domingo, 16 de abril de 2017

Leon Metchnicoff - A civilização e os grandes rios históricos

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Contribuições há, feitas a História, que não podem permanecer esquecidas, devido a sua continua, para não dizer eterna, atualidade.

Assim a de Leon Metchnicoff, irmão dos igualmente célebres Ellie e Ivan, na humilde e ao mesmo tempo colossal obra 'A civilização e os grandes rios históricos' dada a imprensa, post mortem, em 1889. O autor havia falecido no ano anterior 1888.

Trata-se a meu ver de uma dessas obras imortais e que marcam época a exemplo da Decadência do Império romano de Gibbon (Assim as obras QUASE homônimas de Sismondi e Ferrero) da História da conquista da Inglaterra pelos Normandos de Aug Thierry, da História dos Gauleses de Amadeu Thierry, da História do direito de Savigny, da História do povo alemão de Jahnsen, da História das Cruzadas de J F Michaud, da História da Reforma na Alemanha de Doellinger, da História da conquista do México, História da Conquista do Peru e da História do reinado de Fernando e de Isabel, a Católica por W H Prescott, dos Tempos pré históricos de John Lubbock, do Regime municipal do Império romano no século V de Guizot, da História dos monges no Ocidente de Montalembert, da História do helenismo de Droysen, da Sociedade antiga de L H Morgan, da História dos Papas de Leopold Von Ranke, da Cidade antiga de Fustel, da História das perseguições religiosas no Império romano de Paul Allarddos Primeiros habitantes da Europa de Arbois Jubainville, do Marco Aurélio e o fim do mundo antigo de E Renan, da História da Civilização na Inglaterra de Buckle, do Fim do Paganismo e da África romana de Gaston Boissier, dos Gauleses de André Lefevre, do Espírito do Capitalismo e a Ética protestante de Max Weber (Dentre todos o primeiro!), das obras de Denifle e Grizar sobre Lutero, da História da Igreja antiga de Louis Duchesne, da Historia da Literatura latina na Africa de Paul Monceaux, do Maomé a Carlos Magno de Pirenne, do Amanhecer da consciência de Breasted, da Sociedade Feudal e da Apologia da História de M Bloch, da História da incredulidade no século XVI e da Europa: gênese da civilização de Lucien Febvre, do Outono da idade Média de Huizinga, da Trilogia de V G Childe, do Renascimento de Edith Sichel, da História da riqueza do homem de Huberman, do Feudalismo de Ganschoff, da História social da criança e da família e da História da morte no Ocidente de Aries, das Fontes democráticas nas ordens religiosas da Idade Média de Leon Moulin, do Processo civilizatório de Norbert Elias, da Trilogia de Duby (1976/1978/1981), do Novo conceito de Idade Média de Le Goff, do Mediterrâneo de F Braudel, da Civilização do Renascimento por Jean Delumeau, da Conquista da América por Todorov, do Cristianismo, tolerância social e homossexualidade e Uniões do mesmo sexo na Europa pré moderna de John Boswell, de Como os irlandeses salvaram a civilização por Th Cahill, da Democracia bizantina de Kaldellis, etc

Assim A civilização Egea e a Cidade grega de Gustav Glotz, a História de Roma por Mommsen bem como os estudos subsequentes de Leo Homo e Pierre Grimal; Os aztecas de Solustelle, as obras de Paul Lemerlle e Runciman sobre Bizâncio, as de Christopher Hill sobre a Revolução Inglesa, as de Lamartine, Thiers, Sybel, Jaures, Soboul e outros sobre a Revolução Francesa, as de Robert Darnton sobre o iluminismo e as brilhantes sínteses cultuais elaboradas por Christofer Dawson e Butterfield.

Isto só para lembrar algumas leituras clássicas indispensáveis em termos de compreensão Histórica.

Há muito que se falar, debater, dialogar e discutir sobre cada uma delas.

No entanto, para este Domingo, escolhemos a obra de Metchnicoff justamente por ser pouco conhecida e divulgada entre nós. Apesar de contar já com mais de século.

Assim se Le Goff revolucionou o conceito de Idade Média, evidenciando que as tais 'trevas' - Saídas da pena protestante, logo partidária ou preconceituosa - não passavam de fábulas, se Elias salientou as teias de interdependência cultural, se V G Childe mantendo a ideia de um progresso linear e contínuo admitiu a existência de recuos, durante as crises; além de descrever a ampliação do círculo da cultura no Oeste da Europa, se Breasted cunhou o termo 'crescente fértil', se Max Weber conceituou as afinidades eletivas, o mérito de Metchnicoff consiste em ter relacionado a propagação da cultura com o meio, postulando certas 'rotas' culturais.

E nem poderia ter sido mais exato, preciso e ponderado pelo simples fato de que antes dos romanos terem estabelecido suas estradas por toda Europa - investindo em meios de transporte e comunicação enquanto disseminadores da cultura a serviço do poder - já os persas haviam construído sua estrada real, que ligava o gigantesco Império de Susa, junto ao golfo Pérsico, a Sardes na Ásia menor, cortando cerca de 2.700 Km. A cuja extensão haviam associado um primitivo serviço de malas postais ou Correio, idealizado por Dário, o grande.

Já os gregos, habituados, por tradição, a navegação, espalhavam-se, a exemplo de seus predecessores fenícios e Minoicos, pelas bordas do Mar, acompanhando o litoral do Mediterrâneo ou do Mar negro, e semeando-os com inúmeras cidades ou colônias.

Faz pleno sentido que assim tenham procedido quando as vias para o interior ainda não haviam sido franqueadas na Europa Ocidental. Naturalmente que sempre existiram veredas ou caminhos, semelhantes aos que eram percorridos por nossos índios aqui na América antes da chegada do Europeu. E até caminhos mais largos e bem cuidados, a exemplo do nosso Peabiru. Rotas, como a do âmbar ou das conchas, existiam desde os tempos imemoriais.

Não de trata no entanto, de vias suficientemente amplas e cuidadas a ponto de permitirem um tráfego de carros rápido e eficiente; ou a rápida marcha de um povo, montado ou desmontado. Bem como o transporte de bens materiais e tecnológicos em quantidades relevantes. Tal só se deu após a conquista romana.

Fica posto o problema dos meios de transporte ou das comunicações - e portanto da transmissão e dilatação da cultura - onde não haviam rios caudalosos o suficiente para permitir a navegação.

Via de regra as grandes migrações pré históricas, as maiores, ao menos, devem ter acompanhado os cursos dos grandes rios navegáveis, fossem o Danúbio, o Pó, o Garona, o Ebro, o Tejo; as primeiras vias de transporte fornecidas pela própria natureza, e as primeiras rotas de cultura.

Penso que não seja preciso insistir muito a respeito de que as primeiras grandes civilizações do Velho mundo: Egipcia, Sumeriana, Indiana e Chinesa desenvolveram-se todas, no final da Idade Primitiva, junto aos grandes rios, sejam o Nilo, o Tigre e o Eufrates, o Indo e o Ganges ou o Huang Ho.

Não porque pudessem explorar o potencial hidráulico de tais correntes, mas porque podiam explora-lo tendo em vista a irrigação das terras ribeirinhas, aumentando a produção de alimentos, e consequentemente o acumulo de suprimentos. De que resultou singular benefício: Que alguns elementos daquelas sociedades não precisassem plantar, colher ou pastorear, podendo exercer outros misteres e, consequentemente especializar-se. Tais os albores da ascensão artística e científica característica da Revolução Urbana.

Desde então alguns puderam ser pedreiros, marceneiros, oleiros, tecelões, sapateiros, médicos, padeiros, cervejeiros, cantores... Recebendo em paga por seus serviços uma determinada quantidade de alimentos.

Esta dinâmica nos ajuda a compreender porque as primeiras vilas ou cidades tornaram-se tão atrativas aquele homem recém saído no neolítico. Porque havia oferta de serviços até então desconhecidos e portanto vantagens ou benefícios em termos de qualidade de vida. Ali apenas havia acesso a uma série de produtos ou serviços - quais fossem sapatos, vestimentas, pães, cerveja, medicamentos, etc - especializados e portanto executados com maior esmero. Bastando para adquirir tais produtos ou serviços estar em posse de algum excedente em termos de suprimento, ou recebe-los como pagamento oferecido pelo sacerdote rei.

Alias nada mais promissor do que dominar alguma espécie de saber ou aprende-lo. Pelo simples fato de poder empregar-se no palácio, antes de tudo uma enorme oficina e depósito de produtos administrada pelo rei sacerdote.

Devido a tudo isto a cidade, desde sua invenção, converteu-se no objeto dos sonhos das populações mais afastadas e rudimentares fossem sedentárias ou não. Todos aspiravam habitar nela de modo que elas atraíam multidões cada vez maiores, e se alargavam, e cresciam junto as margens dos grandes rios.

Isto a ponto de no Egito, pelos idos de 3500 a C coligarem-se em diversas federações, em dois reinos mais ou menos extensos - O do Norte ou baixo e o do Sul ou alto Egito - os quais acabaram unindo-se pelos idos de 3000 a C sob o cetro de Menés ou Narmer, o primeiro Faraó. Evidentemente que antes disto, e bem antes - Ao tempo do rei Escorpião (Alto Egito - 3200 a C) - a administração dos grandes reinos, do Sul e do Norte, exigiam já a formulação de um código escrito.

Afinal a produção ou coleta - o primitivo imposto - bem como a distribuição - o primitivo salário - precisavam ser anotadas e controladas de modo que o pagamento dos serviços jamais superasse a arrecadação produzindo 'deficit'. Daí a necessidade de medir, contar, pesar e classificar... Sem a qual, um tipo tão complexo de organização social não podia manter-se.

Mesmo nas cidades autônomas, e sem embargo grandes, da Suméria, do Indo e da China, um tal tipo de controle se fazia indispensável e por isso, a partir de tal necessidade, nos deparamos com a formulação de códigos linguísticos escritos - os primeiros do planeta - aparentemente, sem que houvesse qualquer relação de dependência.

Ainda hoje as escritas Egipcia, Sumeriana, Indiana e Chinesa aparentam ser diferentes umas das outras e não inter relacionadas.

Alias ao tempo em que vieram a luz - cerca de 3200, 3000, 2500, 2200 a C pouco antes ou depois - achavam-se tais pólos de cultura mais ou menos isolados; a exceção talvez do Egito e da Suméria.

A maior parte dos assiriologistas e sumerólogos considera que quando estabeleceram-se relações comerciais entre as cidades Sumerianas e as cidades do Indo (Harapinas) por volta de 2400 a C, ja ambos os modelos de escrita achavam-se elaborados. Podendo-se dizer o mesmo sobre o Vale do Indo e o Vale do Huang Ho, separados ou melhor dizendo, isolados por cordilheiras e desertos ao tempo em que ambas escritas haviam sido inventadas.

Atualmente a tese da difusão, da origem comum e da inter dependência dos primeiros modelos de escrita torna-se cada vez mais vulnerável e indefensável.

Seja como for, por volta de 2000 a C senão antes, estamos diante de quatro civilizações letradas ou polos difusores de cultura.

Quanto a Mesopotâmia apenas, devemos considerar diversos elementos, indispensáveis ao avanço posterior da Civilização como um todo. Assim o arado, a roda, a roda do oleiro e talvez o Bronze, seja como for procedente daquele entorno.

Quanto ao Egito temos o vidro, o papel, a medicina...

Tocando a tais elementos culturais é que chegamos a Metchnicoff. O qual nos oferece a melhor ferramenta para compreendermos porque a Europa Ocidental chegou a ser o que é ou porque o Mediterrâneo foi o que foi.

Para tanto faz-se necessário acompanhar os cursos destes grandes rios ou a direção que cada um deles percorria. Porque a cultura acompanhou tal direção e disseminou-se a partir das fozes de tais rios, e as vezes até a partir das nascentes.

Assim o caso do Eufrates ou Puratu, o qual era facilmente navegável contra corrente até Kish - Logo por toda Suméria - e relativamente navegável até Mari, cidade cujo Reino, chegou a estender-se até as proximidades de Halab a atual Alepo, já as portas da Ásia menor.

De fato a saída cultural sumeriana foi dupla e a princípio, ao menos aparentemente sua cultura foi despejada no Golfo Pérsico já em Dilmun, já no Elam. Embora alguns escritos deem a entender o sentido oposto i é de Dilmun - possível ponto de partida ou origem dos misteriosos 'cabeças negras' - e/ou Elam para a Mesopotâmia e desta, indo contra corrente, a Assíria, ao Reino de Mari, a Síria, e enfim - Di-lo Sargão - ao Chipre e a Anatólia, já na Ásia menor.

Sargão por sinal, orgulha-se de ter lavado sua espada nas águas do grande Mar, ou seja do Mediterrâneo.

Temos aqui uma direção cultural bastante esclarecedora, que partindo da Suméria ou mesmo - Quem o sabe? - de Dilmun e Susa, atinge a Ásia menor, em cuja costa Ocidental haviam de se estabelecer os Jônios, corridos pelos Dórios cerca do século XII a C. Estamos portanto ao lado da península balcânica ou da Grécia.

Indiretamente, assumido e levado adiante por babilônicos, assírios, sírios, palestinos, hititas e fenícios sucessivamente o legado cultural dos antigos sumérios acabou por impor-se no que chamamos atualmente de Turquia, enfim no espaço que mais tarde viria a ser ocupado pelo tronco grego dos jônios.

Perguntemos agora que rumo tomou o patrimônio cultural do antigo Egito?

Se a um lado atingiu Meroé e Sudão, dissipando suas energias na África negra até ser removido pela islamização, a outro pela foz, atingiu a costa leste ou oriental do Mar Mediterrâneo, irradiando-se pela Palestina, até dar com a Fenícia, onde encontrou-se com a cultura sumeriana, trazida pelo Eufrates.

Primeiramente através dos minoicos, depois indiretamente, através dos fenícios e enfim diretamente por iniciativa dos próprios gregos chegou esta cultura até a Ásia menor e Península balcânica, onde misturando-se a cultura mesopotâmica deu origem a primeira grande síntese cultural elaborada pelos gregos. Síntese que foi contributo particular ou específico do gênio grego, quiçá ensaiada já pelos fenícios... Não foram estes que legaram-nos o alfabeto? De fato não sabemos o quanto nós ou os gregos devemos aos antigos fenícios, posto que só temos conhecimento do quanto  produziram através dos gregos, seus sucessores e rivais.

Seja como for a grande alavancada proporcionada por essa convergência - Alias coisa única no mundo - entre duas culturas magníficas, aconteceu na Grécia. O que herdaram dos egípcios e sumérios, eles levaram adiante ou desenvolveram. Se não arquitetaram esta síntese - Hipótese em que teriam-na recebido dos Fenícios - ao mesmos tornaram-se dignos depositários dela tornando-a fecunda.

Já as culturas chinesa e indiana, seguindo os cursos de seus caudais e atingindo mares geograficamente isolados, perderam-se por eles e jamais puderam encontrar-se. A espacialidade geográfica impossibilitou que tais culturas convergissem para o mesmo ponto e formassem brilhante síntese. Tal e qual a cultura egípcia refluindo pelo interior da África, diluíram-se e perderam-se assim as culturas Indiana e chinesa, mesmo considerando que tenham civilizado diversas Ilhas. No caso da China por sinal Japão e Coréia. No caso da Índia o Ceilão, as Filipinas e a Indonésia.

Que teria produzido um síntese entre ambas as culturas, Chinesa e Indiana, tal a pujança de cada uma, é o que jamais viremos a saber?

Foi no Mediterrâneo que Eufrates e Nilo despejaram o legado cultural de dois povos essencialmente criadores: Babilônia e Egito...

Como já dissemos acontecimento único e singular proporcionado pelo meio.

A partir da Jônia, passou este legado a Península Balcânica, onde já havia sido ensaiado muito provavelmente pelos fenícios.

E a partir da Península balcânica, como já dissemos, no dorso das naus de casco negro, os gregos foram disseminando tal espírito ou cultura por todo circuíto do mediterrâneo de Trapezunt a Emporiae passando evidentemente por Massilia.

E foi a partir de tais cidades que os conquistadores romanos, adotando como sua a cultura helênica, levaram-na - em termos de idioma comum, filosofia, ciência, teatro, etc - até a coração da Europa, civilizando-o. Também empreenderam-no na África até os confins do Saara. Em todo circuíto do mediterrâneo. A partir do qual, com os Portugueses e Espanhóis, ao fim da Idade Média, despejou-se pelo Mar Oceano, ou pelo Atlântico, atingindo o Novo Mundo e propiciando outras sínteses culturais não menos interessantes no México, a partir de um substrato Azteca bastante rico e mais ainda no Peru e adjacências, onde encontrou-se com a multi milenar e ultra sofisticada civilização peruviana, contributo de diversas culturas quais sejam Chavim, Paracas, Nazca, Mochica, Chimu, Wari, Inca, etc

Foram caudais de culturas desembocando uns nos outros sempre a partir dos grandes rios, seguindo seus cursos e precipitando-se primeiramente nos mares e depois nos Oceanos até dilatarem-se pelo mundo afora. Encontro de que resultou não poucos conflitos, mas, cremos nós, numa perspectiva futura e global, propiciou também a chave para o progresso das Sociedades humanas, o qual só se faz pela troca de experiências culturais.

Este fascinante caminho, provido pelo meio ou pela sorte, foi devassado, a menos de cento e trinta anos pelo brilhante cientista Leon Metchnicoff em A civilização e os grandes rios históricos, leitura ainda hoje proveitosa que a todos recomendamos.

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