terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Ciência, necessária sim, suficiente não - A miséria do cientificismo

Processo experiencial através do qual o homem obtém novos conhecimentos e dilata seu entendimento a respeito do Universo ou ainda da realidade que o cerca. Tal nossa despretensiosa definição de ciência.

Problematizemos.

Quando nossa espécie principiou a alastrar-se pela face da terra há algumas centenas de milênios nosso conhecimento era incipiente.

Claro que ainda resta muito a aprender e que sabemos muito mas muito pouco em comparação com o quanto ignoramos.

Não temos a vã pretensão de tudo saber mas sabemos algo, alguma coisa...

Caminhamos, caminhamos, caminhamos... ao cabo de alguns milênios e nosso saldo é positivo.

Temos assim a lei da gravidade, a lei da conservação da matéria, a seleção natural, a relatividade, a clonagem, etc

Em termos puramente ideais e em contraposição ao estado de ignorância, a obtenção de qualquer tipo de conhecimento é um bem.

Consequentemente a própria ciência, enquanto processo experimental que conduz-nos a aquisição de determinado tipo de conhecimento, é um bem em si mesma.

Enquanto meio que nos permite ultrapassar o estado de ignorância não podemos negar que a ciência seja um bem e um bem de grande importância para a humanidade.

A menos que encaremos a ignorância como um bem não podemos deixar de fugir a semelhante conclusão.

Assim humanista algum pode deixar de reconhecer o benefício da ciência.

Agora uma coisa é reconhecer a ciência como Bem e outra, totalmente, diversa, afirma-la como bem supremo e superior a todos os outros bens existentes.

E é exatamente aqui que o humanismo se separa, decididamente do positivismo ou do cientificismo.

Ideologia ou mística negadora da Ética (bem como da Filosofia) e para a qual a ciência possui o apanágio de produzir consciência. Erro fatal a respeito de que fôramos alertados pelo gênio imortal do Filósofo ateniense... Mas que ressurgiu das cinzas ao cabo do século décimo nono.

Pois se o conhecimento ou a obtenção do conhecimento é um bem em si mesmo o uso que dele se faz nem sempre é um bem.

Implica admitir que a ciência ao tornar-se técnica possa sofrer abuso recebendo uma orientação ou um direcionamento oposto a vida e a dignidade humanas.

Assim o átomo é partido e a partir deste conhecimento produzem-se bombas... Assim células são cultivadas e em seguida comercializadas...

As próprias experiências e pesquisas com 'material ou elemento' humano nem sempre se tem guiado pelos princípios da transparência e da honestidade.

Não o conhecimento puramente teórico obtido pela ciência não corresponde ao fim último da atividade humana mas de um estágio posto para a técnica ou para o uso.

Portanto este uso precisa ser regulado.

No entanto a mesma ciência que franqueou-nos acesso ao conhecimento é de todo impotente e inepta para regular o uso que dele se faz.

A ciência que produz o conhecimento jamais questiona cientificamente o uso que dele se faz.

Sendo assim já sabemos porque a 'ciência' que se nega a vida Ética - ou seja a ideologia cientificista - jamais questiona as exigências do Mercado e termos de justiça ou bem comum. Uma vez que justiça e bem comum não são entidades materialmente perceptíveis através da experiência. Donde o positivismo vem a questiona-las ou mesmo a nega-las (ou a classifica-las como preconceitos) para servir docilmente aos interesses do capital, sem fazer questionamentos mais abrangentes e profundos.

Como o positivismo não reconhece outra realidade além da material ou factual perceptível por meio da experiência e o capitalismo faz parte desta realidade, o positivismo adapta-se. Descreve o que a Sociedade é, mas recusa-se a julga-la e a condena-la, por considerar que tudo quanto esteja para além da experiencialidade pura seja meramente subjetivo e portanto relativo. Como valor algum é objetivo os juízos ideais ou valorativos jamais deixam de corresponder a opiniões discutíveis e assim toda Ética e perspectiva humanista.

Parta o cientificismo crasso os conceitos de bem, fidelidade, bondade, amor, justiça, alteridade, solidariedade, sensibilidade, etc não correspondem a qualquer coisa de real mas apenas e tão somente a preconceitos bobos e opiniões infundadas. De modo que a ética não sendo nem empírica nem científica nada tem de válida ou de verdadeira.

Assim sendo como não há Filosofia, Metafísica ou Deus e mesmo Ética ou valores essenciais, o próprio método cientifico ou a ciência por assim dizer acaba ocupando o lugar dessa Ética ou o lugar de Deus, convertendo-se ela mesma numa deusa e numa deusa redentora uma vez que se propõem a brindar a Sociedade contemporânea com aquilo que a Religião e a Filosofia jamais puderam brinda-la: o progresso 'humano' e a paz Social. Pelas níveas mãos da deusa ciência, seria a civilização Ocidental conduzida ao paraíso e este paraíso seria construído aqui mesmo na terra. Pois esta ciência produziria consciência como a laranjeira produz laranjas e a figueira produz figos!

Nada mais curioso do que observar essa mesma ciência que folga dirigir palavras azedas não apenas as religiões mas mesmo a Filosofia antiga, está sempre pronta a colaborar com os interesses do capital, tornando-se não apenas vendável mas sobretudo lucrativa... Que não hesita empregar seres humanos como cobaias em seus experimentos... E que sabe empestear a mãe terra quando não convém arrasa-la com suas bombas...

No entanto apesar dos sinais e evidências nossos ancestrais engoliram a isca, caíram no logro e quando abriram os olhos tiveram de enfrentar duas tremendas guerras mundiais, as piores calamidades já registradas pela História. De fato a ciência ou melhor o cientificismo conseguiu substituir a Filosofia e o Catolicismo com relativo sucesso.. O que não conseguiu foi evitar a ascensão do Comunismo, do Fascismo, do anarco individualismo e do Nazismo; pelo simples fato de jamais ter produzido consciência e de sempre ter colaborado ativamente com o capitalismo sem ousar brinda-lo com a mínima crítica!

Assim ao triunfo da técnica correspondeu uma era de crise e declínio moral, representada por uma economia falaciosa, por uma política maquiavélica e pela efervescência de conflitos sociais. Porque o cientificismo não fora apto para produzir solidariedade, solidariedade e justiça; princípios sem os quais qualquer civilização se dissolve. Como dissolveu-se o Ocidente em princípios do passado século. Desde então a técnica, posta em mãos de psicopatas, canalhas, cafajestes, degenerados, etc converteu-se em martírio.

"A grande tragédia é que o homem adquiriu o conhecimento do mundo externo a si ou do universo antes de ter obtido o conhecimento de si mesmo!" declarou A Schweitzer pondo as vistas de todos o diagnóstico do nosso tempo, a 'Era de ouro' da técnica, do positivismo ou do cientificismo.

O erro foi por a ciência acima de tudo quando ela mesma precisa ser orientada.

Crer que a ciência produziria Ética foi um engano fatal, pois constituem reflexões distintas.

Crer que seria possível ao homem viver sem Ética, isto foi delírio mesmo.

No entanto, devido a assuntos de natureza ideológica, alguns quiseram acreditar realmente nisto, temendo que a reflexão fosse desdobrada.

Temiam e ainda temer que a Ética seja essencial ou metafisica ou que nos remeta a metafísica.

Percam-se os preconceitos do homem 'emancipado', precisamos de Ética pata viver como precisamos de ar e sacrificar a vida Ética bem poderia levar-nos a extinção.

Sei que Ética remete a limites e que a deusa ciência ou melhor alguns cientistas que se julgam deuses sentem-se molestados por viverem num planeta que é finito e por terem de considera-lo.

Aqueles que teem pretensões infinitas e tão arrogantes quanto as dos líderes religiosos a que tanto criticam haverão se sentir-se desconfortáveis face a realidade finita que nos cerca. No entanto não podemos fugir a realidade que nos cerca. A magica poderá acenar com isto, a ciência jamais.

Compreendeu o leitor por que a Ética tender a quebrar o falso brilho, a mágica ou o feitiço que o charlatão positivista lançou sobre a ciência?

Advertindo-nos de que num mundo finito a finitude deverá ser sempre levada em consideração.

Então ai esta ela como um 'espinho na carne' ou melhor na alma do feiticeiro ou xamã da modernidade, a incomoda-lo.

Lamento mas não será a ciência ou o conhecimento tomado a um mundo material e finito que satisfará nossa sede de infinitude. Neste sentido cumpre devassar outros horizontes, quiçá superiores.

Tudo quando queremos ou quisemos ressaltar neste pequeno artigo foi o primado de Ética como conhecimento orientador de toda atividade humana.

Ciência é necessária sim e é boa, mas não é suficiente. É necessário adicionar-lhe outro tipo de reflexão para que o sentido da existência seja devassado por completo e saibamos com exatidão o que devemos fazer ou como devamos aplicar os conhecimentos científicos.



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