Não sabemos exatamente quantos Diálogos ele legou a posteridade. Os estudiosos e críticos não estão de acordo, afinal além das obras indubitáveis há obras duvidosas e apócrifas.
Há quem fale em 22 - Os indubitáveis - e quem adicione seis, chegando a 28 e mais cinco - suspeitos ou duvidosos - chegando assim a 33, além das Cartas, atingindo a soma de 34 obras. E há é claro, quem por amor a Platão e falta de mais Diálogos, aceite ingenuamente outros 8, certamente apócrifos.
Dentre estes destacam-se, pela densidade e a doutrina, A República ou Da Justiça (Peri Dikaion) e as Leis (Peri Nomoi), a primeira, composta durante a juventude e portanto bastante idealista, a segunda uma espécie de revisão, composta já na idade madura, alguns anos antes da morte de um quase octogenário. Da República, com sua comunidade de mulheres e filhos e uma confiança ingênua na autoridade, as Leis, com seu objetivismo legal, comparável ao Constitucionalismo hodierno, vai caminho... O Caminho de Platão.
Um Platão que teria cruzado com Sócrates com cerca de vinte anos de idade. E ficado literalmente preso aquela mente grandiosa. A qual no entanto lhe foi arrebatada oito ou dez anos depois, e por um regime, formal ou pretensamente democrático. Platão jamais recuperou-se deste trauma. E se críticos declaram que a Igreja supliciou Giordano Bruno que dizer da República que assassinou o melhor de todos os homens??? De fato Platão jamais pode distinguir a Democracia da Oclocracia ou da Demagogia. E concebeu o paradigma da autoridade redentora, mesmo quando na velhice, achou por bem delimitar sua esfera.
Há nos afamados Diálogos - Literariamente muito mais ricos do que a massa dos escritos atribuídos a Aristóteles ou por ele escritos - uma grande gama de personagens famosos - Professores, generais, médicos, devotos, poetas, estadistas, etc Criton, Eutrifon, Crítias, Adimanto, Glauco, Céfalo, Cálias, Querefon, Queremon, Protágoras, Laques, Nicias, Cármides, Trasímacos, Górgias, Agaton, Fedro, Erixímaco, Pausânias, Aristófanes, Fedon, Zenon, Parmênides, Alcebíades, Protarco, Filebo, Timaeus, Hermócrates, Clínias, Meguilo, etc que ora dormem no Kerameikos... A impressão é que estamos numa das praças ou largos da velha metrópole helênica a ouvir as arengas produzidas pelo filho de Fenarete.
Atualmente os Diálogos de Aristócles (Sim, Platão é apelido e significa Ombrão ou ombros largos!) constituem a principal referência ao Pai do humanismo, i é, a Sócrates. Mas não a única, e sequer a melhor ou a mais fiel. A antiguidade clássica conheceu muitas outras fontes a respeito do ilustre mártir da Filosofia: Fedon, Critias, Glauco, Adeimantos, Euclides de Megara, Aristipo de Cirene, Antístenes e mesmo um sapateiro... Todas estas fontes, citadas e fragmentariamente reproduzidas por Laércio, Stobaeus, Athenaios, Aulo Gélio e outros doxógrafos antigos acham-se atualmente perdidas para nós. Contamos porém com a Memorabilia de Xenofonte e com alguns fragmentos de Aesquines de Asfeto, rival de Platão.
Seja como for a Sócrates não é Platão e Platão não é Sócrates. Embora Platão estivesse persuadido de que era uma espécie de homenagem ou recompensa atribuir ao mestre suas lucubrações metafísicas em torno das origens do conhecimento ou sua origem das ideias. Para Th Gomperz por exemplo, o Sócrates histórico é o Sócrates de Xenofonte. Para outros é do Aesquines de Asfeto... ou mesmo a caricatura de Aristófanes. O certo é que nem tudo quanto Platão atribui a Sócrates parece digno de aceitação. Sócrates, sem jamais negar a possibilidade, veracidade ou a objetividade do conhecimento parece ter sido antes de tudo um Mestre de Ética, concentrando seus esforços sobre o fenômeno humano - "Do que me tenho eu ocupado senão do conhecimento do homem?" indaga ele na insuspeita Apologia. Criticou certamente os conhecimentos que julgava ingênuos ou aparentes e muito teve de demolir segundo as circunstâncias. Deixou muitas reflexões ou diálogos inconclusos, mas nada indica que tenha sido cético ou relativista. Especialmente quando opunha-se decididamente a Górgias, Protágoras e os demais sofistas, buscando por um padrão ou critério exato no plano da Ética. Se Sócrates concordaria com Descartes no sentido de que os frutos da Filosofia pertencem aos domínios da Ética, como o francês não ignorava a ilação metafísica existente entre a gnoseologia e a Ética ou que sem Verdade absoluta não era possível postular uma Ética do absoluto ou para além das opiniões e aspirações individuais. Mesmo assim quis começar pela Ética e tão larga foi sua seara que ao deixar a vida, aos setenta anos, estava sua obra incompleta ou mesma por começar.
Sócrates jamais repudiou a verdade e provavelmente em alguns momentos de sua carreira apoiou a tendência naturalizante atribuída aos Sofistas e Filósofos de modo geral. Queremos dizer que compreendeu ou apresentou os deuses da mitologia como forças da natureza, sem no entanto, como eles postular o assustador ateísmo ou mesmo agnosticismo. Foi Sócrates o principal apoiante do teísmo ou monoteísmo racional, metafísico e racionalista, não religioso, revelado ou fideísta. Seja como for tal não foi seu foco - A questão dos deuses e da natureza - e não insistiu muito sobre o assunto, exceto para sustentar que a existência de um ELEMENTO UNIFICADOR {Jamais alheio a consciência grega} era absolutamente necessário no sentido de sustentar uma economia universal, seja no plano do conhecimento, da Ética ou da Estética. O Bem, a verdade e a beleza eram expressões universais de um Ente universal. E o Bem, antes de tudo, foi o objeto da busca socrática. Pois para Sócrates uma ordenação hierárquica situava tais qualidades. E ao Bem pertencia a primazia. A Ética para ele é soberana.
Assim se a crítica da verdade não tocou ao mestre, até por questão de oportunidade, ficou ao encargo do filho de Perictione e Ariston, o qual tentando conciliar os opostos, assim Parmênides e Heráclito, apresentou seu sistema como criado por Sócrates. Nisto não há mentira, há homenagem ou preito de gratidão, segundo a cultura dos antigos. Todavia não devemos crer nem imaginar Sócrates dissertando sobre vidas sucessivas, reminiscências, mundo ideal, arquétipos, etc Tudo isto é apenas e tão somente Platão, o qual para construir seu sistema serve-se das tradições religiosas dos órficos e pitagóricos. Nada demasiado sólido ou racional... Daí a reelaboração, racionalista ou naturalista, desta teoria platônica das formas, apresentada pelo Estagirita, a qual para muitos tornou-se definitiva, ao menos no plano da Gnoseologia ou da metafísica do conhecimento. Aristóteles porém tinha seus pés sobre os ombros de um gigante colossal, do primeiro pensador sistemático do conhecimento: Platão, o pupilo de Sócrates.
Daí a conveniência de que o homem de hoje conheça suas obras ou Diálogos, lidos inclusive por Oppenheimer e Sagan, dentre outros cientistas quase contemporâneos.
Acompanhe em alguns de nossos artigos a apresentação crítica de algumas de suas obras já estudadas por nós.
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