quarta-feira, 26 de abril de 2017

Os primórdios do islamismo - JEAN PATRICK GRUMBERG

Texto de Jean Patrick Grumberg - Site www.dreuz.info 24/08/2014 - Traduzido do Francês pelo profo Domingos Pardal Braz articulista deste Blog

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Os primórdios da história do Islã apresentam aparentemente dificuldades insuperáveis ​​pois são em grande parte resultado do que podemos classificar como 'história oficial' elaborada, com intuitos propagandístico e proselitista a partir dos nono e décimo séculos d C pelos califas abássidas.

Este, tendo tomado posse do imenso império legado pelos Umayas, aspiravam sobretudo manter a coesão interna.

E havia uma forte razão para isto. Os milhões de seres humanos que se achavam sob seu poder não eram todos muçulmanos, mas judeus, zoroastrianos e em grande parte Cristãos. E, ao contrário do Islã tais credos achavam-se intimamente relacionados com as civilizações do passado e a cultura antiga, levando grande vantagem intelectual. Apesar de terem sido subjugados a força pelo conquistador árabe, os vencidos não estavam disposto a abrir mão de suas identidades, podiam inclusive debater com os vencedores e demonstrar a natureza primitiva e grosseira do islã.


O FIASCO MUTAZALITA 
O vencido, mesmo sem saber, quase conquistou seus conquistadores, pois a corrente da Mutazila, por muito pouco não mudou o curso da História. Professando a ideia de um Corão criado e não eterno ou imutável como o próprio Deus, alguns intelectuais muçulmanos acabaram se deixando conquistar pela Filosofia Clássica.

As obras de Platão e Aristóteles induziram alguns deles a introduzir os conceitos de racionalidade e livre arbítrio na nova fé. Evidentemente que a Mutazila não teria se afirmado não fosse a imensa miséria doutrinal e intelectual do islã a par da forte influência Cristã. Para quem estava na posse do poder era evidente que a fé islâmica estava em desvantagem, recuando-se e abandonando a arena das ideias. 
(Ao menos em algum momento houve real ameaça de helenização por via do Cristianismo, em especial do aramaico - Siríaco e Assírio; e depois pelo Bizantino) O parentético é nosso!
Da mesma forma como o vácuo antes existente foi preenchido pelo corpo das leis islâmicas ou sharia, havia a real necessidade de preencher do mesmo modo o vácuo doutrinal ou teológico e a própria estabilidade o Império o exigia. Os mutazilitas puseram-se a elencar argumentos favoráveis a tese de um Corão criado e portanto contingente e sujeito a sucessivas readaptações. Eles estavam cônscios sobre a existência de diversas versões contraditórias do Corão e estavam dispostos a discutir honestamente com seus rivais judeus e Cristãos.
Assumiram a fragilidade dos textos sagrados e demonstrando coragem e honestidade intelectual optaram por ir além da letra do livro permitindo que a razão humana fixasse um sentido melhor. No entanto este movimento de vanguarda, suscitando o pensamento crítico, não pode deixar de suscitar discussões e tumultos; o que o poder político estabelecido menos queria. O pretexto para a reação surgiu após um califa mutazila mais fervoroso ter recorrido a força para reprimir os mais arabizantes e tradicionais.

Posteriormente, quando os tradicionais, favorecidos pelo clero, retomaram o poder a perseguição religiosa estourou violenta. Sob a inspiração dos imames
Achari e Gazali a mutazila foi simplesmente exterminada ao cabo de um século, e nem mesmo as ideias dos mutazilitas sobreviveram a eles. 

A crítica dos cristãos

E
sta controvérsia principiou no século VIII, cem anos após a morte de Maomé. Até então, os numerosos manuscritos cristãos que descreviam a religião dos conquistadores referem parcamente a qualquer texto sagrado. O Islam em seus primórdios não estava fundamentado em escrituras ou exegese e o conteúdo da fé não está definido.  E ele não passava duma forma sincrética em que entravam elementos do paganismo árabe, tradições talmúdicas e alguns elementos de doutrina Cristã.
Abd el Massih al Kinda (Banu Kinda) é um dos primeiros polemistas Cristãos. Floresceu pelos idos de 820 e focou sua crítica no texto do Corão alegando ter sido ele criado. Eis o que ele declarou: Após a morte de Maomé, as lutas entre Abu Bakre e Ali levou este último a vindicar seu direito a sucessão. Um dos meios que ele encontrou - Para adquirir legitimidade - foi mandar escrever os fragmentos dos oráculos ou palavras de Maomé num códice. Isto serviu de pretexto para que os demais membros da Shahaba i é os companheiros do profeta, compusessem também eles diferentes versões do Corão, a ponto de surgirem tantos corões quanto cabeças. 
Diante disto Ali angustiado, voltou-se para seu predecessor Otman rogando que pusesse fim aquele indecoroso estado de coisas. Eis a decisão de Otman: Decretou que todos aqueles códices e versões fossem levados até ele e mandou queimar todos, inclusive o de Ali  conservando apenas quatro, cujo texto canonizou. No entanto como ainda circulassem diversas cópias em versões em Madaim, Hajjaj ibn Yousuf, que era válido sanguinário, sentindo-se turbado diante de tantas controvérsias e discussões, mandou reunir todas as cópias restantes e queimar tudo. Não sem antes ter tomado as parecidas, canonizadas por Otman, e alterado diversas passagens e corrigido o texto, produzindo uma versão autorizada em seis cópias.

Diante de tais condições como demonstrar materialmente a diferença entre o conteúdo original e as versões dadas a luz posteriormente? Como rastrear um conteúdo original que foi suprimido? Como estabelecer uma crítica do livro?
(Sendo assim falar em Unidade do Corão é muito fácil não?) Parentéticos nossos!
No entanto a crítica de Al Kinda não parou por aiO conteúdo do Corão não foi poupado e o califa Mutazila Al Mamun teve de engolir da parte dele as seguintes palavras:

"Tudo quanto disse sobre o Corão são fatos e as evidências são de teu conhecimento. Para tanto demonstramos que o texto desse livro é desorganizado, confuso e incoerente. As diversas passagens são contraditórias e sem qualquer sentido. Como, sem trair sua ignorância, podes apresenta-lo como mensagem revelada e divina semelhante as de Moisés e Jesus? Certamente qualquer pessoa com um pouquinho de bom senso haverá de tirar tais conclusões a menos que ignore os rudimentos da História e da Filosofia. Eis porque não abandonamos nossa fé e não nos deixamos mover por tão falaciosos argumentos." 
Passados quase dois séculos a crítica de Al Kinda não envelheceu nem perdeu seu valor. 


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