Assim o que aconteceu na Sociedade aconteceu na Escola.
Enquanto a Escola esteve sob a tutela da Igreja ou da religião - no Brasil até 1891 - a igreja bem ou mal, enquanto guardiã dos princípios e valores, subministrava aos cidadãos uma formação Ética. Podemos discutir o conteúdo desta formação mas não nega-lo.
Alijada a educação a diretriz religiosa por uma política quase sempre liberal e de inspiração mínimo agnóstica e materialista para não dizermos, em alguns casos, ateísta e combativa, abriu-se um nicho, e já não se cogitou em abordar o tema da Ética, o qual ficou desde então - e isto faz parte da ideologia em questão - abandonado a cogitações individuais ou a tradições familiares.
O positivismo por sinal, devido a sua mística positivista - segundo a qual a ciência produziria consciência ou a instrução produziria valores comuns - não poupou críticas a uma ética que encarava como metafisica ou abstrata e como tal vinculada as superstições religiosas.
O dealbar o ensino laico entre nós comporta um total abandono em termos de ética e moralidade, encaradas sempre do ponto de vista meramente subjetivo e relativista. A escola não mais cabia, como a igreja, educar pessoas ou construir carácteres, mas apenas e tão somente instruir ou informar. A educação da vontade por assim dizer e a comunicação de princípios e valores comuns foram pura e simplesmente rechaçadas enquanto modelo de pensamento eclesiástico e ultrapassado.
O propósito aqui foi abalar o homem religioso e controlado pela igreja.
E já adiantamos ser totalmente contrários ao ensino religioso ou a qualquer tipo de influência religiosa na educação pública.
Não é o caso.
A laicização era e ainda é uma meta de extrema necessidade.
No entanto não justifica nem de longe o abandono da Ética.
Aqui o dever do legislador era abrir um espaço para discussão em torno dos sistemas naturalistas. O que de modo algum foi feito.
Pelo que abatendo-se o poderio da igreja e abalando o éthos religioso daquele homem não atingimos o ideal sublime do humanismo.
Antes me parece que por preconceitos não menos danosos - face aos preconceitos religiosos a que se buscava fugir - o tiro saiu pela culatra e assistimos a produção de um tipo de homem pior> O homem totalitário, seja ele comunista, fascista ou nazista; além é claro do ideal de homem individualista do liberalismo. Ficou a divindade substituída pela raça, pelo poder, pelo partido, pela classe, etc enquanto a mesma mística racista ou estatólatra proliferava...
A educação anti religiosa implantada na escola pública pelos liberais (materialistas, ateus, agnósticos, etc) em meados do século XIX e princípio do século XX produziu um desastroso vácuo em termos de Ética. Deixada ao encargo dos indivíduos esta forma de reflexão não foi cultivada com a devida seriedade. A reflexão deixou de ser feita, ao menos em larga escala ou escala social e disto decorreu, ao cabo de todo século XX a ascensão das místicas irreligiosas a totalitárias a que chamamos culturas de morte.
Curiosamente ouvimos até hoje o eco desta clamorosa catástrofe educativa.
Representado pelo seguinte jargão professoral: "Minha tarefa é instruir e não educar."
Quem educa é o pai e a mãe, eu limito-me a ensinar.
Sou professor, não educador.
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Quem é que já não ouviu este tipo de pregação numa sala de professores???
No entanto somos nossos valores, somos aquilo que cremos e pensamos e por meio de nossas ações diárias introjetamos tais princípios e valores naqueles que nos rodeiam, especialmente em nossos alunos.
Educamos mesmo sem saber ou sem querer. Educamos quando nos recusamos a educar. Educamos quando negamos estar educando.
O pior é que educar sem assumir que esta educando e sem preparar-se para tanto é sempre deseducativo. Em suma um desastre.
Declarar - bem a gosto dos liberais - que a educação é algo pessoal, familiar e ideológico não resolve em nada o problema. Pois a opção de não educar é igualmente ideológica...
Não estamos dizendo aqui que o professor deva impor seus princípios e valores ou dogmatizar em torno de suas posições ideológicas mas certamente que deva conhecer e por no acesso da turma o maior número de teorias, opiniões, soluções e hipóteses possíveis para que sejam exaustivamente discutidas pela turma. Além de assumir honestamente seus pontos de vista e argumentar.
É desta forma, democrática e dinâmica que o tema de ética deve ser necessariamente introduzido em sala de aula. Pelo simples fato de que não será introduzido pelos pais na vida dos filhos!
Daí a função supletiva do docente.
Afinal esta reflexão não pode parar ou ser abandonada como foi no curso do século XX.
Alias do vazio liberal é que brotou espontaneamente certo clamor por diretrizes éticas ao tempo dos militares. Inconscientemente este clamor existia, apenas foi abusado pelos militares, os quais aproveitaram-se dele com o objetivo de implantar uma disciplina não apenas normativa mas essencialmente fechada e monolítica 'Educação moral e cívica'. De certo modo as disciplinas implantadas pelos militares tinha por mira o antigo ideal de Unidade social, nacional ou cultural já presente nos antigos gregos, sem no entanto ousar tocar ao gravíssimo problema da diferenciação econômica produzida pelo sistema de mercado. Era no entanto a retomada da velha busca por um elemento comum e o veneno aqui foi a imposição, que não deixava lugar para o diálogo, o debate e a discussão livre.
Após o fim do militarismo foram tais disciplinas riscadas do currículo.
E o nicho da reflexão ética mais uma vez fechado e selado pelo velho liberalismo embolorado.
Desta vez com certo apoio por parte de anarquistas, comunistas e outros críticos da ditadura. Uns movidos pelo individualismo e outros pelo fantasma do cientificismo, todos inspirados nos ideais do ateísmo e materialismo... acabaram acolhendo com aplausos o fim da doutrinação moral imposta pelos militares sem no entanto problematizar a respeito do espaço da ética na escola.
Mais uma vez (como após a laicização) não sei se a emenda não saiu pior do que o soneto uma vez que durante toda década de 90, sob os auspícios da ideologia neoliberal, o fantasma das disciplinas militares foi usado com bastante sucesso tendo em vista restabelecer o antigo pressupostos segundo o qual a formação ética da pessoa é assunto pessoal ou familiar e a escola cabe apenas instruir (ou informar) e jamais educar. Disto resultando oposição cerrada a ideia de criar-se um espaço ou nicho para a reflexão ética no currículo.
Foram dez anos, uma década inteira, em que se falava ou discursava sobre a ética enquanto se negava a esta reflexão algum espaço na escola pública. Agora como construir uma reflexão ética sem que a ética se faça presente nas instituições escolares??? Como admitir que a Ética seja socialmente relevante ou mesmo fundamental e relega-la a iniciativas individuais???
Felizmente, após o termo da era FHC, abriu-se um espaço destinado a Ética na escola pública. Refiro-me a disciplina de Filosofia. Pelo que este espaço privilegiado, implementado com 110 anos de atraso, adolesce ainda, pois não tem mais de quinze anos.
Urge esclarecer no entanto, que Ética, enquanto praxis e reflexão, cabe em qualquer disciplina. Não se trata portanto de algo a parte, fechado em si mesmo, mas de inspiração que deva transbordar e por assim dizer inserir-se em todas das relações escolares ou não. Mais do que uma área da Filosofia ética é vida, a própria vida, a vida considerada e refletiva.
Assim sendo, no momento presente, professor algum deveria recusar-se a educar ou seja a disseminar princípios e valores saudáveis. Nossos meninos e meninas, antes de saber a ler, escrever, calcular, etc precisam saber viver e conviver (Jacques Dellors). Não se compreende portanto que um coração generoso e nobre recuse-se a partilhar o que tem de bom com seus pupilos. Que se recuse a orienta-los para o respeito, a fraternidade, a igualdade, a tolerância, a paz, a dignidade, a justiça, o bem comum; enfim para tudo quanto seja excelente e virtuoso.
Princípios e valores saudáveis não são para serem entesourados mas para serem partilhados.
Um bom professor deve ter por objetivo primacial o tornar seus alunos mais humanos, mais sensíveis, mais solidários. Deve educar por meio do exemplo apresentando-se ele mesmo como livro vivo em que se encontram as mais belas lições de virtude. Não, não saberá instruir se não souber viver, mas se souber viver saberá e deverá educar.
Se sabe ser solidário, se sabe ouvir, acolher, estender a mão, julgar com equidade, punir com domínio e parcimônia, compadecer-se e tudo temperar com tato e inteligência, não se omita! Eduque!
Agora se não sabe nada disto vá ser qualquer outra coisa: bancário, açougueiro, advogado, etc
Como ética se ensina com a vida, embora ela deva contar com um nicho ou espaço específico, nem por isso deve ficar-lhe restrita mas como já dissemos penetrar e vivificar todas as relações escolares e humanas.
Todo homem é educador, quanto mais o professor!
Mas eu não quero entrar em choque com a família.
Simples, não imponha... Promova discussões e gerencie-as liberalmente.
Mas dará muito trabalho.
Certamente...
Mas se tiver de decidir entre instruir e educar, eduque. Forme prioritariamente seres humanos...
Se tiver de postergar a tabuada ou os advérbios postergue.
Mas não deixe de problematizar em torno das situações humanas que acontecem em sua sala de aula.
Mais do que aprender a tabela periódica nosso aluno precisa aprender a respeitar as diferenças e acolher o outro.
Portanto se surgir algum problema de racismo, machismo, homofobia, etc em sua sala jamais permita de passe em branco, antes transforme-o numa situação educativa.
Sobretudo não acredite a ilusão liberal. Segundo a qual a simples instrução elevada ou superior ou o espírito científico produzirá uma vida ética saudável.
Antes reflita detidamente sobre as palavras deste que foi um dos maiores homens do nosso tempo:
"Nosso mundo se tornou perigoso porque os homens tem aprendido a dominar a natureza antes de terem aprendido a dominar a si mesmos." Albert Schweitzer
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