terça-feira, 18 de abril de 2017

Henry Thomas Buckle e a Civilização espanhola I

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Em termos de concepção ou doutrina Histórica há basicamente dois tipos de determinismos materialistas:


  •  O determinismo geográfico ou espacial formulado por Friedrich Ratzel, o qual incidindo sobre o caráter humano produz tipos psicológicos específicos.
  • O determinismo economicista formulado por K Marx, na dependência do citado Ratzel e que acentua a produção e circulação de bens e valores enquanto fator produtor de cultura e a cultura como fator determinante das ações humanas.
H Taine, L Metchnnicoff T H Buckle e Huntington, dentre outros, foram partidários da primeira forma, a qual acrescentaram suas contribuições específicas. H Taine, A Comte, E Durkheim insistiram especialmente sobre a determinação exercida sobre o meio social, através da cultura, sobre os indivíduos. Plasmando seus tipos e determinando suas ações.

Ratzel, Metchinnicoff, Buckle, Huntington insistiram mais sobre a dependência da estrutura social e da formação da cultura quanto aos elementos geográficos da hidrografia, vegetação, relevo e clima. Os quais inegavelmente podem servir como obstáculos intransponíveis não só quando a formação e evolução das Sociedades, mas inclusive a manutenção da própria vida. Enquanto fatores precipuamente negativos, os elementos geográficos não deixam de ser considerados pelo possibilismo ( Vidal de La Blache) o qual no entanto, aos fatores e condições positivas, adicionam o fenômeno ou fator humano como elemento a parte, produzindo um esquema de sinergia ou parceria.

A tese de Buckle faz é monocausal, fazendo o fenômeno ou fator humano depender do espacial ou geográfica.

Por considerar, no mínimo interessante, a análise deste teórico, sobre a gênese e a decadência do Império espanhola, resolvi expô-la criticamente, como que dialogando com o autor e dizendo porque não concordo com ele a respeito deste ou daquele aspecto.

A fonte de Buckle a respeito da formação da Sociedade espanhola - Numa dimensão nacional a partir do século XV - encontra-se na História da civilização na Inglaterra, que é sua obra prima, e um clássico da historiografia de par com as obras de Gibbon, Hallam, Thierry, Jubainville, Coulanges, Breasted, Glotz, Spengler, V G Childe, Huizinga, Toynbee, Pirenne, Bloch, Ganschoff, Jarreth, Hanotaux, Febvre, Le Goff, Braudel, Duby, Delumeau, Chaunu, Todorov, etc

Principia Buckle sua abordagem salientando a pobreza do solo espanhol, em parte semi árido. E relacionando a precariedade e as incertezas com cultivo com um padrão de pensamento mágico fetichista. Segundo este autor a instabilidade do meio é que determina a mentalidade mágico fetichista de um povo. Logo em seguida relaciona o estado de miserabilidade intelectual dos visigóticos refugiados nas Astúrias e na Cantábria com o estado montanhoso do pais.

A tese nada tem de nova.

Cerca de século e meio antes dele, Montesquieu emitiu a hipótese segundo a qual os povos agrícolas das regiões baixas e férteis seriam pacíficos enquanto que os povos pastoris das montanhas seriam belicosos e cruéis. O exemplo mais citado nos livros de História é o dos sumérios/babilônicos, da baixa Mesopotâmia; e os assírios, do Norte, região montanhosa.

A explicação parece remontar a Ibn Khaldum que na Mukadima relacionou os povos das planícies aluvionais, a própria vida urbana e a civilização com a moleza e as regiões desertas com a coragem, a valentia e belicosidade. O que nos faria compreender porque o árabe é o que é...

Semelhante ponto de vista me parece discutível pelo simples fato de que a relação nem sempre produz os mesmos resultados.

Assim:

# Os povos germânicos procedendo de uma região tão fértil quanto a 'Alemanha' e dados ao cultivo da terra nada tinham de dóceis ou mansos.

# Os belicosos romanos procedem do lácio, região relativamente plana, situada entre a Emília romana, a Toscana (ao Norte) e a Campânia (ao Sul) ou seja entre as regiões mais férteis da Itália e as quais nada fica a dever. E mesmo apesar do relevo plano e da fertilidade os romanos conquistaram não apenas toda planície mas toda Europa Ocidental por meio da espada.

# Os helvécios ou Suíços acantonados em seus alpes, converteram-se no decorrer da Idade Média, numa das Sociedades mais pacíficas e brandas da Europa.

# Sabinos, Marsos, Volscos, Samnitas e Equos apesar de constituírem populações montanhosas (habitavam nos Apeninos) foram submetidos pelos latinos da planície.

# Ilírios e Dácios, habitantes dos Cárpatos eram povos relativamente pacíficos, a ponto de terem sido incorporados pelo Império romano.

Por outro lado se nos parece evidente que povos insubmissos tendam a buscar refúgio nas montanhas. A relação neste caso seria inversa.

Não se trata aqui de negar a influência exercida pelo meio sobre determinado povo e mas de contestar que o único fator a ser considerado sela ele, atribuindo-lhe um caráter mágico. Em que pese a influência do meio, os povos tem algo seu como queria o já citado Vidal de La Blache. Assim faltando gênio ou iniciativa a determinado povo, o meio por si só nada produz. A civilização consiste numa interação entre o meio e seus ocupantes.

Por si só as montanhas ou o solo árido da Península ibérica nada explicam.

Alguém dúvida?

Considere então o mapa da Península Itálica, que é tão ou mais montanhosa do que a Espanha - Assim a Península balcânica - e a região da Europa que comporta o maior número de vulcões além de ser a mais susceptível de ser flagelada por terremotos.

Ponto pacífico.

Por outro lado fenômeno algum impressionou e impressiona mais a mentalidade do homem primitivo do que o vulcanismo (Erupções) seguindo pelos terremotos e consequentemente, maremotos. A ponto de tais populações recorrerem amiúde a sacrifícios humanos com o objetivo de aplacar ou conter as forças da natureza, sempre associadas aos deuses ou espíritos.

E no entanto esta Itália não só jamais viu florescer em suas sociedades algo semelhante a Inquisição espanhola, como durante os séculos XIV, XV, XVI e XVII esteve a frente do movimento Renascentista. E contando com cidadãos da envergadura de um Petrarca, de um Boccacio, de um Ficcino, de um Maquiavel, de um Da Vinci, de um Acquapendente, de um Galileu, de um Torricelli, de um Malpighi, etc, etc, etc

Querer explicar o misticismo, a religiosidade ou mesmo o fanatismo dos espanhóis por meio das montanhas ou da orologia, é deixa-lo sem qualquer explicação, uma vez que tais fenômenos deveriam ter prevalecido com muito mais razão na Itália, região em que as erupções e terremotos levavam as populações ao paroxismo...

Precisamos portanto buscar outros elementos para explicar o misticismo ou o fanatismo espanhol no plano da cultura.

Entrou aqui a engenho dos reis ou o oportunismo político?

É coisa que não se pode negar, pois já se disse várias vezes e insistentemente, que na Espanha, a Inquisição converteu-se muito rapidamente em repartição de estado com propósitos discricionários. Enfim como modo de tirar proveito político da religiosidade de um povo. Não se trata aqui de produzir fanatismo ou fundamentalismo mas de explora-lo.

Agora que teria produzido tais arroubos de misticismo?

As montanhas? De modo algum pois também estão presentes nas Penínsulas Itálica e Balcânica.

O engenho dos reis e governantes?

Não porque haviam reis e governantes por toda Europa; assim na França e na Inglaterra.

O Catolicismo?

Não, pois este também se achava presente em todos os recantos da Europa, assim na Itália e na França.

Catolicismo e monarquia eram elementos comuns a toda Europa e nem por isto a Europa como um todo percorreu o mesmo rumo sócio cultural que a Espanha.

A depender do Catolicismo e da monarquia a História da Europa seria igual.

A depender da orologia ou das montanhas, P Ibérica, P Itálica e P Balcânica teriam seguido os mesmos rumos.

Qual fator diferenciado deveríamos buscar na Espanha os arroubos de misticismo ou os acessos de fanatismo característicos daquele povo?

Se a simples leitura do antigo testamento ou o simples contato com a literatura dos antigos judeus foi capaz de transtornar as mentes dos 'civilizados' ingleses de Buckle, para não falarmos nos escoceses, nos franceses e nos suíços; os quais enquanto foram dominados ou inspirados pelo calvinismo, mostraram-se tão bárbaros e grosseiros quanto os espanhóis (Afinal não fizeram queimar Servet a lenha verde na Praça Champel pelo simples fato de ter insinuado que o sangue circulava nas veias?).

Em que os fanáticos calvinistas iconoclastas, depredadores de igreja e queimadores de bibliotecas foram mais dóceis ou civilizados do que os espanhóis não o sei?

Alias o número de igrejas e obras de arte demolidas na Escócia, da Holanda e em certas regiões da França, é coisa impressionante. Poucas delas restaram em tais paragens, apesar de sabermos quão religiosas haviam sido as gentes medievais. Tal o furor vesano desta reforma alimentada pela leitura da Torá ou da Tanak.

Que dizer então dos espanhóis em cujo território conviveram por séculos a fio não apenas Cristãos e Judeus, mas Cristãos e muçulmanos? E em cujo território os Cristãos - Mustaribes ou mozárabes - adotaram costumes árabes, arabizando-se...

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Não poucos analistas tem sugerido que a Inquisição espanhola, posteriormente cooptada pela monarquia com objetivos de natureza política, foi produto da dupla influência exercida por instituições judaicas - Como os tribunais das Sinagogas, responsáveis por disciplinar nos heréticos - e muçulmanas, neste caso evidentemente a Murtad; associada a uma compreensão equivocada das Cruzadas, a partir de determinado momento encarada como uma jihad Cristã.

De fato o Catolicismo espanhol (Teologicamente muito pouco profundo ou consistente após seu exílio forçado nas montanhas asturianas.) parece ter absorvido tanto elementos judaicos - Como a ideia de um tribunal religioso apto para punir os profitentes e impedir a apostasia - quanto elementos muçulmanos, como a ideia análoga de Murtad. Já a Cruzada multisecular exercida contra os muçulmanos fez com que assimilassem o espírito do jihadismo ou que concebessem um jihadismo 'cristão'.

Foi tudo fruto da ignorância e vulgaridade do elemento Cristão acantonado nas montanhas bem como da convivência com tradições religiosas aquele tempo (Como é o caso do judaísmo, hora progressista em sua maior parte) marcadamente fundamentalistas, controladoras e fanáticas. O que aconteceu na Espanha medieval foi assimilação cultural.

Por outro lado não podemos negar que este caráter inquisitorial tenha sido reforçado - e é justamente aqui que a mentalidade espanhola nos parece tanto mais digna de compreensão ou mesmo de simpatia - pela irrupção da 'maravilhosa' reforma protestante, com o decorrente estado de anomia religiosa e guerra aberta. Negar que a reforma protestante trouxe o caos as sociedade que a abraçaram é falsear a História. Aquilo, permitam-me dizer foi uma orgia de duendes ou delírio de fanatismo.

Que dizer a respeito das guerras religiosas que assolaram a França, Alemanha e Inglaterra por mais de século ou seja de meados de 1525 a 1648. Das revoltas dos nobres e dos camponeses na Alemanha luterana ao fim da Guerra dos Trinta anos e da Revolução Inglesa, o saldo de mortes foi pavoroso.

Somente a Guerra dos trinta anos deve ter feito 7.000.000 de mortos. Adicionemos outros tantos 3.000.000 por conta de todos os distúrbios anteriores a contar da Rebelião dos nobres adiante e chegamos a cifra, possível de 10.000.000 de almas removidas da face da terra após o advento da 'divina' reformação. Estou falando em um décimo em comparação com o total de mortos durante as duas grandes guerras mundiais.

Isto sem falarmos nos aleijados, nos órfãos, nas situações de miséria, na destruição de patrimônio e no caos social generalizado.

Diante de tudo quanto sucedia no centro e Norte da Europa o amigo leitor acha mesmo que as populações do Sul da Europa, especialmente as da P Ibérica, não se sentiam mais seguras sob a tutela da execranda inquisição. Diante dos que estava sucedendo no resto da Europa parte considerável dos cidadãos portugueses e espanhóis dos séculos XVI e XVII eram gratos a Inquisição.

Caso aceitemos o número - Comprovadamente absurdo - de mortos proposto por Llorente; 32.000 e adicionemos o total de bruxos sacrificados pela inquisição Alemã; 25.000 e o saldo das demais inquisições europeias como a Portuguesa e a Italiana 5.000 chegamos a cifra de 60.000 mortos. CIFRA DUZENTAS VEZES MENOR DO QUE O SALDO DE MORTES PROVOCADAS PELO ADVENTO DA REFORMA PROTESTANTE!
Sabemos no entanto, por fontes mais sérias e confiáveis - porque acatólicas e insuspeitas - que a inquisição espanhola, durante toda sua duração, não chegou a supliciar mais do que 5.000 pessoas, enquanto que as demais todas juntas sequer atingiram estas cifra; ficando o saldo de mortes da inquisição papista em cerca de 10.000 pessoas. Apenas se acrescentamos os processos por bruxaria - E para tanto devemos acrescentar e fazer notar que os protestantes alemães e ingleses foram campeões em queima de bruxos deixando os papistas no chinelo - que culminaram em pena capital, atingimos a cifra total de 30 mil mortos. UMA CIFRA QUASE QUATROCENTAS VEZES MENOR DO QUE O SALDO DE MORTES PROVOCADAS PELA 'MARAVILHOSA' REFORMA PROTESTANTE. Sem contarmos as bruxas e bruxos queimados por eles...
Os 'estúpidos' ibéricos estavam perfeitamente cônscios de que para eles a Inquisição representava um mal muito menor e não estavam nem um pouco interessados numa 'liberdade' responsável por tão imensa hecatombe.

Foi apenas após o fim das guerras religiosas i é a partir da segunda metade do século XVII e particularmente a partir do século XVIII e do iluminismo, que a opinião pública começou a oscilar e a clamar contra os abusos da Inquisição. Aqui o erro funesto da monarquia espanhola foi mante-lo - já noutro contesto, de liberdade - até meados do século XIX. Ocasião em que as condições do velho continente haviam mudado por completo e que as massas já não faziam a menos ideia do que tinha sido o Centro Norte da Europa século e meio antes. A memória dos efeitos da grande rebelião protestante havia desparecido, de modo que a Inquisição converteu-se em prato predileto da crítico, ou seja, em vilã. O que não reflete nem de longe a opinião dos insulares nos séculos XVI e XVII.

É importante que isto fique bem claro, assim o caráter revolucionário, violento e agressivo da reforma protestante, a qual nada teve de democrática ou de pacífica, sendo imposta a ferro e fogo pelos governantes - Fossem reis ou senados municipais - no mais das vezes a contra gosto do bom povo. Devo lembrar a guerra santa proclama por Zwinglio contra os cantões Católicos da Suíça, que se recusaram a abraçar sua reforma ou submeter-se a suas opiniões religiosas ou de como 'Novo Maomé' pereceu com a espada em punho atacando os Cristãos em Cappel???

Que dizer então sobre Genebra, Leyde ou Drogueda? Tais as calamidades produzidas pela nova religião bíblica.

Por isso os líderes protestantes fazendo galas do santo Evangelho folgavam dizer terem trazido não a paz mas a espada a infeliz Europa.

Em questão de saldo de mortos ou custo benefício a odiada inquisição espanhola foi mais vantajosa, a P Ibéria, do que a amada reformação ao resto da Europa.

Isto é tão certo que atualmente os pastores são obrigados a se sair com desculpas como estas:

"NÃO IMPORTA SE FORAM MUITOS OU POUCOS CASOS, importa que você não pode dizer, estou certo e você errado, por isso vou te queimar."

De plano acordo, não podemos fazer isto, é um crime, já dizia nosso S João Crisóstomo.

Por outro lado também não podemos admitir que um homem ou um grupo de homens ordenem a toda uma população que abandonem a fé ancestral em benefício duma outra ou que aceitem essa mudança passivamente permitindo que seus locais de culto sejam destruídos...
A diversos títulos e em diversas ocasiões os reformados tentaram fazer isto com o apoio de Lutero, Calvino, Knox, etc

Em que a mudança religiosa na Inglaterra, proclamada ou decretada por Eduardo VI foi liberal não o sei? Em que a população Católica de Genebra e das outras cidades da Suíça foi teve sua escolha respeitada também não sei...

Evidentemente que tudo isto tinha mesmo de degenerar em guerra ou conflito aberto, fazendo reverter o renascentismo, aniquilando o humanismo e fazendo a Europa ficar paralisada por séculos, se é que não a fez recuar.

Diante de tal situação - Calamitosa e angustiante para os próprios protestantes alemães do final do século XVI - é perfeitamente natural e compreensível que o número de mortos tenha sido objeto de consideração por nossos ancestrais ibéricos do século XVI, ora tidos em conta de molengas ou estúpidos.

É que levaram em consideração as condições porque passava a maior parte da Europa naquele momento e qual fora o fator causal que a precipitará naquele 'forno'; considerações que nós cidadãos do século XXI desconsideramos ou ignoramos.

Enfim, tal condição, só fez por confirmar o povo espanhol na velha direção assumida durante o auge das Cruzadas Ocidentais. Pelo simples fato de saberem que a introdução de qualquer religiosidade judaizante num contesto Cristão e Católico resultaria sempre em conflito. O que nos leva a constatar que o recrudescimento da intolerância religiosa no Brasil contemporâneo associada ao crescimento das formas pentecostais, bíblicas ou judaizantes - Em que pese nossa tradição de tolerância e o secularismo - é bem mais do que mera ou simples coincidência.

Como poderia ter sido diferente na Europa do século XVI?

E como os cidadãos europeus poderiam suportar paciente ou alegremente um tal estado de coisas?

Por isso digo que a irrupção da Reforma protestante e especialmente de suas consequências a nível social, fortaleceram ainda mais o espírito inquisitorial dos espanhóis.

Resta-nos delucidar porque o espírito científico não floresceu na Península.



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