sábado, 21 de janeiro de 2017

Breve resposta a Milton Friedman a respeito do capitalismo e da liberdade

Impossível escrever um ensaio sobre capitalismo e liberdade, enquanto fenômenos reais, humanos e sociais sem assumir uma perspectiva marcadamente história.

Do contrário teremos um ensaio metafísico. Favorável ou contrário ao capitalismo mas sempre metafísico.

Tanto mais abstrações e especulações neste âmbito menos valor.

História se faz com fatos e não com convicções ainda que honestas.

Eis porque nos permitimos a classificar a obra de Milton Friedman 'Capitalismo e liberdade' sob todos os aspectos como 'metafísica' ou escolástica, tal a pobreza dos fatos destinados a ampara-la.

Aqui selecionar e excluir partindo de pressupostos ideológicos será sempre desonesto. Implica manipular e não construir a História. História se constrói levando em conta todos os fatos ou os fatos em sua globalidade.

É somente a partir da integralidade dos fatos que podemos formular juízos históricos.

Não foi o que fez Friedman o qual partiu de uma ideia fixa e pré estabelecida segundo a qual o liberalismo econômico promove necessariamente o liberalismo político enquanto que o Socialismo ou controle econômico estaria relacionado com o totalitarismo.

E partindo desta ideia equivocada e tosca selecionou material e compôs mais uma Apologia furada do capitalismo. Falseou descaradamente a História e ainda assim fez seguidores, especialmente, é claro, no Brasil.

Hannah Arendt tomou o caminho contrário, examinou atentamente a História, partindo de nossa herança grega até a afirmação do Capitalismo e concluiu que o liberalismo econômico tem restringido mais e mais o espaço da reflexão política.

Apresentemos portanto os fatos que Friedmann ardilosamente ocultou:

  • Apesar do governo F D Roosevelt, após a falência do modelo liberal, em 1929, ter assumido um caráter marcadamente intervencionista (Implementou o New Deal formulado por J M Keynes) e de apoio a sindicatos e trabalhadores inclusive não houve praticamente qualquer alteração na estrutura de governo dos EUA
  • A construção do modelo trabalhista inglês de bem estar social ao decorrer da última quadra do século XIX foi igualmente norteada pelos princípios políticos liberais ou democráticos, sem que houvesse qualquer alteração neste sentido. Na Inglaterra liberalismo político e trabalhismo caminharam de mãos dadas até o advento da sra Tatcher e isto ao cabo de quase um século.
  • A implementação do modelo de bem estar social nos países escandinavos transcorreu da mesma maneira ou seja nos termos do liberalismo político vigente.


Portanto a relação apontada pelo sr Friedman segundo a qual o capitalismo esta para o liberalismo político como o socialismo esta para o despotismo, é coisa que não se verifica. Pois tanto os EUA, quanto Inglaterra e Escandinávia acabaram por romper com o modelo liberal clássica e por adotar certa medida de intervencionismo - e portanto de socialismo - sem que houvesse qualquer alteração ou ruptura significativa nos domínios da política.

É o quanto nos bastaria para contestar a generalização feita por ele e apresenta-la como superficial e infundada.

E no entanto contamos com outro gênero de argumentos.

Que dizem respeito a imposição do modelo econômico liberal por um poder político autocrático.

Assim o próprio Friedman não hesitou em aconselhar e apoiar o ditador chileno Pinochet em sua cruzada anti socialista destinada a implementar o liberalismo econômico no Chile. E ele mesmo, o autor de Capitalismo e liberdade serviu como padrinho a união entre despotismo e liberalismo econômico. Demonstrando com fatos e exemplos que sua teoria era pífia...
Outro aspecto demasiado marcante da política latino americana recente foi a supressão violenta do modelo político liberal ou da ordem democrática em beneficio do liberalismo econômico, no caso ameaçado por reformas de caráter intervencionista. Sempre que o liberalismo político inclinou-se a adoção - A exemplo da Inglaterra - de um modelo político trabalhista ou socialista de bem estar o curso de qualquer uma dessas Repúblicas foi atalhado por uma ditadura destinada a manter a 'ordem' vigente ou seja capitalista. E o capitalismo soube servir-se muito bem da tirania com objetivo de conservar-se ou afirmar-se, fazendo muito pouco caso tanto dos valores democráticos quanto os direitos da pessoa humana.

Tal os casos do Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina, etc no curso dos anos 50, 60 e 70.

Conjuntura em que assistimos o florescimento de diversos regimes autocráticos, nenhum deles de caráter socialista, mas todos, sem exceção, de caráter marcadamente liberal economicista ou capitalista. E dessas interrupções indecorosas resultaram exílios, torturas, assassinatos e outros tantos crimes abomináveis na mais larga medida. Tudo com o objetivo de salvaguardar os interesses do Mercado, embora não correspondessem ao interesse dos povos em questão, que era, evidentemente, bem estar e qualidade de vida. 

Ainda aqui a relação estabelecida por Friedman apresenta-se como forçada ou falaciosa. A bem da verdade o capitalismo não tem escrúpulos e jamais conheceu outra lei que a obtenção do lucro máximo.

Só nos resta esclarecer que o exemplo escolhido por Friedman em oposição ao Inglês ou ao Yankee foram os modelos continentais europeus do período entre guerras ou fascistas, bem como os modelos comunistas do Leste europeu nos quais o socialismo - em termos de garantias e leis trabalhistas - foi implementado por ditadores.

Resta esclarecer que o prestígio obtido por tais lideres só pode ser compreendido a partir de uma situação preexistente produzida pelo liberalismo econômico. Pois ao contrário do que acontecerá na Inglaterra, nos países continentais as democracias jamais conseguiram desprender-se do liberalismo economicista tornando-se populares. E ficando o poder político subordinado ao poder econômico não foi possível abrir caminho até as reformas sociais revindicadas pelas massas ou seja a implementação dos direitos trabalhistas. Mantendo-se o liberalismo econômico em estado mais ou menos puro como na Inglaterra entre 1840 e 1880. 

Foi justamente a negação de tais direitos ao cabo de meio século ou mais que serviu para desacreditar o liberalismo político ou as formas democráticas entre as massas trabalhadoras, as que dominadas pela angústia lançaram-se aos braços dos demagogos. Mas por que se lançaram aos braços de homens tão odiosos como um Hitler e Mussolini? Porque estes homens espertos acenaram-lhes com as tão sonhadas garantias de trabalho denegadas pelos liberais...

Então quem é que empurrou a massa sofrida do proletariado europeu para os braços abertos dos ditadores? A política precedente inspirada pelo modelo liberal economicista é que acalentou e alimentou o ódio a democracia puramente formal. Foi a democracia burguesa, enquanto mero apêndice do sistema que preparou o ambiente para as principais ditaduras européia do entre guerras. O que bem poderia ter sido evitado caso esses liberais tivessem assimilado o exemplo da política inglesa em termos de negociação e de concessões ao programa trabalhista.

No entanto o programa adotado na maior parte desses países foi de resistência as aspirações dos trabalhadores e, após ao término da primeira guerra, de sangria... E o escolhido para ser sangrado foi o trabalhado, pelo simples fato de não se protegido pelas leis. Sentindo-se socialmente vulnerável e completamente desamparado pelo poder político 'miniarquista' o homem do povo foi facilmente seduzido pelo canto da sereia fascista com sua temática do Estado forte, interventor e mediador.

A ascensão dos tiranos e ditadores fascistas só pode ser compreendida a partir do messianismo e este messianismo a partir de uma situação de angústia extrema experimentada pelos povos. Se os ditadores puderam explorar o tema da emancipação ou libertação é porque já antes da servidão política aqueles povos conheceram outro tipo de servidão não menos cruel, a servidão econômica em termos de privação de direitos e vulnerabilidade social. Noutras palavras, foi a política inspirada pelo modelo liberal economicista, com seu lastro de desigualdade e miséria, que preparou o terreno para a afirmação da estatolatria seja ela comunista, nazista ou fascista.

Foi a ideia de um estado frágil e omisso em termos de econômica que desgastou o modelo democrático e a ideia de um estado forte e mediador em termos de economia que tornou o despotismo atraente. No fim das contas as massas sofridas preferiram a servidão política a econômica por acreditarem que aquela era bem menos dura...

Donde se infere que o fascismo e o comunismo alimentaram-se de situações contraditórias ou de patologias sociais produzidas pelo sistema liberal economicista e pela democracia meramente formal. 

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