marcadamente no que diz respeito ao estado do homem antes de sua conversão ou da predestinação positiva para o inferno (dupla predestinação). Quanto a condição do convertido ambos os partidos admitiam que havia uma recuperação parcial (não total como ensinavam os semi pelagianos) por parte da natureza. Eis porque calvinistas e jansenista adotavam uma disciplina extremamente austera; tendo em vista a consolidação desta recuperação ou cura parcial. Eles acreditavam que uma disciplina rigorosa era capaz de restringir as ocasiões de queda ou pecado.
Eles bem podiam ter reproduzido o são equilíbrio da igreja episcopal. Não fosse a doutrina da dupla predestinação, a ignorância a respeito do próprio estado e o estado de angústia que disto decorre. Foi esta angústia ou pânico que introduziu calvinistas e jansenistas nas vias de um ascetismo monacal, o qual secularizado, após a perda da fé, serviu de impulso a ordem capitalista. Era todo um evitar os momentos de ócio e tranquilidade tendo em vista evitar qualquer pensamento mórbido em termos de predestinação e vida futura, e; consequentemente todo um dispersar-se, primeiramente nos exercícios religiosos e, em seguida no trabalho. Era um trabalhar para não refletir, um trabalhar para esquecer o drama da salvação, um trabalhar para não raciocinar... para fugir de si mesmo.
Um trabalhar que perdeu consciência de seus fins por ter se convertido em fuga...
Um fugir do pensamento!
Já os luteranos - pelo contrário - soltaram a corda... e degeneraram por completo. Até perderem a fé...
A igreja romana, curiosamente, foi pendendo mais e mais para o lado do luteranismo. Até tombar completamente nele e perder mais uma parcela de sua consciência Católica.
Hoje para a maior parte dos neos cristãos falar em Cristianismo como Lei, regra, norma ou REGIME DE VIDA não faz mais qualquer sentido. Eles só sabem fé Cristã, nada sabem em termos de vida Cristã ou de Cristianismo integral.
Combalida em parte pelo abandono do ideal heroico da santidade e da perfeição e em seguida pela conversão aparente dos últimos pagãos, alias os mais obstinados, tornou-se a instituição Cristã meramente teórica, tombou no fideísmo e ficou irrelevante em termos de imanência.
A cidade de Cristo foi substituída pelo céu, o paraíso ou o além túmulo e este mundo abandonado as forças tenebrosas do mal e do pecado. Satanaz tornou-se de fato o 'deus' deste mundo, mundo que deveria te-lo banido em nome de Cristo e entrado numa nova ordem, a ordem ética do Evangelho. No entanto esta ordem deixou de ser instaurada e transferida para além dos umbrais da eternidade. Considero esta postergação uma tragédia, a suprema tragédia porque passou a humanidade.
O Oriente mais do que o Ocidente, por uma questão de cisão cultural e a precariedade dos meios de transporte e comunicação, tardou a dar-se conta do que estava acontecendo. No entanto quando veio a informar-se melhor não tardou a descortinar suas origens, caráter e suas decorrências. S Fócio, que é considerado um dos grandes esteios da Ortodoxia Cristã, apesar de ter Agostinho em conta de homem santo não deixou de precaver seus colegas a respeito de sua teologia equivocada. Em seu 'Mirabiblion' encontramos um fragmento de uma obra já perdida composta por Teodoro de Mopsuestes um dos maiores expoentes da teologia grega.
Neste fragmento Teodoro classifica o Bispo de Hipona como professor maniqueísta. Mesmo sem apreciar o gênio de Teodoro, S Fócio foi obrigado a concordar com ele e a declarar que os ensinamentos de Agostinho sobre o impacto do pecado ancestral eram incompatíveis com a tradição Cristã. Apesar disto até um russo como Berdiaeff acabou assimilando seus ensinamentos pessimistas.
Pessimistas porque Agostinho em sua teologia concede mais espaço ao pecado do que a graça, apresentando como Lutero, uma graça frágil e insipiente, sempre incapaz de consertar a essência do homem e de torna-lo Bom como Deus é Bom. Concede portanto mais espaço ao mal que transtorna o Bem do que ao Bem que jamais acontece neste mundo e concede mais espaço ao diabo ou anti Cristo a quem atribui o poder ou a capacidade de alterar radicalmente a ordem divina e de impossibilitar a concretização do plano divino no mundo material. Não posso ver otimismo nisto...
Foi com Agostinho que o neo Cristianismo aprendeu a anunciar mais o pecado, o diabo, o mal, o inferno, etc do que a verdadeira 'Boa Nova' centrada na virtude, em Cristo, no bem, no paraíso, etc. Desde então converteu-se o Cristianismo numa nova má e indesejável. A ponto de enunciar a rejeição por parte do próprio Deus, da maior parte de suas criaturas racionais predestinadas ao inferno... Por fim esse anuncio do abandono havia de engendrar mesmo a descrença, o materialismo, o ateísmo, o capitalismo, o comunismo, o fascismo e preparar os caminhos do pentecostalismo e do islã...
Seja como for menos de um século após a morte de Agostinho (529) e um período ainda mais amargo em termos de controvérsias, quando o SINODO (assim classificado com toda razão pelo teólogo protestante R Olson) de Orange - presidido pelo fanático Cesário de Arles discípulo de Próspero, cognominado 'o segundo Agostinho' - pretendeu impor aos latinos uma visão ainda mais estreita e rigorista do que a do Bispo de Hipona e já bastante próxima do calvinismo.
Todavia, graças a instalação do monge grego João Cassiano na cidade de Marselha, recebeu o agostinianismo as merecidas críticas. João Cassiano era discípulo de S João Crisóstomo e paladino da legítima teologia Cristã, semi pelagiana. Foram discípulos seus o Dr Faustino de Riez e S Vicente de Lerins 'pai' de todos os tradicionalistas ocidentais.
Alias, o 'Commonitorio' com sua ênfase a respeito do princípio da tradição e sua condenação feroz ao espírito da inovação no terreno da teologia, teve por escopo denunciar o agostinianismo como uma invenção desprovida de qualquer fundamento histórico. O que de certo modo reporta a S João Crisóstomo e seu sentido da tradição.
Por dois ou três séculos ainda, graças a atuação dos monges de Lerins, avançou esta controvérsia. Atalhando os passos do Agostinianismo e dos orangistas, que no século IX encontraram um campeão no monge Gottschalk, uma espécie de Agostinho redivivo ou de Lutero, Calvino ou Jansenio antecipado. Desda vez no entanto as coisas não foram assim tão bem para os adeptos do gracismo, pois apesar de apresentar-se como mero repetidor de tudo quanto dissera o hiponense, Gottschalk foi encerrado num mosteiro por ordem do metropolita S Himcmar. O qual classificou sua teoria a respeito da dupla predestinação como essencialmente ímpia e blasfema.
Passados mais alguns séculos no entanto já era o tal sínodo de Orange apresentado como Concílio Ecumênico e imposto a todos os fiéis pela igreja barbarizada de Roma. Sabemos no entanto que este sínodo provincial jamais recebera a aprovação de todos os Bispos gauleses, quanto mais de todos os Bispos latinos e que jamais fora conhecido, quanto mais aprovado pela parte Oriental ou grega da Igreja Católica. E no entanto foi graças a sua apresentação como Concílio ecumênico, e logo infalível e inquestionável, que o agostinianismo conseguiu quebrar todas as resistências e impor-se como a única teologia autorizada. Tudo graças a uma confusão ou farsa que subsistia ainda por ocasião do 'Concílio' Tridentino.
Forçoso é reconhecer, no entanto, que mesmo após a imposição do falso Concílio pelo papa romano e os esforços feitos por Bernardo de Clairvoux o agostinianismo não granjeou o status de teologia majoritária e muito menos de teologia única.
Apesar de estarem constrangidos a receber formal, mecânica e externamente decretos de Orange, parte dos teólogos latinos buscou elaborar soluções de compromisso ou de meio termo entre o agostinianismo e a teologia Ortodoxa. Esta busca por soluções de compromisso prolongou-se de Tomas de Aquino a Alberto Pighius em 1530. Muito papel e tinta foram gastos e surgiram tantos sistemas quanto cabeças, uns mais próximos do orangismo como o Tomismo e outros do semi pelagianismo como o de Cajetanus. Foi um esforço tão inutil quanto titânico mas que não foi capaz de impedir a reversão luterana de 1521.
Mesmo após o Concilio Tridentino, que limitou-se a fixar alguns decretos igualmente vagos e conciliatórios, jesuítas e dominicanos não exitaram e classificar uns aos outros como heréticos, tal e qual os franciscanos e dominicanos haviam se tratado alguns séculos antes pelo mesmíssimo motivo. Afinal a teologia jesuíta concedia amplo espaço a natureza enquanto que a dominicana, sem ser rigorosamente orangista, pendia para o agostinianismo (um agostinianismo suavizado).
O próprio Concílio Tridentino fora vago, superficial e conciliatório - se bem que simpático ao Orangismo - porque a par dos jesuítas chefiados por Lainez tomaram parte nele os dominicanos, os franciscanos e os carmelitas além é claro dos agostinianos. Os franciscanos inclusive é que assumiram o legado espiritual do Bispo de Hipona antes mesmo que a ordem agostiniana fosse fundada, formando uma frente com os agostinianos e os carmelitas em Trento. Os dominicanos ficaram no centro e os jesuítas, adversários jurados do luteranismo e da reforma protestante, no extremo oposto, vindicando os pressupostos do semi pelagianismo só que com uma terminologia distinta tomada a Filosofia.
Levado a cabo somente pelos jesuítas é possível que o Concilio de Trento tivesse de fato estabelecido uma verdadeira contra reforma anto agostiniana ou humanista. Todavia a presença dos 'orangistas' resultou em definições demasiado vagas e genéricas ou numa indefinição em torno da questão da graça. A qual não pode tornar a ressurgir alguns anos depois.
Tendo em vista acabar com tais discussões o papa declarou a questão insolúvel e proibiu os latinos de abordarem-na. A bem da verdade a igreja romana não fora capaz de sacrificar a doutrina daquele que encarava como uma espécie de super padre ou padre por excelência. E tampouco de prestar contas a razão, que revindicava os direitos da natureza... Diante disto ficou posta entre Cila e Caribdes ou como a sogra de pedro suspensa entre os céus e a terra.
Tal não se deu no entanto no espaço em que os orangistas - fossem franciscanos, agostinianos ou carmelitas - haviam conseguido vindicar por completo a reputação de seu mestre e impor sua malsinada teologia. Vindo este espaço a ser ocupado pela reforma protestante.
Por meio da reforma protestante as opiniões do Bispo de Hipona não são apenas retomadas mas desenvolvidas e impostas como dogma. Trata-se dum retorno completo, não ao Evangelho de Cristo mas ao agostinianismo, que é formalmente assumido. No caso do luteranismo por sinal, o triunfo foi completo e podemos defini-lo, sem medo de errar, como um sistema mais agostiniano do que cristão.
Outro é o caso do Calvinismo, que jamais veio a assumi-lo por completo até conhecer uma significativa reversão levada a cabo por Tiago Ariminius. Tiago Arminius representa a busca por uma solução de compromisso por parte das consciências mais nobres que haviam aderido a revolução protestante. O agostinianismo nu e cru de Lutero conseguiu fixar-se apenas na Alemanha e Escandinávia e não deixa de ser assaz curioso o fato de que os povos do estremo Norte da Europa tenham pautado suas crenças nos ensinamentos de um padre africano. Prova de que as ideias circulam!
Mesmo após o concílio de Trento ainda houve na igreja romana um partido agostiniano ortodoxo chefiado pelo Dr Berti e pelo cardeal Henri Noris os quais sustentavam a condenação de eterna de todas as criancinhas não batizadas e com um pouco mais de sutileza e prudência a dupla predestinação, escudando-se quase sempre nas palavras do próprio Agostinho e apresentando-as como mera opinião teológica...
A este partido pertencia o teólogo Belga Jansenius. Após ter estudado exaustivamente a obra do Bispo de Hipona Jansenius ressuscitou os erros de Próspero, Cesário, Gotteschalk, Lutero e Calvino enunciando formalmente e como artigo de fé a doutrina da dupla predestinação. Disto resultou uma corrente ou grupo que chegou a conquistar certo número de adeptos na França de Luis XIV, até constituir-se formar uma seita cismática em Utrech na Holanda.
Uma após a outra, de Tomás de Aquino a Nicole e Duvergier foram tais discussões semeando dúvidas nos corações dos Cristãos mais simples e de boa vontade. Por fim, a reforma protestante e o jansenismo com suas disputas intermináveis em torno de Agostinho, da graça e da vontade, do monergismo e do sinergismo, do solifideismo e da virtude... saturaram a consciência Cristã e lançaram os fundamentos da incredulidade reinante. Pois enquanto o protestantismo assumia sua irracionalidade a igreja romana oferecia mais um mistério desnecessário a sua clientela.
Resta-nos esclarecer uma dúvida.
Se da divulgação e progressos do Agostinianismo na antiguidade, como sustentamos, resultou uma abandono do ideal heroico e dum estilo de vida rigorosamente Cristão por que tanto o calvinismo quanto o jansenismo constituíram sistemas excessivamente moralistas ou rigoristas?
Tal anomalia se deu por que tanto os Calvinistas quanto o Jansenistas - ao contrário dos Luteranos - recusaram-se a seguir Agostinho até o fim, professando na verdade um meio agostinianismo marcadamente no que diz respeito ao estado do homem antes de sua conversão ou da predestinação positiva para o inferno (dupla predestinação). Quanto a condição do convertido ambos os partidos admitiam que havia uma recuperação parcial (não total como ensinavam os semi pelagianos) por parte da natureza. Eis porque calvinistas e jansenista adotavam uma disciplina extremamente austera; tendo em vista a consolidação desta recuperação ou cura parcial. Eles acreditavam que uma disciplina rigorosa era capaz de restringir as ocasiões de queda ou pecado.
Eles bem podiam ter reproduzido o são equilíbrio da igreja episcopal. Não fosse a doutrina da dupla predestinação, a ignorância a respeito do próprio estado e o estado de angústia que disto decorre. Foi esta angústia ou pânico que introduziu calvinistas e jansenistas nas vias de um ascetismo monacal, o qual secularizado, após a perda da fé, serviu de impulso a ordem capitalista. Era todo um evitar os momentos de ócio e tranquilidade tendo em vista evitar qualquer pensamento mórbido em termos de predestinação e vida futura, e; consequentemente todo um dispersar-se, primeiramente nos exercícios religiosos e, em seguida no trabalho. Era um trabalhar para não refletir, um trabalhar para esquecer o drama da salvação, um trabalhar para não raciocinar... para fugir de si mesmo.
Um trabalhar que perdeu consciência de seus fins por ter se convertido em fuga...
Um fugir do pensamento!
Já os luteranos - pelo contrário - soltaram a corda... e degeneraram por completo. Até perderem a fé...
A igreja romana, curiosamente, foi pendendo mais e mais para o lado do luteranismo. Até tombar completamente nele e perder mais uma parcela de sua consciência Católica.
Hoje para a maior parte dos neos cristãos falar em Cristianismo como Lei, regra, norma ou REGIME DE VIDA não faz mais qualquer sentido. Eles só sabem fé Cristã, nada sabem em termos de vida Cristã ou de Cristianismo integral.
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