Não conhece nem busca a História leis gerais, pois sua tarefa consiste em identificar as causas imediatas de cada fenômeno ou evento particular. O sentido, a direção, o ritmo, as tendências, as 'leis', o processo Histórico enfim é perseguido pela Sociologia. O que os antigos chamavam providência podemos chamar de leis sócio/históricas ou melhor dizendo de tendências predominantes. Afinal tais leis não atuam de maneira estritamente mecânica ou absoluta como as leis físicas ou naturais, são flexíveis até certo ponto, conhecendo certo grau de indeterminação tendo em vista a ação livre do elemento humano ou melhor as modalidades de ação e interação que são 'infinitas'. A História ou melhor a sociedade humana, a cultura... possuem certamente um ritmo, uma dinâmica, uma frequência; mas não exata ou inelutável. Tinha plena razão W Dilthey ao substituir o paradigma da previsibilidade pelo paradigma da compreensão.
Justificar pertence a ideologia ou a moralidade. Prever a física ou a química. A História buscamos descrever e compreender. E através dela compreender o caminho percorrido pelas diversas Sociedades e pela cultura, em busca de alguns elementos comuns. Não se faz Sociologia geral sem História embora a Sociologia busque certo nexo genérico entre fenômenos que estão dispersos. Abstrai assim do tempo e do espaço, mas, para tanto, deve utilizar-se da História e da Geografia e alimentar-se delas.
Possui a dinâmica Social certas leis gerais desde que compreendamos o termo Lei de maneira 'lata'. Por isso recomendo o emprego do termo tendências predominantes. Claro que a natureza da cultura tem direções bem definidas, as quais podemos, com o devido cuidado esboçar.
Antes de tudo quero abordar o tema da Estabilidade civilizacional e das Crises, o qual faz-se tão premente em nossos dias. Para tanto vou socorrer-me de um Filósofo da História e de um Sociólogo aos quais atribuo o mérito de terem desvendado o segredo da Esfinge; assim Toynbee e P Sorokin, os quais juntamente com F de Coulanges, M Weber e R Nisbet, tenho em conta de geniais.
Constatou Sorokin a generalidade do conflito - quem disse que o conflito não existe ou que nada move? - envolve quase sempre culturas cujos valores antitéticos podem ser definidos como Materialista ou Idealista. Uma cultura em crise é basicamente uma cultura cindida entre valores materiais e ideais ou indefinida; bem como uma cultura fechada, seja materialista ou idealista. A Estabilidade civilizacional ou o 'brilho' corresponderia a uma síntese entre os dois 'sentidos' ou a uma equilibração. Em torno do que poderíamos chamar Realismo. O Realismo tenderia a conciliar a razão e a experiência, o psíquico e o biológico, o mental e o corporal ou físico, a religiosidade ou a fé na vida futura e a ação na vida presente, a Transcendência e a Imanência... Assim a prática da ginástica e dos esportes com o ideal da Kalokagathia, a Ciência e a Filosofia, a técnica e a ética, formando um todo harmonioso, e bem se vê o quanto este ponto de equilíbrio deva ser difícil de ser obtido. Via de regra move-se a Sociedade de um extremo a outro, tal o 'sentido' das crises.
E se o conflito de valores existe dentro da maior parte das Sociedades mais desenvolvidas, devemos considerar um outro tipo de conflito, existente entre diversos padrões de civilizações estáveis e mais ou menos estáveis ou mesmo não estáveis. Segundo Spengler o atual conflito entre o Islã e o Ocidente, remontaria a situações de conflito de conflito anteriores travadas entre a cultura persa e a cultura greco/helenística, a cultura romana e a cultura judaica, a civilização Cristã bizantina e o islã, a civilização Cristã Ocidental e o islã, enfim a civilização Ocidental contemporânea e o islã... Teríamos aqui o prolongamento de um choque milenar de culturas. Noutras palavras seria o islã herdeiro ou legatário do judaísmo antigo ou mesmo do zoroastrismo (o que é discutível - esta última assertativa) enquanto que os Catolicismos - devido ao conceito de Encarnação - seriam em parte legatários do paganismo antigo. Daí o conflito entre as duas tradições: Da transcendência pura e da Transcendência/Imanência.
Sucede no entanto que nossas construções sociais, raramente atingiram o necessário equilíbrio. A exceção do século IV, do século IX, do século XIII e do século XVII, em que conheceram-se aproximações, o ideal de civilização Católica jamais concretizou-se, frustrando-o - A queda do Império romano no século V, o advento do Islã no século VII, o advento do neo paganismo no século XIV, o advento da pseudo reforma, do capitalismo e das culturas de morte a partir do século XVI. Tais eventos tornaram o ideal de civilização Transcendente/imanente inexequível. Para além disto o próprio Catolicismo - seja Ortodoxo ou latino - deixou-se contaminar, poluir e obscurecer sucessivas vezes pelo neo platonismo sob as mais diversas formas, assim do agostinianismo, do palamismo, do zwinglianismo, etc E afastando-se do Eixo da Encarnação, perdeu sua consciência, tornando-se descarnado e confluindo para o judaísmo e o islamismo, facilitando inclusive a dispersão ou a conversão...
Hoje acima de tudo acha-se o padrão de civilização Ocidental cindido entre opostos, em luta e portanto em crise. O que se sucede desde que o protestantismo e seu 'filho' adotivo, o capitalismo, assumiram a direção de nossas sociedades. No protestantismo ortodoxo ou luterano temos uma fé ou religiosidade desvinculada do mundo material e totalmente idealista. No Capitalismo uma praxis naturalista, materialista, anti ética e anti Católica. No americanismo uma síntese monstruosa entre a religiosidade descarnada ou maniqueísta e a praxis capitalista, em oposição a valores humanistas e autenticamente Cristãos ainda presentes nas antigas sociedades europeias, assim como o sentido comunitário, o ideal de bem comum e uma doutrina social normativa.
Entre os vestígios da civilização Católica ainda presentes numa Europa colapsada e os ideais da pseudo civilização Norte americana ou americanista de origem protestante ou calvinista pautada no que chamam 'bíblia' ou antigo testamento, com sua moralidade individualista, grosseira e vulgar, vai um abismo imenso. E este conflito se torna ainda mais agudo nas sociedades latino americanas, onde entram ainda outros conteúdos culturais, que o americanismo não pode aceitar ou compreender. Pois devemos ter em conta que para os puritanos recém chegados da Inglaterra, faziam os naturais deste continente as vezes de perversos cananeus votados ao extermínio.
Se os portugueses e sobretudo os espanhóis trazem a este continente recém descoberto um ideal de Cruzadas ocidentais, desconstruído pelo clero em Valadollid 1551, os puritanos do Mayflower, em 1648, trazem para este continente um ideal sectarista construído face as permanências do Catolicismo europeu, num clima de fanatismo e ódio contra Bispos, cruzes, torres e sinos... Tal e qual os Padres do século quarto tomaram por meta ou modelo social o Evangelho ou a lei de Jesus Cristo e os teólogos medievais do Ocidente a 'Cidade de Deus' de Agostinho - e já se percebe a queda do ideal... os calvinistas tomaram a peito criar uma Sociedade bíblica nos moldes da torá ou do antigo Israel... Daí a necessidade imperativa de satanizar e de aniquilar a cultural anterior ou nativa, segundo os ensaios que já haviam feito nos cantões Católicos da Europa...
Privada de conteúdo Cristão tradicional ou Católico ou de conteúdo nativo, implementaram os puritanos no Norte um ideal de Civilização protestantes que buscam, desde então vender ao mundo como legitimamente Cristão e impor as demais partes da América, conforme a doutrina do destino manifesto. Não apenas a América latina mas agora ao mundo como um todo como forma de legitimar o sistema Capitalista do qual tornou-se colaborador ativo ou servidor, pelo simples fato de que o protestantismo ortodoxo faz muito pouco caso das obras ou da ortopraxia. Mesmo os Catolicismos, posteriormente instalados neste 'solo virgem', tem se deteriorado muito facilmente e perdido sua consciência nesta atmosfera culturalmente tóxica, e tendem inclusive a exportar este Catolicismo negociável, flexível, morno, acomodado... face as necessidades do Mercado ao mundo inteiro, como se fosse produzido por encomenda.
Por isso não temos mais uma civilização Ocidental, unida e coesa, como no século XIII, mas uma sociedade cindida em torno de valores extremistas, como um espiritualismo descarnado e um materialismo insensível e cruel, os quais não se excluem, necessariamente. Em torno de permanências representadas por valores autenticamente Católicos, mesmo quando secularizados, como o socialismo, o ecologismo, etc E em torno de rupturas dramáticas como como a centralização política, os nacionalismos, o odinismo, o capitalismo, etc Vivemos um tempo de desencontro e contradição. A "Era da incoerência."
O que nos torna vulneráveis face a um islã relativamente coeso em torno do velho espírito fetichista e do padrão idealista ou descarnado de pensamento. O islã pode não ter atingido a equilibração civilizacional em termos de cultura, pelo simples fato de afirmar um deus absolutamente transcendente e apartado do universo material, mas fornece a seus adeptos, em termos de cultural, um padrão coeso ou não fragmentado. O ocidente deixou passar diversas oportunidades de equilibração e estabilidade social, até, por meio do protestantismo, do capitalismo e sucessivas culturas de morte, chegar a beira do abismo. Parte de nós zomba da fé ou da divina Revelação e da vida Ética que dela decorrer, embora nossas instituições todas e nossa cultura tenham sido postas sobre tais fundamentos desde tempos imemoriais e ante cristãos, uma vez que os Catolicismos dão continuidade a tudo quanto havia de nobre e excelente no paganismo antigo, fazendo com que remontemos a Platão, Sócrates e Aristóteles.
Ao repudiar preconcebidamente o Catolicismo estamos repudiando os fundamentos mais remotos da nossa identidade e para compreender o que estamos a fazer caberia ler - Coulanges, Dawson e Butterfield... Sociedade alguma subsiste fundamentada no ar, no vácuo ou no espaço. Uma sociedade completamente desarraigada de sua cultura ancestral não se mantém e por isto dizemos que os Catolicismos muito preservaram da cultura pagã ancestral quando o mundo antigo, por vício estrutural, ruiu fragosamente e veio abaixo. Foi um naufrágio e não fosse a presença do Cristianismo Católico experimentaríamos uma regressão tal como jamais fora vista em toda História, podendo quiçá, impugnar as constatações de V G Childe.
Quero dizer ainda que o neo paganismo, o materialismo, o ateísmo e mesmo o ceticismo ou a incredulidade, tal e qual nos tempos antigos nada produziram de relevante em termos de cultura refinada e já se disse que tais ideologias tem se mostrado estéreis nos domínios da Estética, o qual costumam depreciar. E quando se sabe o que esta tal arte moderna, psicologista... temos mais uma esfinge decifrada. Já quanto a ética bem poderíamos dizer que as mesmas causas produzem os mesmos efeitos, não por coincidência. O ateísmo e o materialismo refletidos jamais fogem ao utilitarismo, ao relativismo e ao subjetivismo... e são co relações epistemológicas necessárias. Por esta via jamais se chega a uma noção de Lei natural e assim ao essencialismo Ético em torno a alguns valores universalmente estáveis como o Bem, a Verdade e a Beleza - Digo algo a respeito deles... Para o cientificista ou positivista de nossos tempos Estética e Ética são palavras desprovidas de significados ou vazias, 'flatu vocis' enfim... Isto quando a própria razão e mesmo a própria experiencialidade não nos desamparam e encaminha ao nihilismo.
Nem fé, nem razão e nem mesmo a experiência.Nada fica restando de estável... Como construir ou manter uma civilização neste terreno? Tudo isto é resultado da dissolução, não algo positivo ou construtivo. Civilizações se constroem com afirmações fortes e ousadas em termos de princípios e valores. O protestantismo e suas sucessivas e múltiplas 'evoluções' privou-nos de tudo isto. Tornando-se o indivíduo centro da fé, e em seguida da razão e da experiencialidade, até que vieram a todas a morrer, pelas mãos do individualismo, imoladas!!!
Até aqui o conflito... Vivemos uma época de intenso conflito!
Devo dizer por fim, com Toynbee que a identificação de uma dada Sociedade com essa síntese harmoniosa e rara chamada realismo, não ocorre de qualquer maneira mais através da mimesis. Pois se faz necessário que após ter sido elaborada por uma elite intelectual, pensante ou dirigente, a solução de equilíbrio seja assumida por cada um de seus setores, inclusive pelos mais baixos ou pelas massas correspondendo a um eixo coordenador, capaz de integral todos os cidadãos, qual fossem um só corpo animado por uma só alma. Claro que essa assimilação de valores ou de cultura pressupõem antes de tudo uma organização educacional eficiente. A assimilação da cultura depende sempre da transmissão... Assim sendo uma Sociedade que aspire estabilizar-se deverá disseminar ou fixar determinados princípios e valores comuns por meio da educação, atingido verticalmente cada um de seus estamentos ou mesmo de seus membros.
Caso tais valores empolguem e inspirem os membros mais ativos e produtivos de cada esfera, este vínculo produzirá a estabilidade e promoverá a civilização, desde que tais valores, como já dissemos, representem um são realismo em torno de necessidades espirituais e materiais ou de demandas psíquicas e biológicas de modo a contemplar o homem por inteiro. Caro que esses momentos de mimesis em torno de uma construção teóricas equilibrada ou realista serão raros e breves na História da pobre humanidade e não uma constante, pelo que conheceremos certamente mais e maiores períodos de crise. Ora também o ser humano em fase de crescimento ou o adolescente conhece períodos de crise e ambivalência... Por isso não nos devemos amedrontar, caso isto aconteça também com as diversas culturas ou com a humanidade de modo geral, apenas, como disse Guicciardini, deplorar o fato de vivermos nós em tais épocas - Como durante a eclosão da reforma protestante, a queda de Constantinopla, a expansão do islã, a queda do Império romano, os cem anos posteriores a morte de Alexandre, a Atenas conquistada pelos espartanos...
Talvez, como Platão, vossa genialidade seja estimulada pelas condições adversas... Assim enquanto prevalece a crise, procedais como os entomólogos buscando compreender e identificar cada faceta do processo histórico ou do ritmo conhecido pelas sociedades. A cada um dos que tiveram a paciência necessária para ler este artigo faço votos de boa sorte! Que possais, vós e vossos filhos, ver dias melhores!
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