sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Foi Maquiavel maquiavélico?

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Sem dúvida alguma é o florentino Nicolau Maquiavel (+1527) objeto de uma das principais polêmicas no que diz respeito as Ciências políticas, a Sociologia e a Ética. Calcule-se o fragor desta controvérsia pelo número de refutações com que brindaram o príncipe após Innocent Gentilet (1576)... Até Frederico, o grande, passando por Solorzano, Ayala e inumeros outros.

Seja como for todos tivemos de ler 'O príncipe' nos bancos da academia e de ouvir a interpretação de Benedetto Crocce vulgarizada por Chabod (1958).

Conforme dizem tais autores pugnava Maquiavel pela autonomia do político face a moralidade Cristã convencional. Ficava assim o florentino sendo um 'bom garoto'...

Mais razão assistia a Cassirer (1946) quando apresentou Maquiavel 'Cientista ou técnico da vida política', o qual procedia como um entomologista ou classificador de formas... De fato Maquiavel evoca, antecipadamente, as fúrias do positivismo ou do cientificismo, empirista ou materialista. Na medida exata em que importasse apenas com as estruturas e despreza ou minimiza não a 'moralidade Cristã' mas todo e qualquer tipo de Ética... inclusive a ética racionalista dos antigos gregos. Ele certamente devia encara a ética tal e qual a moralidade ou seja como mera convenção...

E se expressa com bastante clareza: "Assim o principado não desejará empregar aqueles métodos injustos e cruéis que REPUGNAM A QUALQUER COMUNIDADE, não somente a Cristã, MAS QUALQUER UMA FORMADA POR SERES HUMANOS." não no 'Príncipe' mas nos 'Discorzi...'

O que esta em jogo não é a moral - de fato convencional e até tola - mais judaica do que Cristã e a autonomia da vida política face a este tipo, peculiar de moralidade. O que esta em jogo é a Ética como um todo. A Ética racional e humanista de um Sócrates ou de um Platão. A simples ideia de um direito ou de uma lei natural. Nada há de novo debaixo do sol, apenas os papéis se invertem e agora é Creonte que arrosta Antígona...

Tudo quanto existe são 'razões de Estado', assim o direito puro ou positivo, acima de toda convenção.

Outro erro comum cometido por tantos quantos leem apenas O príncipe com exclusão dos 'Discorzi' é imaginar que - no Príncipe - o florentino esta apenas sendo realista e apresentando a política do tempo, tal qual era, ou seja, sem falsos moralismos.

Tudo no Príncipe é tão crú que acabamos fazendo a volta do parafuso e supondo que Maquiavel - a bem da verdade um republicano convicto (Quentin Skiner) - limita-se a descrever o que é um principado monárquico, tirânico ou despótico. Reduzido o príncipe aos termos de uma monarquia ou de uma ditadura Maquiavel não podia deixar de estar certo... Então o que ele pretendeu foi isso mesmo e apenas isto: Descrever sem atenuantes o que foi ou era o regina da Signoria...

E podíamos ficar nisto... Caso não tivéssemos examinado sua outra obra igualmente clássica sobre as Décadas de Tito Lívio, isto é, os 'Discorzi'...

Do qual extraímos o fragmento acima... que bem se encaixaria no Príncipe. Pois o Maquiavel, o autor, é o mesmo.

A bem da verdade não acreditamos que Maquiavel fosse republicano ou democrata. E tampouco despótico. Tudo quanto ele objetivava era a unificação de sua querida Itália. Assim os fins empalideciam face aos meios... os princípios face aos instrumentos... Com efeito - "Certas ações condenáveis podem ser justificadas graças a seus resultados, e quando o resultado for bom... fica justificada a ação." Discorzi... ' Primeiro Discurso. E exatamente aqui que Maquiavel justifica o fratricídio. Como todos sabem Rômulo, mítico fundador da cidade de Roma, assassinara seu irmão Remo. O florentino diz mais ou menos assim: Ok, tudo bem, Rômulo matou Remo, mas não cometeu crime algum pois tinha em vista o bem da república... "Ele merece ser desculpado... pois quis garantir a segurança da nova cidade." tais suas palavras e se fosse um matricídio ou um parricídio não seriam outras. Afinal o valor supremo não é a família ou a reverência para com os mais velhos mas a conservação da cidade!

A propósito, quanto a Maquiavel não ser nada em tempos de forma ou regime político é sabido que escreveu O príncipe e dedicou-o ao vitorioso Lourenço imediatamente após a queda da República que até então servirá, visando, obviamente alguma colocação. E isto soou tão mal que ele chegou a manipular sua correspondência e o próprio texto do livro para fazer supor outra data mais recuada... Não deu certo. O Médici jamais confiou nele... Assim sendo, alguns anos antes do levante que derrubou os Médici, em 1527, visando uma possível colocação, compôs os Discorzi - certamente tentando passa-los por mais antigos do que eram. Inutilmente, porque os republicanos vitoriosos bem conheciam seu oportunismo. Não tardou a desesperar-se e a sucumbir, descendo a tumba.

Maquiavel sempre mudou de lado e buscou compor-se com os vitoriosos tendo em vista uma possível obtenção de cargos ou seja por amor ao poder.

Não me parece que fosse qualquer coisa. Embora seja certo que desejasse a unificação da península, fosse sob a forma republicana ou sob a forma despótica. Seu sonho era o ressurgimento do antigo Império romano... Neste sentido foi o predecessor perfeito de Mussolini.

Certamente que não se pode ser agressivo, belicoso ou odinista sem sacrificar a ética. Por isso Maquiavel risca-a de seu caderno... Não a moral cristã convencional, a qual certamente não amava e sequer olhava com simpatia, mas uma simples ética racionalista e humanista nos termos de um Sócrates ou de um Platão. Por isso esta ele tão próximo do cientificismo contemporâneo com suas pretensões anti éticas, do positivismo e, consequentemente do direito puro e de Mussolini... Admitido que nada haja em termos de essencialidade e que tudo seja mera convenção, como deixar de curvar-se reverente face ao Leviatã, seja seu sobrenome 'razão de estado' ou 'vontade geral'. Afinal a pessoa nada é... E nem se pode levar a tese segundo a qual cada um possa fazer tudo quanto queira... Pendendo o prato da balança ao estado ou a sociedade, e sem contra peso. O homem desaparece... É esmagado pelo príncipe, pelo líder, pelo ditador, pelo déspota, pelo soberano, pela comunidade... Creonte manda supliciar Antígona e tudo fica por isso mesmo. E ai de Tirésias caso ouse abrir a boca - Hobbes e Maquiavel amordaça-lo-ão... E como Fisher de Rochester ou o divino Morus irá ao cadafalso...

Enfim, lido em sua completude Maquiavel parece mesmo maquiavélico e só nos resta declarar que Gentilet, Solorzano, Ayala e outros quiçá mereçam ser lidos com um pouquinho mais de atenção ou complacência...

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