sábado, 31 de dezembro de 2016

Religiões: Sintomas de vida e morte... A agonia do Cristianismo e o fim da civilização humanista II







No entanto como disséramos, nem sempre fora assim.

A respeito da moralidade conjugal por exemplo, indicamos a título de leitura as obras de Charboneau (Pe) e do consagrado literato Morris West.

Apenas para resumir direi que a igreja antiga tolerou o concubinato, concedeu carta de divórcio sem maiores dificuldades, considerou o abandono no lar como equivalente a dissolução do vínculo... Já o ocidente medieval foi conivente com a masturbação (Pedro Damião foi o primeiro a condena-la no século XI), tolerou quando não incentivou - em algumas sociedades - o sexo antes do casamento, admitiu que o sexo oral enquanto preparativo para o coito não era pecaminoso, etc cf John Boswell "Cristianismo, tolerância social e homossexualidade" 1980)

Tovadia na medida em que um número cada vez maior de homens era forçado a abraçar o monacato contra a própria vontade, multiplicavam-se tanto os atos de masturbação, quanto os de homossexualismo e pederastia, o que naquele contexto implicava pecado de infidelidade. Na medida em que o Império romano esboroava-se e que bárbaros teutônicos e jihadistas muçulmanos massacravam os soldados e destruiam as cidades, certo número de homens espertos era levado a buscar paz e segurança nas comunidades monásticas. Nas quais havia relativa imunidade, comida, sossego... mas não mulheres. O que levava os não vocacionados e oportunistas a 'pecar' contra a castidade. Não porque a sexualidade fosse encarada como má, mas porque tais pessoas havia feito voto a Deus.

Tendo em vista o saneamento de tais males a igreja optou por recrudescer sua posição levando tais condenações, sobre matéria sexual, até os leigos. Pois se conseguisse disciplinar os leigos e afasta-los de certas práticas sexuais até então autorizadas ficaria mais fácil obter candidatos sóbrios e disciplinados para o monacato. Esta decisão implicava, ao menos até certo ponto, em 'monacalizar' a sociedade profana. Inaugurando um novo ethos sexual, um ethos repressor.

Portanto a adoção de normas sexuais mais rígidas por parte da Igreja decorreu não de ilações teológicas mas duma realidade social externa a si. Da dissolução das estruturas sociais, inclusive da própria família e duma situação de agitação e angústia que estavam empurrando as massas sem perspectiva para as organizações monacais, do que resultará o declínio do ideal e sucessivas crises de identidade. Pois parte daqueles homens e mulheres estava adotando um tipo de vida para o qual não tinham a mínima aptidão, um tipo de vida superficial e aparente, enfim um tipo de vida assumido não por amor mas por cálculo.

Em seus estertores finais parte da Sociedade antiga internou-se nos mosteiros pondo em perigo a velha e consagrada disciplina. Diante disto a igreja optou pelo contra ataque e de fato revidou tornando bem mais rígido o código sexual vigente e assumindo uma perspectiva cada vez mais puritana.

Parte dos leigos no entanto, jamais se deixou colonizar e resistiu ao cabo dos séculos.

Tal o caso do Ocidente ou da igreja latina.

Parte daquela sociedade, herdeira da cultura greco romana, mostrou-se infensa e irredutível face as condenações da igreja.

E por conta das profissões religiosas meramente formais ou forçadas a 'imoralidade' por assim dizer, apossou-se cada vez mais das 'casas de Deus'. Em que pesem as ameaças e maldições do alto clero parte da sociedade medieval continuou a encarar a sexualidade sob uma perspectiva puramente natural e a transar tal e qual seus ancestrais.

Pelo século XV desta Era não era apenas a maior parte da sociedade ocidental, mas parte considerável do clero ocidental que se entregava sem maiores escrúpulos as delícias da carne e dir-se-ia que a igreja romana fora cooptada e vencida pelo orgasmo. No entanto aquela mesma sociedade achava-se fragmentada e havia - enquistado nela - um setor poderosamente influenciado pelo judaísmo antigo e pelo maniqueísmo representados pelo Bispo Agostinho. Este setor encarava a outra parte da sociedade como pervertida e a igreja como corrupta, mas estava determinado a redimi-las, restaurando (???) a boa e velha disciplina e retomando o ideal de monacalizar a sociedade.

Foi este setor que alimentou e apoiou a revolução protestante e como já dissemos, esta tendência corporificou-se na pessoa do teólogo francês João Calvino.

Ocioso seria discorrer aqui sobre a disciplina imposta por Calvino aos infelizes genebrinos. Ali tudo era definido em termos de sobriedade: música, dança, comida, bebida, traje, vocabulário, sexualidade, etc Ao invés do Catolicismo ter se encarnado neste mundo pela implantação do amor, da bondade, da justiça, da solidariedade, a tolerância, da paz, etc o que se encarnou em nome do Cristo, na Genebra do século XVI, foi o espírito do farisaismo nos mesmos termos em que a sharia dos muçulmanos. Cf Zweig 'Uma consciência contra a violência' e Pierre van Paasen 'Nestes tristes dias' 

Nem precisamos dizer que a igreja romana, muito mal avisada, foi no reboque.

Afinal Calvino não cessava por um instante seque - exatamente como nossos sectários - de apelas aos escritos dos antigos judeus ou ao que chamava de 'Bíblia'. O que conferia certo prestígio a sua cruzada moralista, mesmo entre os Católicos...

Ao fim deste tenebroso caminho a igreja romana apresentou mais uma vez ainda o maniqueismo e o puritanismo em termos metafísicos e essencialistas e revestiu-os com um aparato dogmático que chegou a causar inveja nos setores mais obscuros do protestantismo, uma vez que este sistema, marcado pelo livre exame, não se revelava suficientemente impermeável e eficaz entre os europeus. Possibilitando sempre uma outra interpretação tanto mais suave ou mesmo liberal. A igreja romana por instinto refugiou-se mais e mais na cova do moralismo a ponto de apresentar-se como sua campeã e redentora da sociedade européia, sem imaginar que estava a tragar veneno e a suicidar-se espiritualmente.

A igreja romana assumiu uma causa que não era sua e tornou-se odiada, enquanto parte do protestantismo conseguiu manter seus 'créditos'.

No entanto desde as primeiras décadas do século passado assomaram lá na Europa católica certas vozes discordantes, as quais jamais puderam ser caladas e tornaram-se cada vez mais fortes, até formarem, mais uma vez, um setor, o setor do liberalismo moral. Em maior ou menor medida parte dos católicos mais esclarecidos acabaram assimilando as opiniões de S Freud e numa perspectiva teológica semi liberal e ao mesmo tempo sociológica puseram-se a denunciar a judaização da fé e o agostinianismo como equívocos.

Tanto na Europa quanto nos EUA este setor tornou-se emblemático justamente por trazer em seu bojo o pressuposto a ideia de que a cultura judaica - ao menos em seu todo - não é sagrada e por colocar em cheque a querida teoria da inspiração plenária ou linear com sua imagem artificial de um 'Corão Cristão'. Em certo sentido os Críticos da moralismo tendem a questionar mais e mais os posicionamentos dos profetas, de Paulo, de Agostinho, etc e a fixar seu ideal de moralidade no Evangelho ou seja nas palavras de Jesus Cristo autor da fé e fundador da Igreja. Implica isto uma compreensão correta ou exata de cultura...

No entanto semelhante tipo de compreensão não é nem poderia ser comum a toda Igreja e a uma igreja gigantesca somo a igreja romana (podemos dizer o mesmo das igrejas Ortodoxa e anglicana). Pois esta sempre na dependência da instrução e do esclarecimento.

Eis porque a afirmação dos romanismos (e mesmo dos Catolicismos!) latino americano, africano e asiático e o declínio dos romanismos europeu e norte americano colocam em situação de risco o setor do liberalismo moral e a própria tradição legítima da igreja, ora ignorada por seus próprios filhos e substituída por um ethos de origem protestante ou calvinista.

Agora para compreender-mos o que tem acontecido e poderá acontecer com a igreja romana de amanhã, devemos considerar historicamente a Igreja Católica Ortodoxa e sua relação com o mundo islâmico. Em termos de dinamismo cultural essa análise é não apenas esclarecedora mas fundamental.

Antes de abordar esta passagem cultural feita pela Ortodoxia gostaria de enfatizar, ainda mais uma vez, o caráter liberal da modalidade cristã bizantina e não encontro exemplo mais do que a Instituição da Adelphopoeisis (apud Boswell "Casamentos de semelhança ou uniões entre pessoas do mesmo sexo na Europa pré moderna" 1994 ingl). Boswell era filólogo e poliglota conhecedor de dezessete linguas e Católico praticamente de missa diária. Ademais seus argumentos a respeito da relação amorosa existente entre os soldados e mártires S Sarkis e S Bacus é perfeitamente aceitável se considerarmos que os antigos hagiógrafos descrevem-nos como Erastai o que nos remete em termos clássicos a efebia.

Da mesma maneira a instituição tradicional dos validos eunucos foi tolerada durante todos século IV e por quase cem anos após o édito de Milão. Havendo quem diga que sua condenação e a primeira condenação oficial da homossexualidade pela igreja - datada de 390 - deve-se antes de tudo ao apoio dado pelos eunucos a causa ariana. O que nada teria a ver com a malignidade essencial do homo erotismo. De fato um dos principais esteios do arianismo foi Eusébio, eunuco de Constantino e mordomo da porta do palácio imperial. cf S Atanasio, Escritos

Sem embargo disto a Adelphopoeisis chegou sem maiores problemas ao século XIX. Quiçá 'purificada' de seu aspecto sexual.

Enquanto a moralidade Ortodoxa passava por sucessivas e drásticas transformações, ficando por assim dizer 'islamizada'.

Importante compreender que religião alguma é impermeável a influência das demais. Assim como o Romanismo hodierno protestantizou-se, houve situações em que islamizou-se tal como o Catolicismo Ortodoxo. O que poderá repetir-se!

Não foi sem maiores razões que o fenômeno da Inquisição espanhola, foi atribuída tanto a judaização ou ao influxo do antigo testamento no contesto Cristão, quanto a influência do islã com sua murtad e sua jihad. Instituições assimiladas e canonizadas pelo romanismo espanhol.

O próprio espírito das Cruzadas fugindo ao aspecto defensivo - numa perspectiva social e política - que o gestará e por assim fizer degenerando também deve ter contribuído a sua parte. No entanto todas essas relações culturais em torno da violência e a agressão remetem necessariamente ao islã. Embora tenham sido alimentadas ou endossadas pela leitura dos escritos judaico 'cristãos'.

No entanto esclareçamos previamente que seja islamizar.

Islamizar é o mesmo que judaizar, i é, manter a fé cristã ou mesmo Católica e assumir costumes ou modos de vida judaicos ou muçulmanos.

O que até certo ponto é perfeitamente possível ou lícito. Exceto quanto a alguns aspectos da Ética a fé Católica não proíbe ou sequer condena a adoção da cultura judaica ou da cultura árabe muçulmana bem como de qualquer outra cultura no plano da natureza. Herética seria a afirmação de que tal gênero de vida seja superior aos modos de vida dos demais fiéis. Não havendo tal pressuposição sempre seria lícito ao Católico adaptar-se socialmente, especialmente quando pressionado.

Tal o caminho trilhado primeiramente pela Ortodoxia.

Por isso que diversas de nossas igrejas ortodoxas> Siríaca, Assíria, Copta ou mesmo Bizantinas islamizaram-se ou arabizaram-se em maior ou menor grau. Tais Cristandades mantiveram a fé imaculada e o rigor teológico, assumiram no entanto uma moralidade muçulmana e consequentemente maniqueísta, puritana, machista e homofóbica...

No entanto tais valores não são legitimamente Cristãos ou autênticos.

É a vida vivida por esses grupos Cristãos muçulmana, e a custa de adaptarem-se vivem já sob uma meia sharia, que é uma introdução a sharia.

Mantiveram a fé apenas mas não o sentido completo ou espírito da vida Cristã e incorporaram diversos preconceitos pertencentes aos padrões semitas de cultura.

Assim como já vivem parte do islã, fica fácil para eles trocar uma teoria por outra e assumir 'in totum' a crença maometana

Passam aqueles Cristãos em maior ou menor número ao islã e apostatam justamente porque suas vidas são já em parte reguladas por aquela crença e envenenadas pelo espírito da transcendência absoluta e do moralismo.

E não há como negar que sejam meio muçulmanos, apesar da fé.

Como há no Ocidente os sectários judaizantes por causa da Bíblia.

Grosso modo podemos dizer que quando a fé não da sentido da vida e não é vivida morre.

Morre entre os papistas protestantizados e entre os Ortodoxos islamizados!

Até extinguir-se por completo.

Por outro lado a vivência do Cristianismo integral, com sua Ética revolucionária, seria utopia e absolutamente impossível numa Sociedade islâmica.

Na medida em que suscitaria o ódio dos muçulmanos e determinaria sua aniquilação.

Alias norma e regra é não chocar os agarenos, e portanto...

A assimilação torna-se absolutamente necessária.

E de tal modo se concretiza que a existência de minorias cristãs nos países muçulmanos passa desapercebida aos olhos dos próprios cristãos que porventura la estejam.

A sombra do islã converteu-se a fé Ortodoxa noutro sistema de moral estreita, arbitrária, conservadora ou moralista, e até hoje tem sérios problemas para lidar com isto e não consegue superar este modelo acanhado e mesquinho mesmo quando inserida em alguma sociedade Ocidental. Dir-se-ia que o ethos islâmico criou raízes na Ortodoxia e que isto e simplesmente monstruoso.

Tal o dilema> O romanismo no Ocidente protestantiza (e consequentemente judaíza) enquanto no Oriente a fé Ortodoxa islamiza... predispondo-se a morte.


Continua

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