Como foi dito no artigo precedente uma das poucas ideologias contemporâneas a, de algum modo, tornar-se hegemônica e tentar unificar espiritualmente a Europa foi o positivismo.
Daí a importância de compreendermos sua invenção ou o processo porque veio a surgir, pois ao contrário do comunismo não surge ele pronto como obra de dois ou três cabeças. Assim se o comunismo levou pouco mais de meio século ou de trinta anos para chegar a sua forma básica e elementar, o positivismo, a contar de 1795 ou do "Quadro histórico do progresso do espírito humano." do Marques de Condorcet aos idos de 1870, com Litreé, temos um curso de quase oito décadas e a colaboração de, no mínimo, quatro cabeças.
Condorcet foi quem, pela primeira vez, impulsionado pelo materialismo e pelos progressos da técnica no século XVIII, o século da Revolução industrial, idealizou substituir a velha escatológica cristã, com seu progresso até o fim do mundo ou paraíso, por uma escatologia natural em torno de um progresso humano ilimitado ou infinito. O que certamente nos conduz ao fim da História e ao consequente paraíso na terra dos comunistas.
A análise em torno da secularização ou naturalização da fé é de A C Grayling, mas remonta a M. Eliade, H. Arendt, P. Gaxotte e outros, aplicando-se as demais culturas de morte pós religiosas criadas na Europa nos três últimos séculos.
E com não se pode viver sem mística ou metafísica disfarçada, os incrédulos pós revolucionários mergulharam de cabeça na ideologia esboçada pelo nobre francês. Com destaque para o sr Louis de Rouvroy, mais conhecido como Duque de St Simon, criador do movimento st simonista, o qual lhe adicionou inúmeros temperos vislumbrando uma sociedade futura, ou um dado esquema de sociedade, articulada em torno de fábricas ou indústrias, da qual resultaria uma reconstrução cultural, através de novos princípios e valores produzidos.
E aqui já temos um esboço bem melhor delineado do positivismo futuro ou de suas aspirações/pretensões. No entanto essa estrutura utópica st Simoniana, ainda lembra, de longe, a estrutura da velha igreja que pretende substituir. O que também foi dito com propriedade sobre a estrutura do partido comunista soviético pelo Dr Fullop Muller, o qual chegou a ver nela um arquétipo do Vaticano...
Curiosamente foi esse aspecto reforçado ainda mais pelo secretário do Duque, o matemático August Comte, o qual ainda hoje é acusado por se ter apropriado indevidamente da obra de Rouvroy, sem lhe ter atribuído os devidos créditos. Pois esse matemático havia sido criado na igreja papa, e sido fervoroso durante a juventude.
Então ele decidiu plagiar igualmente, a estrutura dessa comunhão religiosa, criando inclusive um calendário positivista em que os Santos da antiga fé eram substituídos por filósofos e cientistas como Galileu, Newton ou Descartes e Pascal. Além disso ele também determinou a construção de templos e a criação de cerimônias pomposas, com estátuas, quadros, alfaias, paramentos, sacerdócio e até mesmo uma paródia de grande mãe ou Virgem Maria; a saber um antigo flerte seu, a sra Clotilde de Vaux. Por onde também chegamos a maçonaria, com seu cerimonial...
Naturalmente que parte de seus seguidores chegaram a avaliar que o sr Comte, ao menos na fase final de sua vida, tinha já as faculdades mentais avariadas e se sentiam bastante desconfortáveis face a paródia religiosa.
Seja como for não faltava estro ao sr Comte. Pois chegou, antes de Maurras e outros, a compreender a total incompatibilidade entre a cultura apostólica romana e a cultura protestante, coisa que hoje, em tempos de negociação ecumênica, os apostólicos romanos desmiolados ignoram por completo.
Além disso, como herdeiro das culturas clássica e apostólica romana, em que pese ser kantiano - Como Comte e os franceses jamais produziram gnoseologia, adotaram a de Kant, derivada em parte de Hume e Locke. - empirista ou materialista Comte jamais admitiu negar a Ética ou sequer toca-la. Uma nobre incoerência sem dúvida.
Por fim Comte, descendo da terra as nuvens, principiou a escrever sobre a questão do poder ou da política tendo em vista a implantação de seu modelo social. O que conduziu-o igualmente ao exame das questões econômicas. Quanto a política foi democrata ou republicano. Porém, retomando Platão introduziu um comitê de cientistas e teóricos, e militares, responsáveis por implantar ou delinear a futura república, antecipando a ditadura do proletariado de Marx (Provável plágio da sua) e o esquema fascista. Todo despotismo atual procede de Platão via Comte como demonstrou K Popper na "Sociedade aberta e seus inimigos".
Também há revolucionarismo ou jacobinismo aqui, tendo em vista o golpe. Uma vez que o grosso da população, a falta de aparato educacional (Eram massas) vivia numa sociedade a parte e cada vez mais alienada pelo excesso de trabalho. Aqui seriam as elites ou quadros que dariam a liberdade ao povo e esboçariam seu futuro...
Por fim, parece que nós últimos anos de sua carreira, observando a realidade do outro lado do canal da mancha, o sr Comte considerou justamente a questão do liberalismo econômico e da pauperizaçao ou da miséria, insinuando algumas soluções na direção do Socialismo, sem no entanto avançar muito, pois afligido por um câncer no estômago foi colhido pela morte.
Após sua morte ocorreu a esperada cisão entre os Ortodoxos, seguidores de Comte e de sua igreja fake e o grupo chefiado pelo ilustre filólogo - Autor do Dicionário da academia francesa. - E J Litreé, o qual apesar de ter morrido apostólico romano, enquanto chefiou o positivismo notabilizou-se por adotar uma estrita linha de coerência. Da qual resultou a negação da Ética e da Estética enquanto elaborações metafísicas.
E tal negacionismo, tocando as raízes clássicas de nossa cultura, foi um marco.
O qual por trinta ou quarenta anos norteou grande parte da elite positivista. Desde então passou ela a encarar a questão do bem e do mal, do vício e da virtude... Como mera bravata. Enfim como algo inverificavel, relativo, subjetivo, neutro ou indiferente. O que não deixou de repercutir quase de imediato entre a juventude anarquista e comunista, resultado na ação direta.
Entrementes passou o positivismo a vizinha Albion, partindo do grupo de Darwin, a esse tempo já agnóstico. Entre os ingleses contou com a adesão de Mill e Spencer sofrendo algumas alterações ou suavizações, conforme o temperamento e a cultura dos britânicos. Na Inglaterra desvinculou-se o positivismo do grosseiro materialismo francês, legado do iluminismo e, retornando a Kant, elaborou o discurso agnóstico, sem dúvida alguma mais sóbrio ou coerente.
A corrente agnóstica, como já foi assinalado, tinha certa proximidade com Darwin e seu círculo e teve como pioneiros Galton e Huxley. Posteriormente os ingleses chegaram a acomodar o agnosticismo formal com a frequência a igreja anglicana e a admitir inclusive, que ele podia ser completado pela fé religiosa, segundo a aposta de Pascal. Naturalmente que a consequência foi um certo afastamento entre o positivismo francês e o positivismo inglês, a qual recorda a famosa querela entre os espíritas ingleses e franceses ou não kardecistas e kardecistas.
Aliás o espiritismo francês ou kardecista, ousando apresentar suas doutrinas ou crenças como científicas (Que hajam fenômenos ou fatos paranormais é outra coisa, mesmo quando possivelmente causados por espíritos humanos desencarnados) ressente a influência do positivismo, no tempo e na formação da cultura. Por isso está ele, o positivismo, presente tanto no espiritismo quanto no marxismo... O que torna essa história ainda mais fascinante.
Ainda na Inglaterra a crença positivista no progresso ilimitado da humanidade via ciência, contou com um notável paladino no ensaísta e romancista H G Wells, o qual floresceu até o pós guerra e por diversas vezes terçou armas com o fabianista G B Shaw, inclusive a propósito da própria guerra.
Como se vê o positivismo prometia muito, inclusive, em dado momento produzir uma moralidade ou Ética através da ciência (O que cognominavam Ética positiva ou empirica.) - O que jamais aconteceu (A tentativa mais próxima e malograda foi o utilitarismo 'ortodoxo' ou individualista de Benthan, o qual, como se vê, aproxima-se tanto do egoísmo de Stirner quanto de Maquiavel.) e conduziu a humanidade a primeira grande guerra i é ao inferno sobre a terra.
Após a primeira grande guerra seguiu-se a decepção generalizada. Sendo assim, tanto o homem médio quanto a intelectualidade europeias, lançaram o cientificismo (Sempre não ético, neutro ou acrítico face as mazelas sociais e políticas que afligem o mundo.) ou mesmo o conhecimento científico, as urtigas, tal e qual haviam feito antes com a fé e a filosofia. Até que nada restou além do comunismo, a derradeira esperança da Europa.
Estourando a segunda guerra a situação agravou-se ainda mais. A ponto de nos países não comunistas do Ocidente proliferar o pós modernismo, que hoje cede passo e apoia o imperialismo árabe, digo, o islã e a demolição da cultura.
Falhou o positivismo quanto a suas ilusões e falsas promessas e tinha mesmo de falhar pois começou ignorando\romantizando a condição real da população urbana inglesa pós industrial, a qual provavelmente rivalizava com a dos escravizados pretos no Brasil.
E potencializou seu erro original ao negar a Ética por ódio a metafísica. Pois dessa negação resultou sua comunhão servil com os poderes políticos e econômicos, cujos resultados, em termos de miséria ou guerras, jamais chegou a questionar, mantendo-se sempre neutro ou indiferente - Sempre colaboracionista e por vezes até conservador. Mais - Chegou ele, não poucas vezes, a apoiar o darwinismo social - Resíduo ou bastardo metafísico seu.
Com a colaboração do positivismo (E do protestantismo é claro) pode o liberalismo econômico levar adiante sua pauta, aumentando a miséria, alimentando conflitos e estimulando guerras que funcionavam como mercados de armas e munições e assim como fonte de renda ou benefício para alguns poucos celerados. Nada fez essa ideologia toda poderosa e influente para impedir ou frear a calamidade da primeira grande guerra. Quem tentou fazer algo foi J Jaures e P Kropotkin, os quais não pertenciam ao movimento.
A depender dos positivistas atuais - Porque existem! - teríamos inclusive uma terceira grande guerra, a qual, servindo-se de algum darwinismo, seus biólogos e panfletários não tardariam em classificar como benéfica (Ocorrem-me o grande Malthus - Na polêmica contra Godwin - e Von Moltke) tendo em vista o excesso de população e a redução, não da miséria kkkk, mas dos pobres kkkk.
Pois é, lobo perde o pelo mas não perde o vício.
E o neo ateísmo maravilhoso, que segundo Dawkins, ainda não produziu um sistema de ética próprio, faz dessa ideologia inutil, ociosa e perversa suas delícias.
Reflitamos...
Conheça também os demais artigos da série 'Culturas de morte':
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- Conservadorismo
- Positivismo
- Protestantismo
- Capitalismo
- Comunismo
- Fascismo
- Pós Modernismo
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- etc
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