Se, ao contrário do protestantismo, do capitalismo e do comunismo o anarquismo jamais esteve a ponto de substituir o papismo e de unificar a Europa ou o mundo, nem por isso sua origem e facetas deixam de ser interessantes.
Quem o criou...
Não se pode saber com exatidão - Pois alguns autores apontam os 'Diggers' da Revolução inglesa e outros até mesmo os 'Levellers'. Outros, em termos de continuidade apontam Godwin: Esposo de Mary Wollstonecraft, pai da segunda Mary e genro de Shelley, o qual como Paine e Benthan era democrata, politicamente liberal e miniarquista, mas de modo algum anarquista - Tal o caso dos revolucionários do século XVII: Todos no máximo republicanos exaltados ou jacobinos... Nem os diggers, nem os jacobisnos, nem Babeuff, Paine, Benthan ou qualquer outro jamais concebera o homem abstratamente como uma espécie de ilha ou numa perspectiva não social.
Quem então teria criado o anarquismo...
Atrevo-me a apontar como seu criador o luterano alemão Johann Kaspar Schmidt, de Bayreuth, mais conhecido como Max Stirner, aluno de Hegel e Feuerbach e autor da obra " O uno e sua propriedade". O qual é apontado por muitos autores como precursor do anarco capitalismo e do pós anarquismo. Curiosamente fez ele parte do clube dos livros ou dos jovens hegelianos, juntamente com Marx e Engels (A História tem dessas), merecendo inclusive uma impugnação por parte do primeiro na obra "A Ideologia alemã".
Além de ter antecipado o pós modernismo e o nihilism, Stirner, que era anti católico, anti socialista, anti comunista, anti humanista, anti democrático, etc teve ao menos a ombridade de definir-se como Egoísta, pois argumentava não apenas pela destruição do Estado ou do Macroestado mas da Sociedade ou do convívio humano.
Esse Stirner exerceu influência decisiva sobre Spooner e Tucker, dentre outros, aqui do outro lado do Oceano e podemos traçar a linhagem até M Rothbard, M Friedman e Ayn Rand. De fato foi ele a matriz de todos os anarquismos individualistas.
Aqui um aparte, pois embora não conheçamos detalhadamente o luteranismo de Bayreuth, podemos, por via do pietismo, conjecturar que o anarquismo Stirneriano foi, a exemplo, do capitalismo, do destino manifesto ou do nazismo (cf Georges Santayana "O Egotismo na Filosofia alemã") uma secularização da busca por uma redenção individualista, dissociada da igreja, da comunidade ou do outro.
Outro o caso do francês Pierre J Proudhon, o qual escreveu ao cabo de décadas e também é apontado por alguns como pai do anarquismo. Polímata e polígrafo da estatura de um Marx ou de um Weber leu ele toda bibliografia precedente sobre o tema das liberdades, dos direitos, do Estado e da vida política - Por isso é, o conjunto de sua obra contraditório e confusionista ou caótico, pois reflete suas revisões, correções e assunções sobre o assunto. Assim, suas obras iniciais ainda ressentem a influência de Stirner, da qual se vai desprendendo nas obras da maturidade até, já no fim da vida, resgatar as tradições comunais da França campesina.
Em certo sentido prenunciou o primitivismo, o retorno da História, a não linearidade do progresso, etc - Pelo que mereceu ser combatido tanto pelos positivistas quanto por Marx, na "Miséria da filosofia" - Julgo todavia que J S Mill, com sua economia estacionária, teria simpatizado com ele.
A partir daí com os nobres russos M Bakunin e P Kropotkin, toma o anarquismo outro caminho, a ponto de podermos já falar em anarquismos: O ocidental, sempre incerto e tributário de Stirner e o Oriental ou russo, de tradição comunal e portanto comunista ou socialista.
Bakunin por sinal é quem, com sua genialidade, impõem forma definitiva a um anarquismo que podemos chamar de clássico. E o faz orbitar em torno de três pontos: O micro estado, em oposição ao macro estado; a policracia ou democracia direta, em oposição a democracia representativa ou burguesa dos anglo saxões e a miniarquia e oposição ao totalitarismo de então. Quanto a este último ponto cumpre esclarecer que ao contrário de Rousseau - Com sua vontade geral totalitária e absoluta que tudo invade. - Bakunin (Herdeiro do liberalismo inglês) situou o poder coercitivo do grupo na esfera do 'Bem comum' ou daquilo que é propriamente político, reconhecendo que os costumes, a moralidade ou a vida privada não deveria ser objeto de controle. Uma visão avançada e grandiosa, ninguém pode negar.
Aqui é Bakunin que faz retorno ou petição ao passado, retomando o ideal grego da democracia direta e sendo, em certa medida, reacionário, e não futurista inconsequente como Stirner ou Marx. Alias, sobre a 'Ditadura do proletariado' proposta por Marx e seus comunistas, declarou ele "A liberdade jamais procederá da tirania... Devendo não ser dada ao povo porém conquistada por ele."
Era esse Bakunin herdeiro da tradição Blanquista e assim da sedição ou do jacobinismo (E por aqui toca o comunismo de Marx.), noutras palavras dessa mística revolucionária intensa, legada a Lênin por G Sorel, autor das "Reflexões sobre a violência". Já Kropotkin, mantendo o legado de Tolstoi, assume um programa pacifista ou no mínimo tímido e realista face ao emprego da violência. Pelo que repudiou essa mística revolucionária em torno de uma transformação radical da cultura por meio da força.
Ainda aqui o anarquismo soube ser bem mais refinado que o comunismo. Pois ambas as vertentes - Inclusive a de Bakunin, ao menos enquanto preparação necessária para a Revolução. - russas ou orientais buscaram investir na educação ou na formação da consciência (E por ai já se vê que não eram todos materialistas ou deterministas economicistas.) criando escolas e idealizando uma instrução alternativa e paralela a estatal. Na Espanha e na Itália chegaram inclusive a produzir uma corrente pedagógica, representada por Ferrer y Guardia.
E no entanto tal projeto foi internamente sabotado e veio abaixo - Sendo vital para nós saber exatamente porque.
Sucedeu com o anarquismo o que já se havia sucedido com o protestantismo ou com o capitalismo. Pois em determinado momento deixou de ser mera construção social e política, para converter-se em metafísica ou mística totalizante, e invadir outros setores da existência como a Gnoseologia\Epistemologia, assumindo opiniões tão corrosivas quanto o ceticismo, o subjetivismo, o relativismo... E desembocando no pós modernismo atual - Chegando inclusive, com P Feyerabend, a querer reformular o método científico.
Enfim os anarquistas chegaram a concluir que a razão, a racionalidade e o racionalismo eram limitações impostas pelo poder ou uma forma de dominação que também devia ser demolida e levantaram críticas similares (Estas em parte justas face a um ideário positivista que era quase sempre acrítico face ao poder.) a ciência.
O problema aqui é que toda essa história de pós modernismo, por verdade, imaginário coletivo, narrativas, etc desguarneceu a civilização e a cultura face aos ataques do fetichismo, das mitologias e dos fundamentalismos, em especial protestante e islâmico. O que tornou nossa civilização 'mal feita' vulnerável a projetos ainda mais desastrosos, com referenciais postos na Arábia do século VII d C.
Naturalmente que o anarquismo 'político' tornou-se inócuo e despovoado, subsistindo hoje apenas como um resíduo pós modernista e incomodo, tendo em vista nossa resistência as demais culturas de morte circundantes.
Invadido, em certos setores, por um ideal de linearidade histórica ou evolutiva, e ao mesmo tempo infestado pelo irracionalismo, o anarquismo não mais consegue responder aos principais questionamentos emitidos por seus críticos.
Quero dizer que tal e qual os comunistas, os anarquistas materialistas e de tendência positivista não podem admitir que o protestantismo ou o islamismo > Formas religiosas ultrapassadas, inócuas e inofensivas (kkk) possam tomar posse do poder e ameaçar a 'sifilização' tornando-a ainda pior...
Diante disto eles continuam - Apesar da intifada fundamentalista que assistimos em quase todo mundo. - sustentando candidamente a abolição do exército e da polícia... Organizações viciadas e indesejáveis, e no entanto, face a realidade atual: Necessárias. Do contrário quem impedirá os pastores ou os ulemás de tomarem o poder pela força e construírem suas teocracias movidas pela Tanak ou pela Sharia... A ameaça é real.
Grosso modo é este problema derivado de outro, a que os anarquistas jamais prestaram a devida atenção: Como manter a soberania do micro estado ou das pequenas aldeias indígenas (Caso obtenham independência ou autonomia política.) face as aspirações imperialistas de macro estados como os EUA...
Alias os Comunistas da URSS também falharam por completo, apesar das sensatas advertências de um Trotsky, ao tentar manter seu sistema dentro das fronteiras, abdicando
Conheça também os demais artigos da série 'Culturas de morte':
- Americanismo
- Conservadorismo
- Positivismo
- Protestantismo
- Capitalismo
- Comunismo
- Fascismo
- Pós Modernismo
- Sionismo
- etc
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