É como já escrevi, se procurar os fundamentos mais remotos do Escolonovismo, vai encontra-los ou topar com eles, no Emílio.
A ideia do conhecimento como etapista, concreto, empírico, etc já lá esta no pensador genebrino.
E no entanto Rousseau é maior do que tudo isto e a tudo isto ultrapassa pelo simples fato de ter, a exemplo de Quintiliano e de Vitorino da Feltre, e de Vives, enxergado a criança como pessoa, assim com necessidades, anseios e direitos.
Até então, como lemos na obra magistral de Ariés, era a criança vista como um adulto miniatura, assim alguém cuja missão era, desde a mais tenra idade, aprender a comportar-se como um adulto assimilando as maneiras do adulto e, tendo inclusive de pensar como ele. Era todo um antecipar a vida adulta ou preparar-se para elas, sem que se cogitasse na condição peculiar da criança, em seu bem estar, em sua felicidade ou em seus direitos.
Rousseau, aos modos de um Copérnico ou de um Marx, inverte este esquema falacioso de ponta cabeça. E opina que a criança tenha direito a ser o que é i é, a ser criança. E algo assim, tão simples quanto óbvio, causou escândalo imenso, como só causariam Marx, Darwin e Freud... Em tudo isto J J Rousseau foi um revolucionário, e seus livros - Queimados em diversos locais - fizeram as vezes de bombas ou carabinas, explodindo nas mentes...
Claro que aquela educação artificial, cujos ideais eram frustrados pela própria natureza, só podia ser muito raramente implementada ás custas de muita porrada ou violência, e ninguém cogitava em educar sem punir fisicamente ou melhor sem surrar. O resultado de tudo isto podemos calcular em neuroses, bloqueios, melancolia, etc Aquilo era o inferno da criança e só podia justificar-se graças a falsa religião ou melhor a uma falsa doutrina inserida no corpo da religião, assim o agostinianismo, conhecido por calvinismo ou jansenismo... Segundo esta doutrina maniqueísta era o homem um ser ontologicamente mau e corrompido desde a mais tenra idade ou melhor desde sua concepção. A natureza humana era vista por estes fanáticos e sectários como essencialmente má. Setores inteiros dentro da igreja romana endossavam esta triste opinião, para não falarmos no protestantismo, cujo criador, Lutero, era monge agostiniano e admirador confesso do Bispo de Hipona.
Devia portanto, a vontade má da criança, ser corrigida desde cedo por meio da disciplina, compreendida em termos de castigos corporais. Era um autêntico desfile de instrumentos de tortura, dos quais destacava-se a famigerada palmatória, utilizada pelos 'educadores' até cerca de meio século atrás. Para alguns pensadores da educação, com sua moralidade judaico/puritana e seu currículo anti natural. abdicar das surras era lesar o ato educativo. Pois perversas ou pervertidas eram as crianças.
Adianto já nestas linhas, que aqui não assumo a posição de Rousseau ou dos neo freudianos e psicologistas, anarquistas, etc para os quais todo e qualquer castigo deva ser abolido. Educar é e sempre será moldar, formar, alterar, etc pelo que castigos e punições ou o simples uso da autoridade, sempre será necessário. O que questiono são os castigos arbitrários, derivados de tabus sem sentido e sobretudo os castigos físicos ou surras.
A franqueza obriga-nos a esclarecer o óbvio - Educar eticamente ou formar para a convivência implica dar limites, orientar, apontar direções comuns a serem seguidas e sempre que necessário castigar ou privar de algo, como o pleno exercício da liberdade ou o convívio.
Entre esta noção realista e a fé monstruosa dos agostinianistas nos castigos vai um abismo. Julgamos professar o meio termo, entre o permissivismo absoluto e o emprego da força física.
Reconhecemos no entanto o papel de Rousseau e seu grupo quanto a superação dos abusos físicos ou do terrorismo pedagógico, inda que não poucos membros do grupo tenham caído no extremo oposto, se conformado com a natureza e deixado de educar. Acompanhar ou orientar é diferente de conformar, quando nos conformamos não alteramos, e quando abdicamos de alterar não educamos.
Aplaudimos J J Rousseau por ter dado a criança um lugar ao sol, por ter apontado suas limitações estruturais/temporais, por ter afirmado seus direitos e postulado sua realização enquanto criança, salientando sua relação com o lúdico. Uma criança deve prioritariamente divertir-se, distrair-se, brincar... E não ser tratada como um adulto, assim preparada para o mundo inumano do trabalho ou para a rotina da pesquisa ou da reflexão intelectual. Há, é claro, que se chegar lá, mas ao devido tempo, sem pressa ou atropelamento... As etapas e fases físicas e psicológicas, deverão ser sempre respeitadas.
Impedir tais alegrias a criança ou remove-la precocemente deste mundo infantil é crime inexpiável contra natureza, em que pese ser frequentemente cometido e em nome da economia ou do progresso material e da civilização. Melhor seria produzirmos o lixeiro feliz de Neil ou de Masi, homem realizado e sem complexos do que o burocrata ou funcionário triste, acabrunhado e infeliz. De fato, ingrato seria sacrificar pessoas a um ideal duvidoso de civilização, fazendo com que desde jovens conformem-se com ele ou acomodam-se.
Há que alfabetizar e ensinar a ler, e a calcular; porém a seu tempo, sem violar a natureza e se possível for delicada e alegremente.
Outro aspecto importante a ser salientado, quanto ao pensamento roussoniano, é o contato da criança com o mundo natural ou ecológico i é com os animais e as plantas, com o mundo rural ou o campo. A psicologia atual só vem a confirmar este aspecto vital da formação da pessoa humana. Neste sentido a figura do Robison Crusoé é exponencial, em que pese a utopia romântica do homem ilha isolado da espécie ou da Sociedade.
Mérito seu também insistir sobre a necessidade do recém nascido ser amamentado pela mãe e ocioso enfatizar os aspectos psicológicos e somáticos desta prática. Assim como livrar as pequeninas crianças dos cueiros ou do excesso de roupas. Afinal Rousseau não pode deixar de perceber a importância do movimento ou do aspecto motor para o desenvolvimento físico e psíquica no nascituro. Ainda aqui foi ele a um tempo profético e a outro revolucionário, convulcionando a práxis educacional até suas bases.
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