A Revolução, declarou K Marx, teria de acontecer primeiramente na Inglaterra ou na Alemanha as duas nações mais industrializadas da Europa, com o maior número de proletários e consequente uma situação de conflito social mais generalizada. Em Marx e Engels a dinâmica social bem podia ser prevista nos termos suficientemente seguros de uma equação e segundo as exigências do cientificismo positivista.
Capitalismo / Burguesia X proletariado = Revolução.
Tipo E = MC2
Na realidade dada todavia a Revolução aconteceu na Rússia csarista e numa China recém saída do absolutismo monárquico.
A bem da verdade a URSS de Stalin recusou-se a ajudar Mao e seus revolucionários tal e qual o PC cubano recusou-se a apoiar os rebeldes capitaneados por Che e Fidel. Mas por que???
Houve quem pensasse em pura e simples maldade.
No entanto se compreendermos bem o porque destas duas recusas, teremos compreendido o fenômeno a que parte dos comunistas 'revoltados' chama revisionismo e a razão mais íntima porque tais Revoluções desandaram num exótico ou até monstruoso termidor, e isto a ponto de expor os postulados marxistas a mais ácida crítica por parte dos conservadores.
O que esta em jogo aqui é bem simples e ficara suficientemente claro ao fim deste artigo. Implica saber quem errou se Marx e Engels ou Lênin e Mao, pois certamente alguém errou e por incrível que pareça, aqui, as costas de Lênin e Mao são mais largas. Geralmente quem tem levado paulada dos burgueses são Marx e Engels apresentados como falsos profetas, arrivistas, sonhadores, ingênuos, etc e tais pauladas não tem deixado de repercutir em algumas consciências marxistas... Apesar disto para muitos, tem se tornado mais fácil lançar o comunismo 'in totum' as urtigas do que conceber a simples sugestão de que Lênin ou Mao se tivessem equivocado.
Nem preciso dizer que nestas linhas buscarei ser fiel a ótica do 'marxismo ortodoxo' até demonstrar que o que classificam como revisionismo, tomando certo ponto de partida, é desenvolvimento lógico ou escolástico da pura doutrina comunista.
O ponto de partida esta errado ou a teoria.
Tornemos ao PC cubano e ao PC soviético, por que tanto um quanto outro recusaram-se a apoiar seus correligionários no momento mesmo em que buscavam fazer a Revolução?
Tanto o PC cubano, quanto o PC soviético sabiam e muito bem que tanto Cuba quanto China eram sociedades tradicionais, atrasadas ou agrárias, isto é, reguladas por uma dinâmica essencialmente campesina. Mas a que vem isso pergunta o amigo leitor?
Acontece que Marx e Engels não admitem, em hipótese alguma, que o camponês seja capaz de operar sua própria salvação ou de redimir-se. Para eles o camponês sempre será tacanho, enfim, o conservador poe excelência. Pois as relações de produção existentes no campo determina esta forma de consciência e esta determinação é por si só insuperável.
Apenas ao proletariado, classe a um tempo produzida no contexto capitalista e a um tempo privilegiada, é capaz de receber a consciência Revolucionária - dada pela organização educativa ou formativa do partido - e consequentemente de operar a sua redenção e a de todas as demais classes ou grupos sociais, na medida em que concretiza a meta da Revolução.
Para Marx e Engels a simples sugestão de uma Revolução comunista num contexto agrário ou campesino seria aberrante. Não podiam sequer concebe-la, exceto se bêbados em meio a sonoras gargalhadas. Não a revolução tinha de ser apanágio de uma classe especial ou predestinada pela natureza, assim o proletariado. O qual inexiste sem uma realidade capitalista, já avançada, que o preceda.
O leitor sagaz certamente já percorreu todo o caminho mentalmente e tirou as necessárias conclusões... I é ao supremo absurdo.
O quanto podemos dizer é que os dois PCs acima citados limitaram-se a companhar os raciocínios de seus mentores intelectuais. Não havia aqui malignidade ou má fé alguma, mas total e absoluta boa fé. Certamente elemento algum pertencentes aos quadros destes partidos levou a sério tais conspirações...
E no entanto...
Como Lênin fora bem sucedido na santa Rússia majoritariamente campesina, Mao fora bem sucedido na China esmagando os nacionalistas apoiados pelos EUA e Fidel igualmente bem sucedido em sua Cruzada 'martiniana' contra o ditador Fulgêncio Batista.
Derrubar o antigo regime todos haviam conseguido. Todavia vender uma guerra ou ser bem sucedido numa sedição não pode nem deve ser encarado como equivalente a uma Revolução comunista. Assim após o êxito, o triunfo ou a conquista do poder cabia a cada um destes líderes - Lênin, Mao e Fidel - o desafio de iniciar a Revolução lançando as bases da futura sociedade comunista em três contextos ou sociedades tipicamente agrárias.
Acompanhemos o brevemente o desenrolar dos fatos tanto na Rússia quanto na China pelo simples fato de que Cuba, devido a sua posição geográfica e contexto político, constitui um elemento totalmente a parte ou sui generis. Na Ilha da emenda Platt Marx e Engels jamais reinaram sozinhos, tendo de dividir a coroa com José Marti... E sob a pressão de um bloqueio tirânico.
Quanto ao trajeto do Comunismo russo na ladeira do 'Termidor' podemos apontar diversos degraus estruturais: A restrição da autonomia dos comitês de fábricas já em 1918 (!!!). A NEP. A perda do sentido continuo da Revolução, a absorção no nacionalismo já no finalzinho dos anos 30, etc
Ao cabo de todos estes percalços ou da entrada do comunismo russo na 'via dolorosa', houve, especialmente a partir de Stalin, um aprofundamento constante em torno do tema Revolução - Cultura acompanhado por um resgate do conceito original de partido (corrente em Marx e Engels) enquanto órgão educativo/formativo, e por todo um esforço concreto neste sentido... Apesar disto os camponeses... E a própria religião ancestral mantinha-se vigorosa. A tentativa, ainda que tímida, de uma Revolução cultural, ao menos no período previsto pelos bolchevistas, não fora bem sucedida. Encetado o caminho da força bruta os camponeses foram transferidos de um lado para o outro, decorrendo daí a fome e uma mortandade colossal... A cultura no entanto parecia ligada ao próprio ambiente enquanto um fator invencível.
Outro não foi o caminho da China. Naquela antiquíssima Civilização Oriental a percepção quanto a necessidade de uma Revolução cultural foi bem mais acurada e seu consequente empenho mais consistente do que o dos russos. Foi na China que a expressão 'Revolução cultural' enquanto alteração significativa dos padrões de consciência cultural por meio da educação adquiriu sua acepção clássica. Os comunistas chineses tinham além disso - a seu favor - certos hábitos arraigados em torno da disciplina e incontaminados face as ideologias democráticas do Ocidente, bem como uma máquina administrativa que remontava a aurora dos tempos. E no entanto apesar de todo esta aparato, os camponeses e as sociedades tradicionais...
Da mesma forma que na URSS a exasperação dos líderes comunistas tomou a forma de agressões, deportações e, consequentemente do fracasso em termos de produção alimentícia e da fome, com o saldo de milhões e milhões de mortos.
Nos dois casos a incompreensão em termos de cultura após o fracasso de duas tentativas em termos de Revolução cultural, redundou em medidas drásticas, numa crise e numa hecatombe humana.
Os comunistas no entanto, que são pessoas persistentes, aceitaram o desafio de ir aos escritos 'canônicos' de Marx e Engels ou a seus Evangelhos com o objetivo de extrair as devidas respostas a respeito de tão estrondoso fracasso. Por que raios era a cultura tradicional tão arraigada entre os camponeses???
Acredito eu que a resposta foi encontrada muito facilmente: Não são as formas de consciência que determinam as formas de produção mas a forma de produção que determina a consciência, digo a cultura. De maneira que o modo de produção agrário tem, necessariamente de produzir determinado tipo de cultura. Este padrão é por assim dizer fixo e não podemos altera-lo a menos que alteremos radicalmente o modo de produção. Interagir com a própria cultura é clamoroso absurdo, faz-se mister ir as fontes e por assim dizer eliminar um determinado modo de produção tendo em vista a eliminação de determinada cultura.
Penso que a relação acima tenha sido estabelecida com relativa clareza.
Tanto a geração soviética de Krusckev quanto a geração chinesa de Xiaoping, mesmo sem árvore de bô ou pipal deram com o Nirvana marxista: Tudo quando houve ali, em 1917 e 1953 pode ser definido como um adiantar da História, como um salto ou uma queima de fases. A alguém - não se sabe a quem nem porque - ocorreu a ideia absurda de construir uma sociedade comunista a partir de uma sociedade agrária, tradicional ou campesina... O que de modo algum é possível. Pois o campesino jaz fatalmente preso a uma visão de mundo tacanha e sua condição, dada pela produção, é insuperável.
Impõem-se agora, bastante claramente, a ideia mestra segundo a qual o capitalismo ou liberalismo econômico é que faz a mediação necessária entre os modelos sociais ante capitalistas e o modelo comunista. Existe uma sequência exata e matemática na História da produção e da cultura: .... > Capitalismo > Comunismo.
É em certo sentido, o Comunismo efeito do capitalismo e algo gerado por suas contradições internas - ainda que trabalhadas culturalmente pelos membros do partido, i é os novos apóstolos. Assim sendo não pode haver Comunismo sem Capitalismo que o preceda. Alias para as sociedades e culturas ancestrais o liberalismo econômico é o caminho da libertação e do paraíso... E um caminho 'sine qua nom'.
Vou tentar ser mais didático ainda - A princípio o capitalismo estabelece um novo modelo ou paradigma em termos de produção. O qual pode ser definido em termos hierárquicos de Burguesia/elite e proletariado. (A relação existente entre ambos é o oferecimento da força em troca do salário). Na medida em que o princípio da 'mais valia' vai sendo rigorosamente aplicado, cria-se um abismo social entre ambas as classes, o qual jamais cessa de ampliar-se. A um lado teremos um número cada vez menor de pessoas em posse de um montante cada vez maior de bens - é o 'Progresso' de Henry George - e a outro um número cada vez maior de pessoas em posse de um montante cada vez menor de bens - é a 'Miséria' de Henry George. E essa condição aumenta progressivamente até o conflito social, o qual sendo bem trabalhado pela máquina ideológica do partido, dará início a Revolução e a aurora dos tempos messiânicos...
Não é por coincidência que todos conhecemos o tipo comunista do 'quanto pior melhor'. O qual via de regra denuncia implacavelmente todo e qualquer esforço institucional no sentido de realizar reformar e aliviar a pressão exercida pelo capitalismo contra os trabalhadores como contraproducente ou até danoso. Segundo dizem na mesma medida em que limitamos ou contemos o capitalismo por meio de reformas políticas, mante-mo-lo. Conservando vivo um corpo agonizante... Neste caso que fazer??? Abandonar, decididamente o cenário da política institucional e opor-se a qualquer reforma tendo em vista a afirmação decidida do capitalismo e o agravamento daquelas tensões sociais que 'despertando' o povo, leva-lo-iam a lutar e a implementar a Revolução.
Noutras palavras: O Capitalismo deve ser deixado em paz ou mantido segundo sua vontade com o objetivo de incomodar e exasperar o povo. A miséria, a dor, o desengano, etc são os melhores promotores da tão sonhada Revolução...
Outra não é a tese dos escolásticos classificados como revisionistas e que ao menos economicamente dada teem de revisionistas.
E é aqui exatamente que o parafuso faz a volta e chegamos ao reino do absurdo.
Pois segundo dizem seriamente estes senhores a tarefa dos partidos Soviético e Chinês pode ser definida como a implantação de um Mercado nacional nos moldes do Capitalismo...
Como é que é???
Isso mesmo. A tarefa do Partido Comunista, que imaginamos como o inimigo número um do Capitalismo, consiste em substituir a realidade agrária ou campesina por uma realidade urbana e em termos capitalistas de produção...
De modo que o Capitalismo faça seu curso, entre em colapso, desintegre-se e dê lugar a Revolução.
Impôr um modelo de produção Capitalistas a todas as sociedades agrárias, atrasadas e campesinas, tal a vocação ou melhor a missão dos partidos comunistas da URSS e da China...
Desde então abraçaram o modelo a que tanto criticavam, e parecem ter gostado.
Em suma, estarrecido leitor, o P C deve criar as condições necessárias ao êxito e ao desenvolvimento do Capitalismo 'nacional' ou restrito, de modo a assegurar a futura passagem para o comunismo...
Compreenderam porque a porca lavada tornou ao vomito após ter vertido tanto sangue inutilmente?
É que os Lênines, Maos e Chês, mocinhos precipitados e afoitos, adiantaram-se ao processo histórico normal ou linear, queimando uma fase indispensável e acreditando ser possível atingir o paraíso do comunismo sem passar pelo purgatório do capitalismo... Tio Marx não conhece essa de 'Todos os caminhos levam a Roma.' Paraíso tem roteiro ou mapa e o capitalismo faz parte dele.
A Revolução e o partido, etc deveriam vir depois, mas acabaram vindo antes. Transtornando o universo equilibrado, exato e matemático de Marx.
Desde então deve deus (o PC) servir ao docilmente ao capeta (o capitalismo)...
Importante ressaltar que aqui nada foi feito por pessoas levianas e alheias a doutrina determinista dos dois barbudinhos alemães, a qual foi acompanhada e desenvolvida com um furor escolástico.
Por outro lado tanto a Alemanha, quanto as terras da majestade britânica e - o que é pior - o já maduro e envelhido centro mundial do capitalismo, i é os EUA, continuam ai sem Revolução ou mesmo sinal de Revolução, apenas das contradições, da miséria, da injustiça, da opressão, etc
E qual a razão disto?
Talvez Marx não tenha compreendido o poder e as fontes da cultura nos termos de um Butterfield ou de um Ch Dawson e assim ignorado a existência de qualquer realidade tão forte, socialmente falando, quanto a produção econômica. Talvez o seu materialismo dialético não seja tão realista quando parece a muitos. Talvez a ideia de uma evolução linear em termos sócio/culturais não corresponda aos fatos... Pois a menos que Lênin e Mao tenham feito uma imensa cagada, tudo na teoria de Marx parece encaminhar-nos a monstruosidade lógica segundo a qual os Partidos Comunistas da Rússia e da China deveriam ter mesmo tomado o caminho que tomaram e passado a fazer causa comum com a burguesia e o Capitalismo...
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