Gabriel Tarde, francês de nascimento e homem da lei tornou-se pivô de uma das maiores polêmicas já travadas no campo da Sociologia, a qual estendeu-se por quase duas décadas.
Afinal seu contraditor outro não era senão o famoso Emile Dhurkheim 'herdeiro' de Comte e criador da corrente sociológica positivista.
Dhurkheim como é, em geral, sabido de todos, buscou identificar uma categoria de fenômenos 'sui generis' a que deu o nome de 'fatos sociais', tal, segundo cria, o objeto da Sociologia. O fato social é algo por assim dizer coercítivel, externo ao indivíduo, genérico além de objetificável ou coisificável.
Destarte o fato social nos termos de Dhurkheim parece equivaler as estruturas apontadas por Marx e Weber bem como as instituições investigadas por Le Play, tudo isto em termos de macro sociologia ou de elações existentes entre as diversas estruturas e instituições sociais.
Tarde parece ter feito o caminho oposto e buscado compreender a trama de relações existentes no interior das instituições, situações, condições e conjunturas sociais. Destacando-se como pioneiro no campo da micro sociologia.
De suas investigações resultou um livro, sob diversos aspectos interessante e intitulado 'As leis da imitação.'. O próprio título nos dá a entender que parte considerável da Sociedade ao invés de proceder criticamente, procede por via de imitação, assimilando não apenas o comportamento mas inclusive as opiniões alheias e isto quase que mecanicamente.
Que o fenômeno da imitação esteja relacionado com certos hábitos pessoais, especialmente no que diz respeito as massas ou multidões cheira inclusive a obviedade.
O cerne da controvérsia aqui não era a imitação em si mesma.
A qual, com relação ao desenvolvimento e educação da criança seria exaustivamente investigada por Wallon, Piaget e Inhelder dentre outros. De fato a imitação parece corresponder a um mecanismo originalmente psicológico. Presente inclusive nos animais superiores ou grandes mamíferos, os quais não aprendem doutro modo.
Ora, se havia algo que Durkheim e os positivistas não podiam admitir em hipótese alguma era a simples possibilidade de um mecanismo de natureza Psicológicas pudesse ser sociologicamente relevante. Os positivistas grosso modo, tomaram o mesmo caminho devassado pelos cientistas políticos e economistas clássicos, os quais negavam pertinazmente a influência da economia na política e a influência da política na economia, apresentando ambos os campos como estanques, isolados e impermeáveis e logo, falseando a realidade vivida.
A Sociologia nasceu com este vezo anti Psicológico enquanto a Psicologia teve de ser mais realista e compreensiva - ao menos até o surgimento do credo behaviorista - do que resultou o surgimento da Psicologia social.
Enquanto a Sociologia busca compreender o funcionamento dos diversos contextos sociais, a Psicologia Social interessa-se apenas pelo indivíduo ou melhor pelas reações experimentadas pelos indivíduos num determinado contexto social. Naturalmente que as relações por serem individuais não excluem certo nível de uniformidade, desde que este nível de uniformidade não corresponda a qualquer vínculo social entre os indivíduos que experimentam reações similares, o que nos remeteria necessariamente a Sociologia. Portanto a gênese causativa das reações ou manifestações, inda que análogas, teria sua raiz na mente do indivíduo e não em um elemento social qualquer.
Tornando agora aos positivistas e sua ideia de sistema fechado ou isolado - e, no caso da Sociologia, em oposição, por assim dizer, a Psicologia ou ao fator humano propriamente dito - devemos compreender que impossibilitou a criação de algo correspondente a Psicologia social no âmbito da Sociologia, digo de uma Sociologia pessoal ou individual, cujo escopo seria compreender até que ponto e de que forma a pessoa humana interage com as instituições sociais, fugindo ao clássico determinismo e possibilitando a transformação.
Enquanto fenômeno produzido por seres humanos é evidente que o contato social ou a própria tecitura social não pode nem deve ser compreendida como algo totalmente separado do humano, mas certamente como algo permeável a ação humana, ao menos em certo grau e sempre na perspectiva da interação. Sociedade como algo a parte do homem ou como mecanismo que funciona por si mesmo equivale a pura abstração metafísica. Foi o que Tarde respondeu a Durkheim após ser classificado por aquele como Psicólogo social e não como sociólogo, pelo simples fato de ter questionado o sistema autônomo e determinista elaborado pelos positivistas.
Por trás de toda esta polêmica estão em jogo as relações entre a Psicologia e a Sociologia bem como suas fronteiras. Que há de social no humano e que há de humano no social? A primeira pergunta ainda exaspera alguns psicólogos da cepa freudiana, apenar das contribuições de Horney. A segunda exaspera todo sociologista matriculado na escola de Durkheim para quem cada contexto social, senão a sociedade propriamente dita funcionava como um relógio.
Claro que as massas humanas, como os povos primitivos, a semelhança das crianças fazem largo uso da imitação, a qual como já dissemos corresponde a um mecanismo psicológico. Mesmo entre as pessoas educadas a imitação ser faz presente em determinado grau, e a moda é prova irretorquível. E no entanto as massas e multidões entram no mecanismo das Revoluções, o qual é precipuamente social, enquanto a moda além de ser economicamente fecunda, possui certa relevância social. Assim a atuação das massas e multidões, que são agregados humanos, no contexto social e político equivale a fenômeno puramente psicológico ou a um tempo psicológico e a outro social? Assim o papel da moda na Sociedade, por via da imitação, não deveria ser compreendido como um fenômeno Psicológico ativo na esfera das instituições ou mesmo das estruturas sociais? Em que medida uma uniformidade psicológica poderia assumir ao mesmo tempo uma função social? Em que medida a ação humana ou pessoal poderia ser igualmente social?
Tais as questões suscitadas pelas teses de Tarde em torno da relevância social das leis da Imitação e quiçá a razão porque sua obra permaneceu esquecida durante mais de meio século devido a resistência dos positivistas no sentido de considerar qualquer injunção humana na máquina ou no reloginho social idealizado por eles. Resta-nos dizer que admitida a tese de Durkheim - e por ext a de Marx - segundo a qual é o homem determinado pela sociedade ou pela cultura - cuja coerção é invencível - não vemos porque modo possa a própria sociedade ou a própria cultura transforma-se a menos que atribuamos a esta sociedade um aparato racional e livre responsável pela criação. O que nos levaria a dizer que a sociedade move-se por si mesma, que possui intencionalidade, que se cria, recria, etc Em sua que é uma espécie de organismo vivo e humano. Quando sendo puramente material e mecânica deveria ser estática. E no entanto 'si muove'... Por si mesma???
O único modo porque podemos fugir a aberração de conceber a Sociedade como um organismo autônomo, admitir que se transforma e compreender porque modo se transforma é admitir que em certas circunstâncias alguns homens por assim dizer 'geniais' - sempre em sintonia com o processo histórico e dentro de certas medidas - conseguem sobrepor-se a força coercitiva do hábito ou da cultura e transformar a própria cultura e algum aspecto da Sociedade. Claro que as ideias ou propostas desses homens devem ser assumidas por uma aristocracia ou por um povo. Cumulativamente essas pequenas transforações vão alterando os diversos contextos sociais, e conferindo a Sociedade um aspecto mais ou menos dinâmico e não fixo.
Resta declarar que todo movimento produzido por impulso interno remete-nos a vida. Move-se a sociedade porque viva, porque humana, porque permeável a ação consciente do homem e não por si mesma como algo a parte da intencionalidade humana, ou seja, magicamente. De fato os seres vivos movem-se e evoluem porque vivos. Assim a Sociedade evolui enquanto sociedade dos homens e não enquanto ente abstrato a parte do homem.
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