domingo, 10 de setembro de 2017

Por que os professores se tornam socialistas ou comunistas - Uma leitura de Max Nordau


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Após ter, apenas de passagem, aludido a minha fé Socialista numa determinada redê social de que faço parte, um de meus amigos enviou-me a seguinte mensagem:

Percebo que a maioria dos professores são comunistas - socialistas, por que?
Existiram e existem vários lugares em que não deram certo.
Na prática aqui no Brasil daria certo?
Não é uma ideologia ultrapassada?
A ideia de Marx daria certo no nosso contexto hoje?

Por tratar-se de um jovem sincero e de boa vontade, animado pelas melhores intenções e não de um 'conspirador burguês e malvado' segundo o clichê de alguns radicais, vou tentar responder as questões levantadas segundo minhas possibilidades.

Como se tratam de cinco questões, vamos por partes, analisando uma de cada vez.

Percebo que a maioria dos professores são comunistas - socialistas, por que?

De modo geral não sei se a maioria dos professores são socialistas e menos ainda comunistas.

Eu suponho, diante da distinção que faz - socialistas/comunistas - que esteja a par da diferença existente entre os socialistas ou sociais democratas (grupo com que me identifico) e os comunistas, bolchevistas, marxistas ortodoxos, etc

Seja como for vou reforçar. A distinção é muito bem marcada por Kautsky discípulo de Engels nas Tres fontes do marxismo em suas derradeiras páginas; retomada e muito bem exposta pelo argentino Lisandro de La Torre no seu "A questão social e os cristãos sociais". Lisandro na esteira do velho Kautsky declarava que embora os objetivos do Socialismo e do Comunismo sejam próximos ou mesmo idênticos, eliminar a injustiça e estabelecer uma condição de igualdade social, estão em desacordo quando aos métodos uma vez que o socialista, via de regra, aceita a via institucional da democracia e das sucessivas reformas enquanto o comunista, via de regra, opta pela solução da força ou da sedição.

Sem embargo disto há outras disparidades não menos importantes; o aparato conceitual do Comunismo é um. Os socialismos possuem diversos aparatos conceituais, mas, em geral não dogmatizam ou insistem doentiamente sobre o ateísmo e o materialismo, havendo inclusive grupos de Católicos que sempre se apresentaram como socialistas ou sociais.

O comunismo é monolítico. São chamados 'revisionistas', 'traidores' ou renegados os que flertaram com alguma forma de social democracia; assim Plekhakov, Kautsky, Bernstein, Rosa, Bukharin, Lucaks, Althusser, etc Os quais são para o PC o que os heréticos são para a Igreja Católica. Socialismos há quanto cabeças, o Católico, o marxista heterodoxo, o anarquista, o humanista, o babovista, o georgista, o keynesiano, o distributivo, etc

Todo o que pretenda controlar externamente o Mercado, no mínimo grau, interferindo em sua dinâmica externa, pode ser definido, partindo do conceito liberal, como socialista.

Quanto a sua pergunta não tenho certeza de que a maioria dos professores atuais seja socialista.

Talvez tivessem constituído a maioria - provavelmente constituiram - entre os anos 60 e 80.

Hoje sua prevalência da-se apenas no campo das ciências humanas e o mínimo que podemos dizer é que de modo geral os professores de humanidades - História, Geografia, Sociologia, Filosofia e Psicologia, dentre outros - adotam uma postura crítica face ao sistema capitalista, que suspeitam dele, que repudiam-no e que uma parte considerável do professorado adere a algum tipo de solução socialista, havendo até certo número de comunistas.

Seja como for a identificação do professor de humanas ou mesmo de História com o militante comunista não prevalece.

Quanto ao professorado de modo geral, englobando os professores de ciências exatas e naturais, posso dizer que há um bom número de neutros e não posicionados a respeito dos problemas sociais, e um resíduo de liberais e conservadores cada vez mais atuante.

Por que a maior parte dos professores de humanidades são socialistas?

Tal sua pergunta.

Num primeiro momento direi que os professores de humanidades tendem a refletir bastante sobre o homem e a sociedade levando em conta a diversidade história no decorrer do processo histórico. Quero dizer que costumam ter uma visão de conjunto, bem mais ampla que a do leigo, e que amiúde levam em consta as variantes.

O que os leva a questionar a realidade dada ou predominante.

A maioria de nós é levada a crer a a pensar que o mundo sempre foi tal e qual o encontramos ou que as sociedades não mudam.

O Historiador no entanto pode traçar uma lista cronológica em que conste o ano em que surgiram o computador, o avião, o automóvel e tudo quando o homem de hoje julga ser indispensável a vida.

Ele sabe até mesmo que diversos modelos de organização social, assim de matrimônio, vigoraram em determinadas épocas e locais.

O que o leva a adotar uma postura tanto mais crítica e questionadora a respeito do atual modelo de organização social.

Geralmente imaginamos que as coisas são assim porque são e que não poderiam ser de outro jeito.

O Historiador, o Sociólogo, o Geógrafo, vão noutra direção e costumam a indagar se as coisas não poderiam ser diferentes e por que são diferentes.

Tendem portanto a não se contentar com o que é, tendem ao progressismo ou a mudança. O que já os aproxima do Socialismo.

Agora por que aderem a soluções socialistas?

Primeiramente porque mesmo no tempo presente - embora cada vez menos - o socialismo subjaz na cultura e especialmente no terreno da ética.

Basta dizer que nossas Sociedade até bem pouco tempo foi agrária e tradicional. O índice de coesão social e solidariedade mesmo sendo inconsciente, é bastante marcante em tais sociedades.

Temos, em nossa maior parte, ancestralidade indígena. Os índios certamente não possuem uma ideologia ou teoria socialista - como não há possuíam os antigos orientais, inclusive os judeus - na prática todavia seu modo de viver esta mais perto do modelo socialista pelo simples fato de que os índices de coesão social e de solidariedade são marcantes em tal sociedade. O que vale para todas as comunidades primitivas cf A grande transformação de Karl Polayni 

Oriundo de uma Sociedade agrária e tradicional também o Catolicismo trás este legado socialista em seu bojo. Haja visto que nossa oração padrão é o Pai Nosso não Pai meu e que nossa liturgia também possui certo índice de consciência social. A adoração Católica é regulada ou comum.

O que quero dizer é que o socialismo esta no ar ou na cultura e que suas raízes no Ocidente remontam a Sócrates, Platão e Aristóteles de modo que o simples estudo das doutrinas sociais destes pensadores nos põem em contato com ele.

Os próprios romanos apesar de sua boçalidade insistiram demasiadamente a respeito do que chamamos justiça e criaram todo um aparelho legal destinado, ao menos em parte, a promove-la.

Para onde olhamos damos com um socialismo difuso presente em diversas fontes. Não precisamos sequer olhar para Marx ou recorrer a ele.

Aqui estão Platão, Jesus e Treboniano em coro dizendo que algo esta errado em nossa Sociedade... E insistindo aqui e acolá numa princípio ideal chamado justiça.

Segundo o qual deve ser dado a cada um o que lhe pertence.

O próprio Marx, que folgava ser ateu, principia suas críticas no capital, tomando um verso do antigo testamento - não dos esqueçamos de que um dos Isaías insiste bastante a respeito da justiça em sua dimensão social - "Ganharás o pão com o suor do teu rosto." o que o leva questionar sobre o porque daquele que sua não ter pão ou morrer de fome enquanto aquele que não sua banquetear-se fartamente... Estará isto de acordo com a tal ordem divina???

Se colocarmos a pergunta nestes termos: Estará isto de acordo com a ordem natural? ou ainda Estará isto de acordo com a Ética? Não mudamos muita coisa...

De modo que tal pergunta ocorre muito facilmente aos estudiosos no campo das ciências humanas.

Há no entanto um outro fator decisivo que empurra os professores de humanidades a uma solução socialista.

Em geral os professores são pessoas muito inteligentes, as quais por algum motivo - quase sempre de ordem econômica - não puderam tornar-se bacharéis no ramo em que licenciaram-se ou seja advogados, beletristas, psicólogos, sociólogos, historiadores, etc Tornamos mais uma vez a questão das elites que são circulam ou dos homens capazes que não ascendem socialmente.

O máximo que tais pessoas conseguem é se tornar professores ou funcionários públicos, quiçá inserindo-se na ordem mais baixa da classe média.

Um professor, especialmente se funcionário público não ascenderá aos píncaros da classe média e menos ainda comporá com as elites dirigentes.

Em geral as pessoas mal informadas, medíocres, sofridas, faltas de inteligência, alienadas, etc conformam-se com o que tem. Pelo simples fato de que suas necessidades pessoais são básicas ou porque ignoram quais as condições de vida das elites. cf Max Nordau 'Mentiras convencionais de nossa civilização'
O funcionário público, em geral o professor, não só é melhor informado sobre o regime de vida das elites, como ciente de seus méritos e possibilidades. Tornando-se consciente de que não ascende ou de que não vai mais longe porque é barrado e barrado justamente por um sistema que alega hipocritamente franquear-lhe todas as possibilidades. Mas ele sabe que esta fadado a ser professorzinho de aldeia, jamais medico da corte ou advogado de renome...

Como qualquer pessoa este professor ou funcionário público tem sua família e despesas. Foge a penúria, satisfaz suas necessidades básicas definidas como alimentação, roupa, educação dos filhos, etc num termo médio de insumos. Mas certamente não lhe resta nada ou quase nada. Para viver ou manter-se gasta tudo quanto ganha, quando, por ocasião de uma crise não se endivida e passa por apuros.

E no entanto este tipo de homem, intelectualizado, não vê porque deva passar por apuros e vexames ocasionais sendo bem mais sensível a eles do que qualquer outro homem. Inimaginável a posição de um pequeno funcionário público, professor de aldeia ou intelectual de periferia, que esteja prestes a perder sua única casa... Há quem aceite o fato e vá para o cortiço ou para debaixo da ponte debulhado em lágrimas. Quanto a este homem, simples ameaça ou perigo remoto de passar por semelhante situação é capaz de leva-lo ao paroxismo, a instabilidade ou insegurança econômica inerente ao sistema capitalista incomoda-o instintivamente.

E no entanto este professor de aldeia ou pequeno funcionário público aspira ler Ovídeo ou Italo Calvino (cultura tem custo), ir ao Teatro, frequentar assiduamente o cinema, bebericar um Benedictine ou Hanessy, adquirir lá uma tela ou antiguidade, etc Tem necessidades estéticas ou culturais que não são experimentadas por outras categorias da sociedade. Aspira, inda que moderadamente, ter acesso aos mesmos prazeres que a elite econômica cuja mediocridade costuma perceber. Destarte saber que eles podem provar patê de figado de ganso ou assistir a Antígona, enquanto ele não pode, exaspera-o. cf Nordau.
O Intelectual ou homem capacitado que não atinge seu fim por saber-se limitado arbitrariamente já pelas oportunidades iniciais impostas arbitrariamente pelo sistema, torna-se frustrado, revoltado, exasperado... E naturalmente abraçará a uma proposta qualquer que acene com o velho ideal da justiça: A cada um o que lhe pertence.

Aspirará no mínimo por chances ou oportunidades iguais para as crianças e jovens (seus filhos e netos) ou por uma igualdade absolutamente necessária no começo da corrida.

Os professores via de regra são intelectuais e enquanto tais mais sensíveis a qualquer grau de injustiça, miséria, privação ou necessidade, e este aspecto psicológico tenderá, em caso de que a circulação das elites seja estancada - o que o capitalismo não cessa de fazer - a lançar todos estes homens e mulheres descontentes nos braços do Socialismo. Quanto aos princípios e valores já estão embutidos e dispersos por toda cultura latina e brasílica.




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